Metallica – 72 Seasons
Após sete anos de jejum, o Metallica lança seu 11º álbum de estúdio como um presente aos fãs da banda, do heavy metal e do thrash metal: 77 minutos de duração e muitas de suas marcas registradas, como riffs longos, repetitivos e a presença vocal dominante de James Hetfield. O 72 Seasons conta com doze canções, com os quatro singles lançados previamente provocando debates que variavam entre polêmicas e elogios.
Antes do lançamento, a grande questão era – e ainda é – se o Metallica não passou gradualmente da data de validade em termos de novos projetos. Com 72 Seasons, os músicos carimbaram um selo da Blackened Recordings, a produção do vocalista James Hetfield e do baterista Ulrich Lars, que colaboraram com Greg Fidelman. Este último não apenas cuidou do antecessor Hardwired… To Self-Destruct, mas também de nomes como Red Hot Chili Peppers, Audioslave e Johnny Cash.
Segundo entrevistas prévias dos membros da banda, como Robert Trujillo, o material lançado já estava em construção desde 2019 e é uma tentativa de, além de “compilar” o que foi trabalhado em Hardwired… to Self-Destruct e Death Magnetic, mostrar ao público qual era o caminho lógico pelo qual o Metallica seguiria a partir de agora. É inegável que a banda conseguiu angariar uma legião absurda de fãs, principalmente após o lançamento do magnum opus em 1986, o Master of Puppets, que segue sendo, 37 anos depois, um dos maiores clássicos do Metallica. Mas, o que mudou ao longo das quase quatro décadas de estrada?
É simples: eles se encontraram num gênero (e subgênero) musical e conseguiram se tornar as maiores referências que já existiram no nicho – goste você ou não. Isso torna os riffs construídos por Kirk Hammett reconhecíveis a quilômetros de distância. Mesmo que você nunca tenha escutado a música que está tocando, a certeza é uma: é Metallica.
“72 seasons (temporadas). Os primeiros 18 anos das nossas vidas formam quem somos – verdadeiramente ou não”, respondeu Hetfield no site da banda quando questionado sobre o título do disco. “O conceito de que nossos pais quem ditam quem somos. O direcionamento para a personalidade que teremos. A parte mais interessante é o estudo contínuo das crenças centrais que afetam nossa percepção do mundo.” O vocalista continua esclarecendo que os primeiros 18 anos da vida de uma pessoa afetam, e muito, sua percepção sobre o mundo, já que boa parte da nossa experiência adulta é uma reencarnação ou reação das experiências da infância. A temática é ainda simbolizada pelo berço na capa. “Somos prisioneiros da nossa infância ou estamos nos libertando das amarras que carregamos.”
O álbum abre com a música-título, 72 Seasons, que discorre sobre a ira do protagonista da canção e o impacto que esse sentimento produz em sua vida na totalidade. O conflito interno, principalmente, parece ser uma temática que se desenrola não apenas no single de abertura como em todo o álbum. A sequência de Shadows Follow e Screaming Suicide (que toca num ponto, inclusive, considerado tabu) voltam a mencionar o tópico diretamente, principalmente no sentido de que a escuridão está sempre seguindo o interlocutor. Na terceira faixa, Hetfield acrescenta que a intenção da música é falar em voz alta sobre o impulso de, às vezes, reprimir os pensamentos ruins, sendo que eles não passam de uma experiência humana como todas as outras.
Sleepwalk My Life Away é um clichê tanto musical quanto lírico, não explorando nenhum ponto revolucionário. A novidade fica com You Must Burn!, que traz, pela primeira vez desde que ingressou na banda em 2003, Trujillo nos vocais, que canta a ponte da música junto com Hetfield. Assim como em Sad But True, lançada no disco homônimo da banda de 1991, a canção fala sobre o lado maléfico do protagonista tomando conta dele por inteiro, numa sonoridade que remete à música de três décadas atrás.
Lux Æterna foi o primeiro single e o que mais fez sucesso antes do lançamento do disco – talvez pela curta duração, talvez pela polêmica. Com uma letra pra lá de básica, muitos dos fãs também apontaram o solo de guitarra criado por Hammett como “sem criatividade e técnica”. Em entrevista à Total Guitar o músico, entre risadas e brincadeiras, acabou por concordar com o que estava sendo dito.
Num ponto que parece comum em todo o álbum, Crown of Barbed Wire bebe da fonte de King Nothing, lançada no disco Load, de 1996. A temática é a mesma aqui, com um monarca que, em sua sede por poder, acaba destruindo seu próprio império. Fazendo referência a correr atrás dos seus sonhos, Chasing Light casa muito bem com o tom lírico do álbum como um todo por contrabalancear luz e sombras e o contato que temos, ao longo da vida, com essas duas energias. Sem luz, não há sombras; sem luta e sacrifício, é impossível conquistar seus objetivos. Simultaneamente, a intro de If Darkness Had a Son vira um clássico instantâneo e, por isso, uma música que promete ambientar apresentações ao vivo épicas. Em contraponto com a faixa anterior, nesta o interlocutor brada sobre a vontade de fazer coisas ruins e sobre como a tentação é uma das forças da natureza mais difíceis de se lidar. O vocal também é crescente antes de explodir no refrão, o que combina com o conteúdo da canção.
Muito do que vemos no álbum é fruto do período de isolamento causado pela pandemia de COVID-19, mas Too Far Gone? é a primeira faixa de 72 Seasons que retrata o sentimento da solitude. O interlocutor revela a dificuldade de se sentir nessa posição, longe de tudo e de todos, e a tentativa desesperada de escapar da sua prisão. O refrão e a ponte trazem um elemento mais melódico no vocal de Hetfield, que é muito bem-vindo. Já na penúltima música do álbum, o desespero por algo que pareça novo e fresco é grande. Room of Mirrors entrega um pouco disso, com um compasso que é, em alguns momentos, mais original do que o restante do álbum, seja no vocal ou no trabalho instrumental. O LP traz mais referências do thrash metal em sua conclusão e, aqui, os riffs rapidíssimos e virtuosos são um presente.
Inamorata encerra o projeto com uma duração de incríveis 11 minutos (a música mais longa do Metallica) que, apesar de assustarem num primeiro momento, são muito harmônicos e bem construídos. A voz se apresenta de uma forma mais limpa e o instrumental é mais calmo, apesar de não abaixar o tom geral de 72 Seasons. A música fala, à sua maneira, sobre amor, e a queda brusca por volta do minuto 5:20 mostra que, na verdade, a canção é uma balada – e que balada.
O protagonista canta sobre uma amante que já perdeu há muito tempo, mas que o quebrou tanto por dentro e causou danos tão profundos que ele os sente até hoje, sugerindo a existência de uma busca desenfreada por vingança por conta de todo o mal que ela cometeu. Em 6:40 o instrumental se ergue novamente, mas o tom é outro, agora mais sofrido e belo em seus próprios moldes. O riff de guitarra parece chorar, mas não se sabe se é de tristeza ou raiva – provavelmente, um misto de ambos. O vocal também quebra o papel que tinha até então, parecendo clamar em desespero até a realização do eu-lírico que, finalmente, percebe que não precisa mais de sua ex-amante.
No geral, 72 Seasons alcançou o que propôs desde o início. O maior problema seja, talvez, exatamente esse: o Metallica se encontra na zona de conforto comercialmente, o que não dá um gás para renovação do repertório. As músicas são longas e o disco parece contar com mais faixas do que realmente precisava. Além disso, o LP bebe muito da fonte dos seus antecessores, o que não necessariamente precisa ser um demérito – mas, aqui, é. Também é possível notar certa repetitividade nas temáticas das músicas em quase todo o álbum, visto que as letras não mostram um esforço para se destacar. A maior felicidade é que existem algumas exceções ao longo do material, como a própria Inamorata, um dos melhores momentos do projeto.
72 Seasons é grandioso em todos os sentidos e, segundo a banda, é uma tentativa de homenagear sua própria história desde a fundação, que veio do thrash metal rasgado e passou pelo hard rock noventista com o qual eles se consagraram. São quatro décadas de trajetória que se traduziram em um material potente, com cada um dos integrantes se sobressaindo em um ponto diferente do disco. A bateria de Ulrich é extremamente precisa, enquanto os solos de Hammett são expressivos e mostram que, mesmo com o passar dos anos, a produção instrumental do quarteto ainda está em excelente forma.
Tudo o que o Metallica toca é ouro e a reputação da banda ao longo dos 40 anos de estrada reforça isso dia após dia. Além disso, o sucesso já é certo: se tem o nome da banda, não tem como dar errado. As colaborações recentes mostradas ao público no The Metallica Blacklist e a inclusão da música Master of Puppets na série Stranger Things reforçam a grandiosidade do grupo e flertam com a tentativa de elevar o lado mais comercial e, assim, trazer certa renovação aos monstros do rock. O que resta, agora, é aguardar, visto que é notório que a maioria das músicas do novo disco tem força o suficiente para conquistar a todos em performances ao vivo poderosíssimas e envolventes, já que o quarteto tem um dom especial para fazer isso. Longe de ser medíocre, apesar das ressalvas, 72 Seasons talvez tenha pecado somente em não conseguir alcançar os feitos do próprio Metallica.