O lendário Wu-Tang Clan deixa sua marca em São Paulo com um show épico
A espera foi longa, mas valeu a pena aguardar
O lendário grupo nova iorquino de hip hop Wu-Tang Clan fez, no último domingo (2), uma apresentação no Brasil no Espaço Unimed, que fica na Barra Funda, em São Paulo. Foi uma noite histórica que ainda teve no mesmo palco grandes nomes do rap nacional como Planet Hemp, BK e Tasha e Tracie.
Ir a um show na Barra Funda é sempre uma experiência única. Na rampa de acesso do terminal de metrô da Barra Funda, é comum ter um vai e vem de fãs que estão no caminho para algum evento. E dessa vez não foi diferente. As ruas Tagipuru e a Osmar de Oliveira estavam forradas de camisetas, bonés, tatuagens, brincos, colares e casacos estampados com o famoso ‘W’ dourado da banda.
Planet Hemp: uma celebração avassaladora e politizada da música brasileira
O Planet Hemp é avassalador. Tudo escuro, ninguém no palco e apenas uma introdução no telão de Plante Maconha para fazer o público refletir sobre os 30 anos de banda ao mostrar recortes de matérias em jornais, cenas de repressão policial e áudios de entrevistas.
Abriram pesado com as músicas do álbum Jardineiros, de 2022. Em Distopia, com participação do Criolo, enquanto Marcelo D2 interagia com o público, B. Negão chamava todos para o agito pedindo para abrir a roda. Era só a primeira música, o ritmo já estava frenético e a multidão entrando em delírio, exatamente como no áudio de introdução solto minutos antes.
Na sequência veio Yuka, emocionante homenagem ao inesquecível fundador do Rappa, morto em 2019. Taca Fogo e Puxa Fumo vieram em seguida. Rodas se abriram e o hit Dig Dig Dig deu mais gás para os fãs. Show agitado, como é próprio do hardcore, e, durante E a culpa é de quem?, era possível ver ao vivo no telão as imagens em preto e branco sendo captadas pelo cinegrafista que ficava em cima do palco acompanhando os músicos.
O clima do show todo foi de muita energia, uma verdadeira celebração de retorno aos palcos de uma banda tão importante e necessária para a música brasileira. Para cada início de uma música, aparecia no telão um fundo preto com o título da música e o seguinte parágrafo: 1. REPENSE: Crie um pensamento perigoso. 2. REFLITA: Desobedeça e liberte-se da cortina de fumaça. 3. RECUSE: Nunca escolha um lado, nossos pares vieram de baixo, estão nas ruas e a realidade nos educou. 4. RESISTA: Plante e colha, cuide e faça. Resista, pois este solo nos pertence
Era como se cada canção ali apresentada fosse um capítulo de um livro. E talvez seja, aprendemos muito com as letras politizadas do Planet Hemp sobre a legalização da maconha, e a realidade do país. Só que diferente de uma sala de aula que ficamos em silêncio, mostramos que estamos aprendendo a lição, fazendo é muito barulho.
Além da música, o Planet Hemp também fez questão de falar sobre o autismo. Marcelo D2 vestia uma camiseta criada pelo amigo e artista plástico grafiteiro Flip que tem uma filha no espectro. Segundo a Onu, estima-se haver mais de 70 milhões de pessoas com autismo no mundo.
Wu-Tang Clan realiza aguardado show no Brasil e emociona fãs com momento histórico.
O público estava fervendo quando Planet Hemp encerrou o show explosivo de suas 18 canções. Na sequência, um dj acalmou um pouco os ânimos com “Ela partiu”, do Tim Maia, “Na rua, na chuva, na fazenda” do Hyldon e “Pontos de Luz” da Gal Costa. Sem atrasos, o aguardado show do Wu-Tang Clan no Brasil finalmente aconteceu. A apresentação teve a participação de quase todos os integrantes originais: Rza, Masta Killa ,Raekwon, Cappadonna, Ghostface Killah, Inspectah Deck, U-God, e dj Mathematics (que vestia um moletom preto com o nome Brasil com Z estampado no meio do logo do WTC). Apenas GZA e Methodman não estavam presentes.
O clima do show era de muita emoção e sentimento de que aquele era um momento histórico para os fãs. Era para a banda ter feito seu primeiro show por aqui em 8 de abril de 2020, mas devido à pandemia do Covid -19, o show precisou ser cancelado. Ou seja, só aumentou ainda mais a ansiedade para vê-los pela primeira vez.
A abertura contou “Killa Bees on the Swarm/ Clan in da Front” , “Bring da Ruckus” e “Da Mystery of Chessboxin”, foi a escolha perfeita logo de cara. Essas são músicas que fazem parte do álbum de estréia “Enter the Wu-Tang (36 Chambers) lançado em novembro de 1993, que este ano completa 30 anos e é considerado um dos mais importantes álbuns de hip-hop de todos os tempos.
Enquanto os fãs cantavam “Wu-Tan” fazendo o símbolo da banda com as mãos, RZA sacudia para o alto uma garrafa de champanhe que molhava o público. Era fácil de sacar que aquele momento era de celebração e união. Ol´Dirty Bastard foi um membro original que faleceu em 2004, mas que continua presente nos corações e camisetas dos fãs. As músicas “Got your Money” e “Shimmy Shimmy Ya” foram tocadas em memória ao mesmo tempo que sua foto era mostrada ao fundo.
Duas outras surpresas acontecem durante o show: um cover de “Smells like teen Spirit” do Nirvana, que infelizmente não agitou como o esperado e uma linda bandeira customizada por um super fã brasileiro que circulou por várias mãos e chegou até o palco. Momento inesquecível que você fica sabendo os detalhes de como foi essa jornada marcada na história da passagem do Wu-Tang Clan por aqui no Brasil:
Edson Linhares contou que havia inicialmente pensado em levar sinalizadores, fumaça e até mesmo uma bandeira de mastro para o show. No entanto, após entrar em contato com a organização do evento, foi informado de que não seria permitido. Decidido a fazer algo que ficasse marcado para sempre, o fã decidiu encomendar uma bandeira de mão personalizada, com o símbolo clássico preto do Wu-Tang Clan substituindo o globo da bandeira do Brasil, além de colocar a palavra Brazil com Z, como se escreve nos Estados Unidos.
Quando chegou ao local do show, o fã descobriu que não seria permitido entrar com bandeiras e faixas, mas ainda assim conseguiu esconder uma de suas bandeiras e um amigo escondeu outra. Durante o show, eles sacudiram as bandeiras entre si e, quando o rapper Ghostface olhou em sua direção, Edson decidiu jogar a bandeira para ele.
Ghostface pegou a bandeira e a mostrou ao público, caminhando pelo palco de ponta a ponta, enquanto o fã tremia de emoção na grade. O momento foi registrado em vídeo e rapidamente se espalhou nas redes sociais.
“Eu espero que eles guardem a bandeira como uma lembrança da passagem deles por aqui”, disse o Edson em entrevista após o show. “Foi um momento muito emocionante e eu nunca vou esquecer.” Ele ainda levou outra bandeira personalizada para casa e esperava conseguir autógrafos dos integrantes do grupo nela, mas eles não voltaram ao palco após o show. Mesmo assim, o fã considerou a experiência incrível e espera que a banda possa voltar ao Brasil em breve.
Da periferia de Staten Island, os rappers que marcaram a história da música também são fanáticos por artes marciais e kung fu, tanto é que a inspiração do nome tem origem no filme “Shaolin e Wu-Tang”. Alguns trechos deste filme, que narra a rivalidade de escolas marciais, lançado em 1983, foram escolhidos para passar no telão durante a música “Gravel Pit”. Já durante a música “Triumph” cenas de uma animação cyberpunk mostrava um conflito na sociedade com explosões e lutas marciais. Em ambos os vídeos, independentemente de ter sido gravado na de decadá de 1980 ou de ser um futuro hipotético, a mensagem que talvez permaneça para os fãs é que a luta, tanto na música quanto nas injustiças sociais, contínua e que o espírito inabalável de um samurai, permaneça em todos nós.
Os movimentos sociais e musicais têm um papel fundamental na história da sociedade e da cultura de um país. Os artistas que se apresentaram trouxeram consigo mensagens importantes sobre a realidade vivida pelas comunidades marginalizadas e o papel da arte e da cultura na luta por mudanças sociais. Suas letras traziam reflexões profundas sobre questões como racismo, violência policial e desigualdade social.
O evento foi um verdadeiro marco para a cena do rap nacional e uma demonstração da força e do engajamento da juventude brasileira. É importante destacar a arte e cultura como instrumentos de luta por transformações sociais e a necessidade de apoio e valorização dessas manifestações.