Adele - 30 | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Adele – 30

Quando se trata de canções sobre o amor e suas problemáticas, Adele, sem titubear, é um dos primeiros nomes que os lábios balbuciam. Em 30, seu último álbum, o cenário não mudou: a britânica continua a falar sobre as complexidades da vida a dois, porém, desta vez, se distanciou de seus álbuns passados ao demonstrar mais cuidado com suas referências, produção e, também, com a sua agência dentro de seus relacionamentos, puxando para si a complexidade das uniões amorosas e afastando o papel de vítima, que lhe foi conferido por composições anteriores e pelo público que as consome.

Lançado em 19 de novembro de 2021 e descrito, por Adele, como seu álbum mais pessoal, 30 é formado por canções que narram a vida da artista após seu divórcio com Simon Konecki, pai de Angelo Adkins. Dentre os eventos, a cantora destaca a separação em si, preocupações com seu filho, agora, em outro cenário familiar, entrega à vida noturna como cura e, por fim, confissões densas, que, por vezes, podem ser não só escutadas, mas visualizadas, já que desenham com maestria uma Adele que, definitivamente, conheceu o divã e a importância do processo terapêutico.

No que pode ser definido como sua primeira metade, da faixa 1 à 6, a britânica soa, a priori, aberta à vida e seus processos, mas, também, mórbida, já que, em Strangers By Nature, uma ode à Judy Garland, canta sobre o cemitério de seu coração, lugar onde todos os seus (ex)amores habitam e onde acontece uma revolução: a antiga Adele, um tanto cinza, é “morta” para abrir caminho para uma Adele disposta a admirar os eventos e sentimentos a partir de suas ramificações de culpa ou origem.
“Nunca havia visto o céu desta cor/É como se eu estivesse notando tudo um pouco mais”

A faixa é, de fato, a melhor introdução ao que a artista definiu como passeio cronológico pela maneira com que lidou com seu divórcio, já que resume a perda, mas também as novas perspectivas de vida e, de certa forma, artísticas. Mas é a partir de sua sucessora, Easy On Me, que Adele dá vazão à confusão.

O primeiro single de 30 não é um grande acerto para o repertório da cantora, visto que não confere avanço nenhum à evolução da mesma: segue a mesma fórmula de canções vistas em 19, 21 e 25, onde Adele se expõe enquanto figura que mais se desdobrou em prol de uma relação já desgastada. Porém, se o álbum for encarado como a britânica o descreveu, uma aventura cronológica pelos eventos, faz sentido que Easy On Me, mesmo com suas falhas, esteja presente na tracklist, já que fica responsável por apresentar de onde Adele partiu com sua maturidade (ou falta dela) emocional e onde chegou.
“Você não pode negar o quanto tentei/Mudei quem eu era para colocar vocês em primeiro lugar/Mas, agora, eu desisto”

A sucessora de Easy On Me,* My Little Love* é quem fica responsável por colocar Adele em uma posição de, dentro do seu luto, pensar o impacto que suas decisões têm sobre o outro, já que, após desistir de sua relação, se coloca face a face com a responsabilidade de ter um filho perdido em meio à reconfiguração de seu lar, porém, a artista não assume sua influência sobre o outro de maneira saudável. Na terceira faixa do disco, Adele ainda soa acanhada e desesperada, o que pode ser confirmado no choro que encerra a canção. Aqui, também assume que, para escapar da culpa e solidão, submergiu nas noites.

“Sinto que hoje é o primeiro dia, desde que o deixei, que me sinto solitária/E nunca me sinto solitária, amo estar só/Sempre preferi estar só a estar com outras pessoas/E sinto que tenho supercompensado com as saídas e coisas do tipo para não pensar nele”

Encerrando a, possivelmente, confissão mais dolorida do álbum, Adele abre mão da sonoridade trip hop de My Little Love, permeada por gravações de conversas com seu filho e conversas consigo, que foram indicadas por sua terapeuta,e se lança no trio dançante do álbum. Em Cry Your Heart Out, a artista parece mirar em Bob Marley & The Wailers para construir a sonoridade e pavimentar o choro de não saber quem é ou como lidar com os novos dias. Nas canções seguintes, a adoção por uma fórmula mais dance pop é nítida, e, em Oh My God, se instaura um verdadeiro louvor à diversão pela cidade como cura, enquanto, em Can I Get It, produção de Max Martin, conhecido por sucessos, como Blinding Lights de The Weeknd, a artista parece perceber que seu processo de libertar-se do casamento que não lhe agradava não precisa, necessariamente, ser vivido somente em meio às noites de balada atreladas às bebidas e sexo casual. Este trio mostra uma Adele dotada de muitas referências e apta a despejá-las sobre a mesa. Em tese, a proposta é fidedigna às motivações da artista de mostrar o processo confuso de lidar com seus sentimentos, porém, é incômoda aos ouvidos por conta de suas mudanças bruscas e quebra de clima no que tange à sonoridade.

É da confusão sonora e sentimental e do despertar de Adele para novas leituras de seu luto que surge o momento de maior brilhantismo de 30: sua segunda metade.

Passando pelas percepções infantis e culminando nas declarações de uma adulta vulnerável e capaz de questionar as próprias decisões, convicções e obsessões, I Drink Wine é quem remonta a Adele madura de Strangers By Nature, tudo isso com um canto contido, que, quando aparenta explosão, na verdade, leva as notas para outra direção e confere dinamismo aos vocais da artista sem fazê-la refém de notas agudas. É com esta abertura ao questionamento que o álbum se refaz e, a partir daqui, não há uma história a ser contada parte a parte pelas canções: há um disparo de confissões sobre renascimento, expectativas, permissividade, solitude e falhas.

Nas últimas cinco canções do disco, que continuam no rol de grandes destasques, os holofotes se voltam ao brilhante sample de Erroll Garner, em All Night Parking, que funde a essência do pianista de jazz às contemporâneas bases de trap em uma canção que celebra a Adele de Can I Get It em uma versão mais experiente; à genial Woman Like Me, que soa gravada em estúdio e sequer editada, e suas verdades cuspidas em tom pouco amigável (“Tudo o que você faz é reclamar/Sobre as decisões que toma/Como posso te ajudar a se reerguer se se recusa a ativar a vida que realmente quer?)”; à Hold On, que, provavelmente, é a canção mais majestosa dentre suas companheiras, já que, além de contar com composição arrojada, traz a presença de um coro que ajuda a britânica a se entender como sua própria inimiga quando opta pela impaciência para com a vida e derrotismo quanto a ser e existir; à To Be Loved, que, por sua honestidade e voracidade por parte da intérprete, ganha o título de melhor faixa de 30 “(Está na hora de encarar a mim mesma/Tudo o que faço é sangrar em outra pessoa)”; e, por fim, à Love Is a Game, que soa como uma obra que Amy Winehouse teria lançado, que aborda as expectativas do ex-parceiro de Adele e as traz à realidade quando a artista decide fazer reflexões sobre os empecilhos que a puxam para trás dentro de suas relações (“Todas as suas expectativas acerca do meu amor são impossíveis/Certamente, você sabe que não sou fácil de manter/É tão triste quão incapaz sou de aprender a crescer”).

Com as duas metades de 30, é possível compreender que Adele, em mais uma de suas rusgas com o amor, propôs, não um distanciamento abrupto, como parte de seu público esperava, visto os rumores acerca de um álbum inspirado em grandes divas da disco music, que incendiaram as mídias sociais, mas um novo desdobramento de tudo aquilo que ela estava acostumada. Dessa forma, a artista se posiciona como grande concorrente nas principais categorias de premiações, como o GRAMMYs. O que resta saber é se entenderão a confusão de 30 como parte do processo criativo ou se ignorarão a jornada de Adele em prol de critérios tecnicistas.

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