Björk - Post (1995) | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Björk – Post (1995)

Björk – Post (1995)

Em 1995, Björk sentia que havia compreendido o apelo das metrópoles. Residindo há pouco menos de cinco anos em Londres, a artista deixou a capital islandesa em busca de novos horizontes artísticos e, buscando inspiração nos detalhes mais corriqueiros. Dedicava-se a examinar fenômenos cotidianos, mas ao mesmo tempo significativos. Imprevisível, elétrica e inatamente curiosa, existem poucas coisas que podiam, mesmo naquela época, ser afirmadas com precisão sobre Björk: a primeira delas seria sua profunda conexão com o país natal, fonte inesgotável de resgate criativo frequente em suas obras posteriores. O segundo é que, mesmo como uma veterana da indústria graças aos seus trabalhos como vocalista da banda de alt-rock The Sugarcubes e outros projetos na Islândia, a carreira solo ainda era um caminho considerado tanto assustador quanto auto-indulgente em sua perspectiva.

Debut, lançado em 1993, havia recebido uma enxurrada de críticas mistas na época de seu lançamento. Apesar de marcar a primeira introdução de Björk como uma artista individual para grande parte do ocidente, não era, de fato, seu primeiro trabalho solo: aos onze anos, tornou-se uma estrela infantil em seu país natal com o lançamento de um disco auto intitulado contendo várias versões cover de várias músicas populares no mundo inteiro, mas traduzidas para o islandês. Mesmo assim, o pouco entusiasmo com o qual o público estadunidense recebeu o álbum de 1993 foi o suficiente para projetar algum incômodo na artista que, em um episódio recente de seu podcast, Sonic Symbolism, foi questionada por Ásmundur Jónsson, colega e curador, sobre tais respostas da audiência. *“É diferente quando comparamos as reações para o *Debut* com as do Post, que hoje é tratado como um dos melhores álbuns de todos os tempos por publicações como a Rolling Stone”*, comentou Jónsson. *“Parte de mim tenta não estar muito atenta aos críticos, e eu poderia responder desse ponto de vista, mas não estaria sendo honesta”*, respondeu Björk, aos risos, antes de admitir que outra parte dela *“estava muito atenta às críticas”*.

Talvez por isso, Post atue numa contraproposta à sonoridade tímida e introdutória presente no disco anterior: é um álbum vivo, eletrizante, cosmopolita, eufórico e, nas palavras da própria artista, ”promíscuo”. Ambivalente, o último adjetivo é atribuído dada à natureza sexual curiosa e vulnerável de Björk, característica presente em todos os seus trabalhos mas ainda mais amplificada no Vespertine, dois discos mais tarde, mas também pela forma como ela escolheu recrutar colaboradores para a produção do Post. Se o projeto anterior havia sido fabricado apenas por Björk e Nellee Hooper, a cantora, produtora e compositora agora deleitava-se com a infinidade de colegas recém conhecidos em Londres, usufruindo da diversidade de ideias e sons para criar uma paleta sonora única, coesa e extremamente inovadora até para a atualidade.

Não por acaso, já nos primeiros segundos do Post, o teor peculiarmente tímido presente no Debut fragmenta-se às batidas industriais que introduzem Army of Me. Com um sample da canção de 1977 do Led Zeppelin, When the Levee Breaks, a primeira faixa do segundo disco de Björk vem carregada de uma atitude feroz, poderosa e intrinsecamente eletrônica. Na música, o analógico perde espaço para o computadorizado, com sons manipulados para complementar o timbre instantaneamente recognoscível de um dos nomes mais ousados da música. O videoclipe que acompanha Army of Me mostra a islandesa num cenário cyberpunk, rebelando-se contra um dentista animalesco para roubar um diamante antes de bombardear uma exposição de arte para despertar um homem ali adormecido. Reproduzido diversas vezes pela MTV na época, o vídeo estabelece uma conexão com as letras, que tratam da preguiça e persistente apatia do irmão mais novo de Björk, a quem ela dirige uma mensagem nada sutil para que busque uma inspiração ou até mesmo um emprego.

Hyperballad, a segunda faixa, vai em contrapartida do ritmo lento das baladas comuns na música pop já no prefixo do título. É uma canção romântica e confessional nas letras, que tratam do esforço do eu lírico para oferecer apenas a melhor versão de si para o parceiro, poupando-o das frustrações geradas por um cotidiano irritável. Apesar da proposta sentimental, o violoncelo e os outros instrumentos de corda no instrumental vêem-se sufocados pelas batidas modernas e computadorizadas, criando uma atmosfera extasiadamente vibrante, mas ao mesmo tempo amorosa. Mais tarde, na etérea, ocasionalmente silenciosa e quase lo-fi Possibly Maybe, o romance volta a ser o centro da composição. ”Por mais que eu definitivamente goste da solidão/ Eu não me incomodaria em, talvez/ passar algum tempo com você de vez em quando”, canta Björk, disposta a preterir sua própria solitude para permitir que outro alguém se aproxime.

Em It’s Oh So Quiet, a canção dos anos cinquenta de Betty Hutton é revitalizada pela voz esbravejante de Björk. Tornando-se o maior sucesso comercial da cantora, a faixa remonta uma atmosfera teatral com sua performance digna de musicais da Broadway. É sucedida por Enjoy, que faz um aceno às batidas agressivas da música de abertura do Post também pela letra confiante, em que a artista parece entregar-se à miscelânea de experiências sensoriais oferecidas por sua nova cidade e promete tentar aproveitá-las ao máximo. “Eu quero simplicidade”, canta nos primeiros versos da música, com os vocais imperativos sobrepostos ao instrumental com requintes industriais. Mesmo num cenário tão diverso quanto a capital inglesa, Björk parece recorrer ao teor mais pacato e previsível de seu país natal.

A mudança é também abordada em Isobel, colaboração da artista com o brasileiro Eumir Deodato, responsável por arranjar as cordas da faixa e prévio parceiro musical de nomes como Frank Sinatra, Roberta Flack e Tom Jobim. Também presente nos créditos de produção em alguns trabalhos posteriores de Björk, Deodato foi o primeiro a introduzir a música brasileira à cantora, que, até a atualidade, preserva uma amizade próxima com Milton Nascimento e mostra-se grande admiradora de Elis Regina e outros nomes da MPB. Escrita pelo escritor islandês Sjón, Isobel é a fábula de uma jovem que deixa a natureza rumo às grandes cidades para vivenciar novos desafios. “Tornar-se uma artista solo era um tabu para a geração punk e tive problemas com a auto-indulgência nesse ato”, contou Björk durante o segundo episódio do Sonic Symbolism. “É por isso que não conseguia escrever a letra de Isobel sozinha, porque era algo que tinha que ser avaliado por alguém de fora; essa história sobre a garota que deixa o bucólico para viver numa metrópole”.

No mesmo podcast, a islandesa atribui as referências eletrônicas de Post às raízes do gênero, que entende como fruto de uma energia “quase matriarca, mas também gay”. *”Nos Estados Unidos, todos eram muito mais lentos com a cena eletrônica do que no Reino Unido e é um pouco irônico porque grande parte do gênero vem de Detroit, de clubes gays e negros. Eles eram um pouco ignorados, tanto por serem negros quanto por serem *queer, completou. No entanto, o arranjo orquestral de músicas como You’ve Been Flirting Again, que ironiza a própria conduta da cantora e a ambiguidade do flerte, e as cordas de Cover Me opera na contramão da primeira seção do disco, mais bruta, moderna e objetiva. A décima faixa chega a samplear uma partitura do compositor francês Olivier Messiaen, um dos heróis musicais de Björk. O resultado é uma canção ritmada por um cravo gravado na casa da artista e idealizada pouco tempo antes do início da pré-produção do Post, como um apelo para o engenheiro musical e colaborador Nellee Hooper.

Desde seu lançamento, o segundo disco de Björk é descrito como um dos melhores álbuns dos anos 90 por veículos como a Rolling Stone e a Pitchfork. É, também, o primeiro passo em uma sucessão impecável de quatro álbuns criticamente aclamados que expandiram o locus e a visão artística da islandesa. Enquanto o Homogenic ofereceria um mergulho ainda maior nos instrumentais grandiosos o suficiente para preencher um estádio por si só, os sussurros românticos do Vespertine, o quarto LP, representaria um momento de independência e autonomia para a artista. A ambição do Medulla, o quinto álbum, chama atenção por sua inventividade, já que, nele, a colossal maioria das texturas sonoras têm origem da boca humana, abdicando de instrumentação convencional.

Acima de qualquer outra coisa, Post resiste ao tempo como um dos maiores marcos de inovação e engenhosidade da música noventista, idealizado por uma das artistas mais surpreendentes e carismáticas da época. Desde sua estreia, Björk já atraía admiradores por seu espírito irrefreável, inconformista e atitude autêntica, constantemente interessada nos aspectos mais minuciosos de seus trabalhos. No dia 30 de setembro, a islandesa lançará seu décimo disco de estúdio solo, o Fossora, e, para acompanhar o retorno, a Moodgate publicará avaliações de dois dos principais de Björk nas próximas semanas. Atopos, o single que inaugura o novo disco, está disponível nas plataformas digitais desde o dia 6 de setembro.

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