Demi Lovato - HOLY FVCK (2022) | Moodgate
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Demi Lovato – HOLY FVCK (2022)

Seja por comentários polêmicos ou por demanda do público, Demi Lovato nunca esteve verdadeiramente fora da mídia, seja por novos materiais ou frequentes aparições em manchetes. Vez ou outra, é comum deparar-se com o nome da artista figurando nos tópicos mais comentados das redes sociais e, no ano passado, o lançamento de um álbum e um documentário sucederam um período de singles e colaborações com outros artistas. Ambos intitulados Dancing With the Devil… The Art of Starting Over, os trabalhos chamaram a atenção por mostrarem Lovato em um estado profundo de vulnerabilidade que relatavam seu estado mental após uma overdose que quase encerrou sua vida. Em sonoridade, o disco mantinha a paleta tradicionalmente pop comum para a cantora, com flertes ocasionais ao r&b.

Em junho, no entanto, o lançamento de SKIN OF MY TEETH, o primeiro single do HOLY FVCK, pegou ouvintes desprevenidos pela adoção de uma sonoridade mais carregada de guitarras, baixo, bateria e vocais menos melódicos. “Demi deixou a rehab de novo, onde é que ela vai parar?”, canta a artista nos primeiros versos da faixa, sob um sample de Celebrity Skin, do Hole. Enquanto a canção co-escrita por Courtney Love parece mais uma sátira dos padrões elevados e arquetípicos de Hollywood, SKIN OF MY TEETH é uma ode à sobrevivência de Lovato e a forma como o escrutínio midiático em seus momentos de fragilidade lhe castigou através dos anos. Quando o LP completo foi lançado em agosto, FREAK, parceria com YUNGBLUD, abria o álbum e complementava a temática introduzida pelo primeiro single ao personificar a artista como uma figura impenetrável que, apesar de colocar-se à disposição do público para ser atormentada, ”mordida” e criticada, jamais seria abalada. Na ponte da música, alega ter ”vindo do trauma”, numa referência a seu passado definitivamente conturbado, mas que ”permanece pelo drama”. À essa altura, torna-se impossível não perceber que Demi Lovato está pronta para revidar.

À bem da verdade, ela tem motivos suficientes para se sentir ultrajada, injustiçada ou simplesmente brava. Entre contemporâneas como Ariana Grande, Miley Cyrus ou qualquer outra ex-estrela adolescente, Lovato foi uma das que recebeu tratamento midiático mais indevido durante a carreira, tendo as idas à clínicas de reabilitação comumente reportadas pelos veículos de imprensa. Em 2010, aos dezoito anos, a cantora foi admitida pela primeira vez em um programa de desintoxicação, quando ainda experimentava o ápice de seu sucesso pós-Camp Rock. No ano seguinte, com Skyscraper, Demi emplacou um hit top 10 na principal parada musical dos Estados Unidos com uma faixa que, em sua essência, tornou-se um hino de reestruturação para milhares de pessoas que lutavam contra problemas pessoais.

Para alguém que sempre escolheu ser bastante aberta sobre suas batalhas contra a adição e a bipolaridade, Demi também não hesitou em permitir que o público testemunhasse alguns de seus episódios confusos nos últimos anos. Em 2019, na disputa entre Taylor Swift e Scooter Braun pelos direitos autorais dos lançamentos da cantora, Lovato foi às redes em defesa do agente, com quem havia assinado há apenas dois meses. “Lidei com pessoas más na indústria e Scooter não é uma delas”, escreveu em um story publicado em seu Instagram pessoal. A performance emotiva e amplamente ovacionada de Anyone, no Grammy de 2020, foi um ponto alto e desesperadamente honesto na carreira da artista que, ainda naquele ano, lidaria com ainda mais problemas. Meses depois, terminou seu noivado com Max Ehrich de forma abrupta após fãs constatarem alguns padrões de perseguição obsessivos entre o ator e Selena Gomez.

No ano passado, foi produtora executiva e apresentadora do Unidentified With Demi Lovato, um programa paranormal que pretendia examinar possíveis conexões terráqueas com alienígenas e outras entidades esotéricas. Num momento que viralizou no Twitter, Demi pergunta para um suposto fantasma residente de uma casa mal assombrada se ela já havia se deparado com extraterrestres. Por alguma razão, a artista deduziu que o espectro em questão não se sentia confortável na presença de homens e pediu para que os rapazes de sua equipe deixassem a sala para, por fim, dedicar Skyscraper ao espírito. Na mesma época, foi à público declarar-se não binária e revelar ter sido vítima de abuso sexual na adolescência.

Com tudo isso, é absolutamente justificável que, após discos mais centrados em auto-ajuda e revitalização, Demi esteja escolhendo expressar suas cicatrizes de forma mais colérica e agressiva — seria, aliás, desumano destituí-la do direito de fazê-lo. O problema é que, quando o álbum alcança sua faixa título, o ouvinte passa a esperar por um pouco mais de substância para além dessa postura titânica ensaiada, com seus palavrões e adjetivos pouco compatíveis com a persona pública da artista. Em HOLY FVCK, a cantora compara-se com a Serpente do Éden e auto intitula-se como uma “exorcista do sexo” e uma “pecadora” na mesma estrofe em que subverte outras simbologias cristãs. Desde Madonna, profanar ícones religiosos em nome da arte sequer é uma questão problemática, mas não há como não desejar que o discurso se aprofunde ou possua alguma conclusão ou propósito. Adotar essa postura estereotipada pode ser um problema até mesmo para estrelas do rock já consumadas e, naturalmente, seria impossível não enxergar com pouca credibilidade esforços similares de outros atos de pop-rock.

Nesse mesmo sentido, graças à sua potência vocal inegável, Demi consegue convencer o ouvinte bem mais do que seria o caso se essas mesmas letras estivessem sendo cantadas por contemporâneas que não possuem um timbre tão estrondoso, como Taylor Swift ou Selena Gomez. É por essa razão que faixas como HEAVEN, que trata dos dilemas religiosos enfrentados por LGBTs, soam críveis: discorrem sobre temas comuns à vivência de Lovato e, sobretudo, transparecem propriedade e honestidade. O pop rock de SUBSTANCE cria um paralelo entre a plasticidade excessiva de nosso cotidiano e o abuso de drogas, centralizado na mensagem de que Demi está procurando por mais do que isso. A canção contrasta com EAT ME, um esforço lírico da artista de retomar sua narrativa para afirmar sua autenticidade e informar a quem quiser ouvir que, se a quiserem, terão que engoli-la como é.

Por mais pessoais que as letras de HOLY FVCK possam ser, há de se questionar se as escolhas de produção não atuam, em algumas ocasiões, contra a proposta confessional das faixas em alguns momentos. É o caso de CITY OF ANGELS, que pretende relatar as reflexões de Demi acerca de Los Angeles, onde reside desde o início de sua carreira televisiva e musical. Se em 2008 a artista cantava sobre a cidade dos anjos como alguém destemida que já a havia domado completamente, agora recorre à mesma localidade como palco de intenso tédio e liberdade sexual. O refrão explosivo, confuso e estridente vem acompanhado de uma bateria insistente para produzir uma fórmula previsível, pouco imaginativa e que deixa a audiência não só com a impressão de que já ouviu a faixa antes, mas ansiando pelo retorno à La La Land de catorze anos atrás. O mesmo ocorre na inquietante BONES, com seus versos e refrão tão desconexos que, mais ao final, entrega uma outro digna de glitch pop.

A falta de coesão é, aliás, um dos pontos que trabalham contra HOLY FVCK: por grande parte de seus quase cinquenta minutos de duração, o álbum surpreende pela falta de direcionamento claro. Desde cedo, Demi expressa sua admiração pelo metal enquanto gênero e, numa entrevista para a Rolling Stone de 2010, chega até mesmo a citar suas bandas favoritas. Com acesso a inúmeros produtores mais afinados ao rock e suas vertentes, é de se esperar que, a essa altura, com mais liberdade criativa e maturidade, a cantora convocaria nomes experientes para auxiliá-la na construção de um disco que marca uma guinada tão drástica em sua carreira. No entanto, os créditos em todas as dezesseis faixas do LP trazem nomes conhecidos para os fãs da artista, como o estadunidense OAK, nome por trás da criação de Sorry Not Sorry, Alex Niceforo e Keith Sorrells, responsáveis por canções para outros atos pop como Little Mix, Chlöe e a própria Demi.

29 remonta um relacionamento passado e nitidamente desnivelado entre uma Lovato adolescente e o ator Wilmer Valderrama, doze anos mais velho, que começou em 2010. Por mais alarmante e relevante que a temática seja, perde-se nos mesmos limites que podam faixas anteriores, como o pop rock objetivo de DEAD FRIENDS. Baladas como 4 EVER 4 ME retornam às raízes da artista que desde sempre tem suas performances vocais pareadas a letras emotivas como um de seus pontos mais fortes.

Em seus picos, HOLY FVCK se encarrega de introduzir uma nova versão de Demi Lovato, não necessariamente mais amadurecida mas definitivamente mais crua e adepta à palavrões. É apenas em HELP ME, quase ao final do álbum, que a artista nos apresenta um número mais original, autoritário e autêntico de rock, sem ceder à tentação de incluir um refrão que poderia estar no último disco de Machine Gun Kelly ou Avril Lavigne. Ainda assim, ao revisitar o disco, questiona-se se os frequentes palavrões, sacrilégios líricos e temáticos eram realmente necessários para provar o ponto de Lovato; não por razões morais, mas sim porque em nada condizem com a persona pública apresentada pela artista nos últimos anos. Quando Courtney Love intitula-se um ”estudo ambulante em demonologia” nos primeiros versos da faixa interpolada por SKIN OF MY TEETH, soa crível, legítimo e irreverente, mas é impossível escutar Lovato reproduzindo adjetivos similares sem sentir algum desconforto.

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