Björk - Fossora | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Björk – Fossora

Em Fossora, Björk estende sua notável empatia à própria Mãe Natureza para encontrar pontos comuns entre suas experiências recentes e a entidade que, com sua potência incontestável, proporciona a vida, a morte e a renovação. Por grande parte do disco, a islandesa dedica versos poeticamente arranjados, mas ainda assim extremamente viscerais, a mortalidade, aos relacionamentos humanos e, com maior repetição e intimidade, ao falecimento da própria mãe, em 2018. Com uma identidade visual repleta de fungos e perucas excêntricas, Björk remonta um ambiente natural que, apesar da similaridade temática, em nada remete aos paraísos abençoados e fantasiosos de Utopia, o disco anterior. O bosque de Fossora é mais notório por seus ecossistemas pantanosos e suas florestas inteiramente consumidas por cogumelos capazes de emitir som e luz. A melodia é ora fúnebre, ora esperançosa, mas por vezes cede ao gabber presente no carro chefe do álbum, Atopos, o primeiro single anunciado.

Como um subgênero do tecno, o gabber ganhou espaço nos sets de DJ recentes de Björk, atração principal em algumas festas na capital da Islândia, Reyjavík, e não demorou muito para que a artista convidasse a dupla Gabber Modus Operandi para o time de produção do Fossora. No último sábado (08), o set tocado pela artista numa festa privada de Londres contou não só com remixes do novo álbum, mas também um funk brasileiro do DJ Gabriel do Borel e MC Lucy. No Fossora, esse gênero eletrônico é o plano de fundo das reflexões da artista acerca das relações em um mundo pós-pandemia. ”O coração é um músculo que nos permite nos conectar”, canta a artista nos versos finais da faixa de abertura, antes de ter sua voz consumida por clarinetes caóticos, dançantes e explosivos.

Em Ovule, o segundo single do álbum, Björk propõe uma meditação sobre a própria definição de amor. “Para mim, é como se nós, como amantes, estivéssemos andando pelo mundo seguidos por duas esferas”, esclareceu via Instagram, na ocasião do lançamento da música. ”Uma, acima de nós, representa o amor e outra, abaixo de nós, representa as sombras do amor. Nós, por outro lado, caminhamos dentro de uma terceira esfera, a do amor real, com seus encontros de segunda-feira de manhã na cozinha”. Majoritariamente plana, a faixa vai na contramão de sua antecessora pela frequência quase rasa de sua instrumentação, marcada por trompas e harmonias vocais. Ao custo de oferecer destaque para a mensagem romântica da letra, Ovule não é a produção mais engenhosa ou empolgante de Björk ou sequer do disco e é rapidamente substituída pela primeira interlude, Mycelia, onde uma atmosfera reminiscente do Utopia é evocada por meio de modulações vocais que simulam a sinfonia de um bosque encantado.

Sorrowful Soil foi escrita antes da morte da mãe de Björk, a ativista ambiental Hildur Rúna Hauksdóttir, e é descrita pela artista como uma eulogia, homenageando a matriarca ainda em vida. “Foi quando eu e meu irmão percebemos que ela estava nos últimos capítulos de sua vida”, contou a islandesa para a revista Elle. O caráter fúnebre é também perceptível no coro central da música, soando como um cântico gótico que, por si só, funciona como uma prece poderosa repleto de ressonâncias e harmonias. ”Você fez o melhor que pôde”, entoa Björk. As palavras aos poucos dão espaço para Ancestress, entendida pela cantora como um epitáfio que complementa a faixa anterior. Para Björk, a música contém letras cuidadosamente arranjadas para servirem como suas últimas palavras para a mãe, ou, nas palavras da própria, ”o que diria se fosse um padre discursando no funeral”. A faixa conta com a participação do filho da cantora, Sindri, e, por todos os seus sete minutos, é uma deslumbrante ode a maternidade e aos vínculos familiares. Com uma interpretação ímpar, Ancestress é capaz de deixar a impressão de fascínio no ouvinte.

No entanto, por mais liricamente engenhoso ou emocionalmente denso que Fossora se apresente, a produção do disco falha em produzir a mesma sensação de unidade da maioria dos trabalhos anteriores de Björk. Enquanto a flauta alegre de Allow lembra as passagens mais radiantes do Utopia, a interlude Trölla-Gabba traz o gabber do primeiro single num momento que, para o ouvinte, pode soar inoportuno. Em 2021, conforme reportado por um fã clube da artista, Björk comentou que seu próximo disco seria ”ideal para se dançar na sala de estar em casa”, com ”calmaria na primeira marcela das faixas antes de, no último minuto, tornarem-se perfeitas para um clube noturno”. Naturalmente, é impossível supor que uma produtora veterana como Björk, também uma das mentes criativas mais afinadas da música, se contentaria com o ordinário. Na idealização artística, é comum alterar planos iniciais em prol do alinhamento quando novas ideias aparecem e, nesse processo, álbuns inteiros podem acabar sendo descartados. Fossora, por outro lado, parece ser o produto de ideias distintas que, apesar de compartilharem as mesmas temáticas, carecem de direcionamento.

Músicas como Freefall, em contraposição com Atopos e a faixa título, não parecem existir num mesmo universo. Na medida em que a primeira expande-se como uma performance orquestral grandiosa e emotiva com suas passagens de cordas perfeitamente intricadas, Fossora, a canção, é o sincretismo das influências gabber com as produções mais vanguardistas presentes em outros discos de Björk. Ao lado de Atopos, a faixa é também responsável por seguir o conceito inicial anunciado pela islandesa, com seus últimos momentos consumidos por batidas dançantes, vívidas e caóticas. Com a participação da filha da cantora, Her Mother’s House encerra o disco com uma composição mais uma vez dedicada à maternidade e o sentimento gratificante, mas desolador, de testemunhar o amadurecimento dos filhos. ”Quanto mais eu te amo, mais forte você fica e menos precisa de mim”, canta Björk, harmonizando com Ísadóra em seções líricas que mais referenciam seu crescimento. A produção e a performance vocal são melodicamente cadenciadas para criar a impressão de complemento, como se ouvíssemos um diálogo entre mãe e filha.

Há de se admirar a honestidade e a sensibilidade que Björk utiliza para analisar fenômenos comuns, acontecimentos fúnebres recentes e relações tão pessoais, convidando o ouvinte a um espaço íntimo e intrinsecamente maternal. Em seus picos, Fossora oferece demonstrações emocionais acalentadoras e performances capazes de proporcionar reflexão, mas também faixas que, para o espectador mais casual e desfamiliarizado com a carreira da cantora, provocam a sensação de inacessibilidade. Não é a primeira e nem a última vez que a islandesa expõe suas vulnerabilidades e reflexões à audiência, mas, após um disco centralizado em seu divórcio e na respectiva recuperação, existe algo de rejuvenescedor e aproximável no décimo álbum, um disco capaz de nos lembrar da efemeridade da vida, da importância das conexões familiares e, sobretudo, da soberania indiscutível da natureza. Se nenhuma dessas ponderações atingir o hóspede invitado à paisagem emocional pantanosa de Fossora, ele ainda terá a vista para admirar.

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