Miley Cyrus - Endless Summer Vacation | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Miley Cyrus – Endless Summer Vacation

Quando vídeos, pôsteres e tweets inundaram a internet com o lema novo ano, nova Miley, no primeiro dia de 2023, ainda era impossível antecipar o sucesso persistente e impetuoso que Flowers, o primeiro single do oitavo disco de Miley Cyrus, alcançaria. Embora tenha conquistado um sucesso comercial consistente, mesmo em seus lançamentos mais duvidosos, a artista não dominava os debates nas redes nessa intensidade desde a infame perfomance de We Can’t Stop, com Robin Thicke no VMA de 2013. Aspectos mais explícitos daquele evento vivem na memória do público até a atualidade — os excêntricos ursos de pelúcia, os gestos apelativos, o figurino exagerado e, é claro, o twerk —, e a irrefreável rebeldia de uma antiga estrela adolescente definitivamente parece, em retrospecto, datada. Cyrus não foi ajudada pela percepção da audiência que, assim como os espectadores daquela fase de sua carreira, acreditava que ela estava “tentando demais”.

O novo álbum, Endless Summer Vacation, foi lançado juntamente a um especial ao vivo na Disney+, intitulado Backyard Sessions.

Um mês após o VMA, Wrecking Ball superaria o pico de We Can’t Stop na Billboard Hot 100 ao ocupar o primeiro lugar da principal parada estadunidense. Mesmo que Cyrus estivesse nua e montada em uma enorme bola de demolição no clipe de Wrecking Ball, a recepção positiva do público à essa canção mais emotiva e concentrada em sua proeza vocal deveria ter sido o primeiro indicador de que, apesar das controvérsias que a cantora assumia, a audiência continuava fascinada por seu talento inegável, levado ao máximo por seu timbre rouco inconfundível, potente e arrebatador. A era Bangerz, entretanto, surtiu o efeito contrário ao esperado em Cyrus que, naquele ponto, parecia ter desenvolvido um gosto singular para chocar o público e assumiu a postura artística mais ofensiva e revoltadamente vazia de sua carreira no tenebroso Miley Cyrus & Her Dead Petz, tão supostamente desafiador que havia sido lançado de forma independente à sua gravadora. À época, a avaliação mais provável era a de que as dificuldades de Cyrus em navegar pelo início de sua fase adulta estavam se traduzindo na falta de direcionamento consistente de suas produções artísticas.

Infelizmente, a falta de um norte tornou-se uma constante entre os trabalhos da cantora e, uma década depois do Bangerz, Endless Summer Vacation, lançado no último dia 10 de março, exibe um considerável progresso, mas não o suficiente para configurar uma exceção. Anunciado como uma “carta de amor” de Miley para a cidade de Los Angeles, o oitavo álbum de estúdio da intérprete alia os produtores Kid Harpoon (Harry Styles, Shawn Mendes) e Greg Kurstin (Adele, Sia) aos seus colaboradores frequentes Mike WiLL Made-It e Tyler Johnson, que assinam grande parte de sua discografia. Johnson e Kid Harpoon são os nomes por trás de Flowers, o maior sucesso da carreira de Miley e a faixa que introduz o LP, com sintetizadores, baixo e percussão capazes de dar forma a um instrumental que, no refrão, pega emprestada a melodia de I Will Survive, clássico setentista de Gloria Gaynor. Lançada no dia do aniversário do ator Liam Hemsworth, ex-marido de Cyrus, o single destrincha o processo de superação da cantora após o divórcio e sua busca para recobrar a autoconfiança e amor próprio.

Durante suas férias de verão sem fim, Miley dedica momentos mais reflexivos aos arrependimentos e aspectos nocivos de seu matrimônio encerrado com Hemsworth, que assombra grande parte das composições do disco. É o caso de Jaded, que utiliza a produção característica do synth pop como plano de fundo para a composição agridoce e ressentida, apresentada no tom estrondoso de Cyrus durante um refrão vocalmente explosivo. Enquanto certa melancolia e reminiscência são expressas na instrumentação mais branda dos versos, o coro oferece uma lamentação genuína por parte da artista, que admite ter se esquivado da necessidade de comunicar seus sentimentos. A canção é sucedida pela batida etérea de Rose Colored Lens, faixa que mais se encaixa com o título do disco. Remontando um verdadeiro paraíso romântico, Miley vive instantes de deleite absoluto e traz a alegoria de usar lentes cor-de-rosa capazes de instituir certo estado de ilusão que a distanciam de possíveis problemas em um relacionamento.

À altura da quarta faixa, o oásis californiano cuidadosamente construído por Cyrus revela seus primeiros sinais de imperfeição quando a falta de firme direcionamento que contamina o restante de sua carreira se manifesta na forma de Thousand Miles, parceria com Brandi Carlile, expoente do country estadunidense. Apesar de sonoramente agradável na maior parte do tempo, o dueto de harmonização entre as intérpretes é o que sustenta a faixa, que conta com uma produção menos empolgante do que suas antecessoras. Apesar de não representar um desvio crasso do que vinha sendo apresentado até então, Thousand Miles é imediatamente sucedida pela desconexa balada You, previamente exibida na festa de ano novo de Miley no fim do ano passado. Pela constância do piano e da lírica amarga, a quinta canção do Endless Summer Vacation oferta instantes de ponderação que, apesar de absolutamente inofensivos, imprimem um contraste imediato com as três primeiras músicas do disco. A adição de You ao álbum remete à desorganização do Plastic Hearts, onde a tão dramaticamente insossa quanto amada pelos fãs Angels Like You soa perdida entre o pop punk energizante de WTF Do I Know, a faixa título e o pop dançante de Prisoner. Mesmo que tematicamente melancólica, a identidade sonora de Jaded, por exemplo, mostra produção e identidade mais alinhadas ao restante do LP; You, por outro lado, soa tão desconexa que mais parece ter lugar em uma possível edição deluxe do LP ou como uma faixa bônus, bem como a demo de Flowers que encerra o projeto.

Nos momentos mais efervescentes e empolgantes do novo álbum, a adição de Maxx Morando — atual namorado de Miley e baterista da banda punk The Regrettes — como produtor mostra-se mais valiosa e refrescante do que a miríade de nomes já consagrados creditados no disco. Handstand, a sexta faixa, é também responsável por separar as duas parcelas conceitualmente distintas do álbum. A música é, acima de tudo, uma das canções mais experimentais e vívidas do catálogo de Cyrus, sensualmente antecedida por uma passagem falada da intérprete e sintetizadores que simulam uma noitada deliciosamente conturbada em Los Angeles. A faixa credita o diretor Harmony Korine como um dos compositores e, não por acaso, a psicodelia da produção pincela uma atmosfera visual errática que acena aos tons vibrantes de Spring Breakers, filme dirigido por Korine e estrelado por Vanessa Hudgens e Selena Gomez. Morando também aparece como produtor da faixa Violet Chemistry, cujo refrão eufórico infecta o ouvinte com sua batida dançante para alcançar mais um dos ápices do Endless Summer Vacation.

Enquanto a empolgante River, o segundo single escolhido para promover o disco, convida o público para a pista de dança e cumpre as expectativas criadas pelos primeiros teasers do álbum graças a sua potência frenética, a parceria com Sia em Muddy Feet traz a infidelidade como ponto central. Embora mais abreviada do que as outras canções, a faixa presta um aceno à Flowers ao utilizar um jardim como metáfora e ambientação, indicando que a outra parte do relacionamento “regou as ervas daninhas e matou todas as rosas”. A colaboração cresce até culminar em uma conclusão em coro razoavelmente satisfatória e, embora Wildcard, sua sucessora, tenha sido fabricada numa fórmula menos interessante, ganha seu espaço na tracklist graças a unidade temática de sua composição e, sobretudo, ao reforçar a postura indômita de Miley.

Mais do que afirmar de modo juvenil que não pode ser controlada, a artista toma, na altura de seu oitavo álbum, as rédeas de sua vida pessoal ao assumir todas as características positivas e imperfeições que a tornam uma intérprete magnética e, para além disso, uma pessoa autêntica. A mudança é, ainda, observada na mudança de gestão de sua carreira, uma vez que o Endless Summer Vacation é o primeiro disco lançado no selo da Columbia Records após os inúmeros problemas que Miley, assim como diversas outras intérpretes que vão de SZA à Tinashe, enfrentou com a RCA, gravadora do grupo Disney.

A cadência mais relaxante de Island e a emotiva Wonder Woman finalizam o álbum em notas que, embora tenham seu valor dentro do universo do LP, carecem do mesmo potencial memorável e chamativo das outras faixas do disco. Em diversos instantes dentre seus quarenta minutos de duração, o novo álbum de Miley Cyrus exterioriza sua intenção em formar uma obra mais coesa que os discos que o antecederam ao importar referências ardentes de artistas emblemáticos dos anos setenta, como Donna Summer e Gloria Gaynor, sem deixar de impregnar as produções com sua própria ótica e personalidade. Embora suficientemente competente como um álbum pop, Endless Summer Vacation soa, ao mesmo tempo, estranhamente refreado, ao ponto de deixar o ouvinte imaginando o que Cyrus poderia entregar caso escolhesse mergulhar profundamente na paleta sonora e criativa da qual Violet Chemistry, River, Flowers e Handstand, quatro das faixas mais poderosas do disco, foram criadas. Numa lógica similar, ainda que a cantora nunca tenha sido tímida sobre sua paixão pelos sons e visuais que datam do rock, grunge e glam rock do século passado, o LP anterior, Plastic Hearts, é afligido pela mesma problemática ao intercalar canções convincentes de atitude inebriante com faixas avulsas, opacas e sem personalidade.

Flertes com outras vertentes de um mesmo gênero musical são mais do que admissíveis, mas a frequência com a qual aparecem nos trabalhos de Miley tornam essas iniciativas indesejadas por criar uma explícita disparidade qualitativa dentro de um mesmo álbum. A impressão é que a cantora e sua equipe rejeitam absolutamente a possibilidade de descartar faixas que não dialoguem com o material principal de seus discos, tornando-os uma montanha russa sonora com declínios tão severos que quase estragam a experiência final. Embora essa deformidade seja mais proeminente no Plastic Hearts, Endless Summer Vacation é vítima da mesma falta de critério.

Na mesma proporção em que Cyrus parece estar abraçando sua pluralidade enquanto artista e alternando seu catálogo entre melodias pop frenéticas e alusões consistentes ao rock — e de forma mais notável que outras ex-estrelas adolescentes — não há como não desejar, com elevadas expectativas, um único projeto em que Miley integralize sua identidade em um gênero musical.

NOTA: 7,0

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