Entre o futurismo e a nostalgia: conheça Garbage, a banda que usa a própria originalidade como forma de expressão
No dia 14 de março, o perfil oficial do The Town no Instagram anunciou mais um nome para o dia 9 de setembro – que tem como atração principal o Foo Fighters: Garbage, um dos maiores nomes da música alternativa dos anos 1990 e 2000, irá compor a line-up do palco Skyline. Esse texto aqui vai te provar que o som contagiante da banda estadunidense, além de provavelmente ser familiar aos seus ouvidos, também é uma ótima adição ao festival!
O Garbage fará sua terceira visita ao Brasil, tendo estreado em território nacional durante o Planeta Terra, em 2012, e voltou a performar em 2016 em duas apresentações. Formada por Shirley Manson, Duke Erikson, Steve Marker e Butch Vig, a banda possui sete álbuns de estúdio que transitam entre diferentes sonoridades como o rock alternativo, grunge, techno, rock industrial e power pop.
A mistura de ritmos a qual o quarteto se propõe é surpreendentemente suave e limpa, muito por conta do vocal doce de Shirley Manson, que foi convidada para a banda por Steve Marker depois que ele a viu em um clipe da antiga banda escocesa Angelfish na MTV. Em pouco tempo a cantora se tornou a figura central da banda, muito beneficiada pelo carisma que ela exibia para a mídia.
O primeiro álbum da banda, autointitulado Garbage, foi lançado em 1995 e carimbou a marca registrada do grupo: a mistura entre rock e música eletrônica. A crítica aclamou o trabalho e os singles Only Happy When It Rains, Stupid Girl e Milk conquistaram o público. Com letras majoritariamente compostas por Shirley, e tratando de temas como depressão, isolamento, sexualidade e apatia, o disco vendeu mais de 3 milhões de cópias e Stupid Girl foi indicada ao Grammy por Melhor Música de Rock.
O segundo álbum, Version 2.0, foi lançado em 1998 após uma pequena pausa e apresentou letras mais introspectivas e obscuras por parte de Shirley Manson. O sucesso comercial foi absurdo, com diversas músicas aparecendo em filmes aclamados dos anos 1990. Push It fez parte da trilha sonora do filme Segundas Intenções (1999); I Think I’m Paranoid, Special e When I Grow Up fizeram participação em O Paizão (1999).
Além de ter feito muito sucesso, o disco é a cara do final da década de 90 e começo dos anos 2000, trazendo uma sensação de nostalgia desde o primeiro até o último segundo. A sonoridade é mais limpa do que o antecessor e afinada, além de ter um ritmo que combina com a virada do milênio – mais acelerado. Tudo isso, mais as indicações ao Grammy de Melhor Álbum do Ano, Melhor Álbum de Rock e Melhor Música de Rock, atestam a evolução da banda nos três anos de hiato que separaram o primeiro e o segundo álbum de estúdio da carreira.
Outros três anos separam a segunda e a terceira obra do Garbage. Em 2001 a banda lançou Beautifulgarbage – ou Beautiful Garbage – um álbum muito mais pop do que os anteriores, que puxou os elementos eletrônicos que sempre estiveram presentes e os mesclaram com batidas mais ritmadas e um quê de sintetizadores para conectar tudo. Aqui, muito se ouve de uma estética new wave e influências de girl groups que estavam super em alta no início dos anos 2000.
Enquanto os sons anteriores do quarteto se encontravam naquela ponte sonora conhecida do final dos anos 1990, o terceiro trabalho deles parece ter saído diretamente da trilha sonora das séries adolescentes que fizeram tanto sucesso em épocas próximas ao seu lançamento. “Foi uma experiência muito interessante para mim enquanto música. Eu aprendi muito”, contou Manson para a VAGAZINE. “Eu estava passando por um divórcio (…) e parecia presa a todas as minhas velhas ideias, opiniões e processos criativos que podem parecer prisões às vezes. Então, para mim, Beautifulgarbage foi muito libertador. Ele tem um espaço guardado no meu coração – acho que, na verdade, toda a banda se sente assim”.
Os membros da banda chegaram a dar várias entrevistas sobre como as composições do terceiro álbum foram feitas em algumas horas – enquanto as do disco anterior, às vezes, demoravam meses para ficarem prontas. Muitas músicas foram inspiradas por sessões de “jam” improvisadas entre eles – como Shut Your Mouth. Mas, com o fim da fase pop, o Garbage retorna às suas origens em 2004, com o início da gravação do disco Bleed Like Me, lançado em 2005. Com um processo intenso e problemático, a banda chegou, inclusive, a se dissolver enquanto gravava o álbum. As guitarras e as melodias mais intensas e pesadas voltam, aqui, com tudo, e os componentes eletrônicos que eram a marca registrada da banda ficaram um pouco de lado.
Com riffs de guitarra muito mais rasgados, o Garbage parece buscar inspiração no grunge para criar sua própria sonoridade – um tanto quando crua – ao mesmo tempo, em que se inspira nos próprios álbuns anteriores da carreira para elevar o tom comercial da obra. A primeira música de Bleed Like Me, por exemplo, contou com a participação especial de Dave Grohl. Bad Boyfriend prepara o ouvinte de forma extraordinária para o que segue no disco, que conquistou a crítica e o público em um sucesso já visto nos três álbuns anteriores.
Após a turnê do álbum, o Garbage anunciou outro hiato, retornando para o lançamento do álbum Not Your Kind of People em 2012. A partir daí, em uma mistura de suas próprias narrativas e legados, o Garbage bateu o martelo em uma sonoridade que já havia sido consolidada nos quatro álbuns – mesmo quando os estilos se distanciavam, a motivação e reconhecimento identitário característicos da banda pareciam estar presentes.
Com narrativas que acompanham, sempre, o momento da vida em que os membros do Garbage se encontram, Not Your Kind of People mostra uma perspectiva mais positiva, o que reflete não só na lírica como na sonoridade de uma maneira geral. A receptividade positiva da crítica e do público também se fez presente no quinto álbum de estúdio, que colhe, com uma roupagem contemporânea, muito do que foram os dois primeiros álbuns lançados.
Quatro anos depois, em seu sexto – e penúltimo – álbum de estúdio, o Garbage lança o expressivo Strange Little Birds, que em sua faixa de abertura, Sometimes, já consegue causar um espanto tanto para quem está tendo o primeiro contato com a banda como para quem já a acompanhava. Em um tom muito mais obscuro que os anteriores, mesmo os que falaram das dores dos integrantes, o próprio press release descreve que a obra é “um registro cinematográfico arrebatador de um humor unificado: escuridão”. Shirley Manson comentou que o ponto de inspiração da banda nas composições líricas e musicais está envolta pelo instinto do Garbage – e essa é a sensação passada ao ouvinte, quase como uma sonoridade animalesca (porém, com o polimento e os elementos já conhecidos da banda). A capa do álbum, com o “G” de Garbage revestido por um padrão de oncinha, apenas reforça sutilmente a narrativa escolhida.
Como dito em parágrafos anteriores, a maturidade é elevada a outro nível, em que as músicas permitem que a banda demonstre sua própria vulnerabilidade e fraqueza. Em Strange Little Birds há uma tentativa irreverente de fugir da mesmice que englobou os lançamentos da época, segundo as palavras da própria banda “feliz, brilhante e pop”. Neste momento da carreira, o Garbage já tinha conquistado sucesso comercial e aprovação crítica. Com seu sexto álbum de estúdio não foi diferente.
Em 2021, a banda lança seu sétimo disco, o No Gods No Masters, com uma série de críticas sobre temas como o capitalismo, racismo, sexismo e misoginia ao redor de todo o mundo. Não é à toa que o single de abertura do álbum, The Men Who Rule The World, reúne elementos menos usuais para uma canção sobre racismo, a busca cega dos homens pelo poder social e econômico, abuso ambiental e misoginia – ou seja, relações de poder.
Em relação a Strange Little Birds, No Gods No Masters possui uma sonoridade muito mais acelerada, industrial e sintética. Segundo a banda, apesar dos pontos em comum, o objetivo era que cada música tivesse a sua própria identidade, fazendo-se valer dos elementos que marcam a carreira da banda para manter o álbum conciso e redondo. Ao longo de toda a sua carreira o Garbage conseguiu variar entre rock industrial, post-grunge, trip hop, dance-rock, hard rock, synth pop e uma série de outros estilos. Com a intenção de que suas músicas soassem pop ao mesmo tempo, em que essa variedade de gêneros era abraçada, Steve Marker descreveu que o objetivo da banda foi “pegar a música pop e fazer soar da forma mais horrível que podemos”.
Seja nos anos 1990 ou 2010, uma coisa é fato: o Garbage consegue se superar e vender como uma banda futurista, usando elementos que, apesar de longe de serem vanguardistas, conseguem ter sua própria identidade e sensação comum de nostalgia.