7 álbuns para entender o Brasil no 7 de setembro | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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7 álbuns para entender o Brasil no 7 de setembro

1) Opinião de Nara (1964), Nara Leão

‘Opinião’ (1964), o primeiro disco de Nara Leão, já nasceu demarcando um rompimento da intérprete com a Bossa Nova. Segundo a própria Nara, aquele foi um momento de descoberta de um outro lado da vida e do mundo, que não era só “o sorriso, a flor e o amor”. Ao abrir os olhos para a fome, o morro e a pobreza, Nara compreendeu seu poder de influência, o alcance que sua voz poderia ter naquele momento de golpe militar recém instaurado, e utilizou isso com o intuito de aproximar mundos. Do disco nascido da parceria de Nara com Zé Keti, surgiu o espetáculo de teatro com mesmo nome – a primeira resposta artística à ditadura militar. Ali, a união entre a Zona Sul carioca (Nara), o morro (Zé Keti) e o sertão (João do Vale), inaugurou a ideia de que o protesto contra a ditadura passava, primordialmente, pela reconfiguração do que significava “ser brasileiro”, do que “era” ou do que “deveria/poderia ser” o Brasil. Ao olharmos para a história da MPB durante a ditadura, podemos inferir que essa informação foi assimilada, em maior ou menor grau, por praticamente todos os seus artistas. “Eu quero cantar toda música que ajude a gente a ser mais brasileiro e faço todo mundo querer ser mais livre”, dizia Nara no espetáculo. ‘Opinião’ é um ‘show’ de Brasil, afirmava a manchete de um jornal, à época.

“Podem me prender podem me bater Podem até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião Daqui do morro eu não saio não”

– “Opinião”, 1964, Zé Keti

2) Caça À Raposa (1975), João Bosco

‘Caça À Raposa’ (1975) é fruto de uma das mais importantes parcerias da história da MPB, a união entre os amigos João Bosco e Aldir Blanc – autores de clássicos como ‘O bêbado e a equilibrista’ e ‘Incompatibilidade de gênios’. Nesse disco, a cidade emerge como um cenário de possibilidades quase que infinitas. “Todo sambista é um cronista”, ouvi essa frase há um tempo e já não lembro mais de quem. É verdade. O olhar afiado para as pequenezas do cotidiano, marca registrada da dupla, aparece nesse álbum em estado de cristal. Há dois pontos que considero fundamentais em ‘Caça À Raposa’: o jogo da micropolítica com os sentimentos – alegria, tristeza, remorso, ciúme e etc – e a utilização da metáfora como força transgressora. O Brasil retratado no disco é exaltado na mesma medida em que é criticado – sendo o seu lado bom e o seu lado ruim duas faces de uma mesma moeda. “Meu samba é casa de marimbondo, tem sempre enxame pra quem mexer”, João Bosco avisa, em uma das músicas do disco, dando o tom da discussão.

“Tá lá o corpo estendido no chão Em vez de rosto, uma foto de um gol Em vez de reza, uma praga de alguém E um silêncio servindo de amém”

– “De Frente Pro Crime”, 1975, João Bosco e Aldir Blanc

3) Saudade do Brasil (1980), Elis Regina

“Saudade do Brasil” (1980) pode ser considerado o auge do “tônus” político de Elis. O show, transformado em disco duplo, contava a história de um Brasil já há muito sufocado e que ansiava pela liberdade, pela volta da democracia – que, a passos lentos, mostrava sinais de um retorno próximo. A ideia do roteiro do show era justamente a busca por retomar símbolos nacionais que haviam sido cooptados pela ditadura e, estética e subjetivamente, reconstruir o país. “Aquarela do Brasil”, por exemplo, música de Ary Barroso gravada anteriormente pela intérprete em 1969 (e que, à época, foi motivo de inúmeras críticas), ganhou, com a regravação em “Saudade do Brasil”, outras nuances de seriedade e profundidade, digamos. Definitivamente não se tratava de ufanismo e nem de uma ode à alienação. O que estava em jogo nesse campo de disputa simbólica, o sentimento de pertencimento ao Brasil, era algo muito valioso, e Elis sabia disso. O show-disco tinha inúmeros sucessos como “Maria, Maria”, “Alô, alô, marciano” e “Conversando no bar”, entre tantos outros, e acabava com “Redescobrir”, de Gonzaguinha, composta especialmente para o show. Penso que essa música, ao falar do gosto e do sabor da festa que precisava ser redescoberto, sintetiza tudo o que a intérprete queria criar e transmitir com o show. Era mesmo isso que o brasileiro precisava.

“Vai o bicho homem fruto da semente Renascer da própria força, própria luz e fé Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós Somos a semente, ato, mente e voz”

“Redescobrir”, 1980, Gonzaguinha

4) Txai (1990), Milton Nascimento

Nascido poucos anos depois da promulgação da Constituição, que garantia aos povos indígenas o reconhecimento de “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam […]”, ‘Txai’ (1990), do Bituca, refletia esses sentimentos de união e de esperança renovada do povo brasileiro. Depois de uma viagem à floresta amazônica, Milton criou esse álbum – que fez parte de uma campanha mundial de apoio à Aliança dos Povos da Floresta. Essa sinergia entre o Milton e as visões de mundo e filosofias de vida indígenas se destaca e ganha corpo na qualidade inegável do trabalho, que consegue se aprofundar no que se propõe justamente porque coloca o indígena como protagonista. No álbum, Bituca dá outras mil camadas ao “debate” indígena, e eis o seu grande trunfo: nos imbuir de sensações e sentimentos e, através deles, nos fazer pensar. Txai é um termo da língua dos Kaxinawá que, em uma tradução literal, significa “mais que amigo/ mais que irmão, a metade de mim que existe em você/ e a metade de você que habita em mim”. O álbum começa com Davi Kopenawa e termina com o povo Kayapó do A-Ukre. As músicas (algumas com outras parcerias), do começo ao fim, parecem compor uma amálgama de poesia e beleza, criando, assim, uma espécie de manifesto pela vida.

“Ser o senhor e ser a presa É um mistério, a maior beleza Amor é dom da natureza Amar é laço que não escraviza”

** – “Coisas da Vida”, 1990, Milton Nascimento**

5) Afrociberdelia (1996), Chico Science & Nação Zumbi

O movimento contracultural do Manguebeat nasceu para, em resumo, “injetar um pouco de energia na lama” de Recife. Com tons filosóficos e políticos e em diversas vertentes culturais, sua faceta mais conhecida ficou sendo a música – Chico Science & Nação Zumbi sendo seus alicerces, digamos, primeiro com ‘Da Lama ao Caos’ (1994) e, depois, com ‘Afrociberdelia’ (1996). A ideia era experimentar, esticar possíveis limites (tanto estéticos e técnicos quanto filosóficos, políticos) e criar músicas-novidades que fossem, em si mesmas, produtoras de um pensamento. Isso fica mais claro quando pensamos no nome do álbum, “Afrociberdelia” (afro + cibernética + psicodelia). As influências do grupo transitavam mesmo entre ritmos africanos, música eletrônica e rock psicodélico. Suas músicas, ao englobarem todos esses ritmos, criavam um outro, o ritmo do Manguebeat. A regravação antológica de “Maracatu Atômico” (1972), de Jorge Mautner, pode ser analisada ela mesma enquanto um microcosmo dessa maneira de pensar do movimento Manguebeat. Ao criar uma brincadeira com a ideia de tradição, pincelando o maracatu e o próprio Brasil com muitos futurismos e imagens psicodélicas, ela sintetiza a própria ideia do conceito de “Afrociberdelia”. O Recife insurgia nesse álbum com força o suficiente para mexer nos alicerces cosmopolitas do eixo Rio-São Paulo e, assim, recriar o Brasil.

“Eu vi, eu vi A minha boneca vodu Subir e descer no espaço Na hora da coroação Me desculpe senhor, me desculpe Mas essa aqui é a minha nação”

– “O Cidadão do Mundo”, 1996, Chico Science

6) Brasileirinho (2003), Maria Bethânia

“Brasileirinho” (2003) é um retrato afetivo do Brasil de Bethânia. O sincretismo religioso (marca registrada na vida da intérprete), com referências e cruzamentos entre catolicismo, candomblé e umbanda, é o grande fio condutor a guiar toda a narrativa do álbum – que tem começo, meio e fim. Ao englobar algumas citações de textos e poemas, ‘Brasileirinho’ só faz crescer essa sensação de narrativa, de uma história que está sendo contada – e que devemos todos, é claro, prestar muita atenção. Com a interpretação certeira e inconfundível de Bethânia, não teria como ser diferente. O álbum fala do Brasil negro e indígena, do país da floresta em pé e protegida. “Sem folha não tem nada”, diz a canção “Salve as Folhas”, que, junto com a citação de “O Descobrimento”, abre os caminhos para todas as outras. Depois do “Descobrimento”, “Yayá Massemba”, de Roberto Mendes e Capinan, segue a linha do tempo ao falar dos navios negreiros e de suas movimentações simbólicas e espirituais – há uma ressignificação daquele Brasil escravagista. Essa, para mim, é a música mais forte do álbum. Bethânia se define como uma artista que canta o Brasil, com suas dores e alegrias, mas nem precisaria dizer. Basta que ouçamos, com ouvidos e corações bem abertos, o seu ‘Brasileirinho’. Está tudo ali.

“Vou aprender a ler Pra ensinar meus camaradas”

– “Yayá Massemba”, 2003, Roberto Mendes e José Carlos Capinan

7) Planeta Fome (2019), Elza Soares

Qualquer álbum de Elza Soares poderia facilmente estar nessa lista. O corpo, a voz, a vida de Elza viveram, no plural mesmo, em função de cantar o Brasil. O rouco da voz rasgada, Elza, sempre que podia, explicava: ele veio de um gemido de dor. Elza cantava, portanto, a volta por cima, a dor-alegria de tantas Marias de Vilas Matildes Brasil afora. Muito se fala hoje sobre militância e bandeiras hasteadas. Elza sempre foi, ela própria, uma bandeira hasteada, um punho cerrado. E, nesse que foi seu último álbum de estúdio, ela resgata, quase oitenta anos depois, a resposta dada a Ary Barroso num programa de calouros da Rádio Tupi, quando tinha apenas treze anos e iria cantar em público pela primeira vez, pois precisava de dinheiro para comprar remédios para seu filho que estava doente. “De que planeta você veio, minha filha?”, ele perguntou, em tom jocoso. “Do mesmo planeta que você, seu Ary. Do planeta Fome”, ela respondeu. Em razão da divulgação de ‘Planeta Fome’, já com 88 anos e vivendo o começo do governo Bolsonaro, Elza disse: “A gente tem fome de saúde, a gente tem fome de cultura, a gente tem fome de fé. Temos fome de tudo, o país continua com muita fome. Eu continuo com fome”. O álbum, que conta com a participação de BaianaSystem e BNegão, tem “Não Tá Mais de Graça”, faixa que dialoga com o sucesso de Elza “A Carne” (“A carne mais barata do mercado não tá mais de graça”) e tem uma regravação histórica de “Comportamento Geral”, do Gonzaguinha, que ganhou outras mil camadas na voz de Elza.

“Tem um Brasil que é próspero Outro não muda Um Brasil que investe Outro que suga Um de sunga Outro de gravata Tem um que faz amor E tem o outro que mata”

“ Brasis”, 2019, Gabriel Moura, Jovi Joviano e Seu Jorge

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pinheiro.a.ricardo@gmail.com

1 Comment

  • Jorge André Silva de Souza
    Setembro 8, 2022

    Cara, que post sensacional. Perfeito!!!!!

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