Lagum – Depois do Fim
Através de uma abordagem reflexiva e intimista, a banda mineira formada por Pedro Calais, Jorge, Zani e Chico, desenvolveu artisticamente seu processo de amadurecimento. Com letras densas e que expressam uma crua sinceridade, o álbum constrói uma atmosfera imersiva para o processo de cura que acompanha sua criação. É, para além de tudo, uma experiência audiovisual, já que cada uma das 14 faixas inéditas é acompanhada por um videoclipe próprio.
Com mais de um ano e meio de preparação, Depois do Fim não conta com nenhuma colaboração de artistas convidados e é o primeiro inteiramente produzido sem a participação do baterista Tio Wilson, que faleceu precocemente em abril de 2021, aos 34 anos. E essa grande dificuldade enfrentada pelos integrantes também é transmitida no disco.
O álbum começa com um barulho de um fogão sendo ligado, até que as chamas crescem e entram em cena tomando conta do lugar. O som das labaredas diminuiu conforme a letra da música é cantada: “Senti a terra tremer, eu vi o galo cantar, eu vi o céu derreter, mas não quis acreditar…”, colocando o ouvinte na mesma condição emocional da banda. Nessa relação, um apenas ouve e o outro apenas assiste, sem interferir, sendo apenas levado pelo que vier. “O mundo reiniciou. E diz que é pra melhorar. Aonde eu to pra onde eu vou, o acaso vai me guiar”. Desta forma, somos apresentados a um novo universo, imersos em uma nova história, que será contada ao longo das próximas canções.
Utilizando o sample da música Samurai do Djavan, De Amor Eu Não Morri adota uma estética despojada e disruptiva, com uma filmagem estilo anos 2000, e transmite na letra uma ideia de olhar para si e saciar vontades próprias, e o trecho “depois de me cansar de amar, não vou dormir com sede de ninguém” mostra isso.
Ainda que o grupo esteja consolidando uma identidade nova e única, velhas influências e sonoridades ainda percorrem suas criações, como é o caso de Olha Bela que resgata as raízes do reggae, que apesar de não ser o gênero que de fato consolidou o Lagum, é o estilo musical que fez a banda conquistar muitos fãs. Seguindo essa pegada do desapego, Nem Vi que o Tempo Voou já traz um vocal mais pro lado do rap, seguido por uma melodia acústica característica do quarteto e com sussurros que dizem “eu não sou de ninguém”, frase que também encerra a curta faixa com menos de dois minutos de duração.
Mas a grande surpresa da obra está na faixa Outro Alguém, em que Pedro Calais apresenta seu lado poliglota cantando versos em inglês e italiano. A melodia é um acalento na alma e, seguindo a audição na íntegra, nos prepara para um som mais reflexivo, talvez o mais emotivo da obra por se tratar de uma proposta de autoconhecimento, que é Habite-se.
Nesta canção, o conceito de álbum de cura, mencionado por Pedro numa entrevista para o Estadão, se torna mais explícito, especialmente no trecho do poema recitado pelo avô do cantor: “quando me amei de verdade, compreendi que, em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato”.
De uma forma geral, o trabalho navega por novas possibilidades de se construir uma temática que explora o olhar para si, a autoestima e a capacidade de se reinventar. Não são temas inéditos, obviamente, mas a sutileza e imersão com as quais eles são tratados fazem deste disco algo muito especial. Por isso, esse álbum está longe de ser um trabalho final – apesar de ser – e sim como a exposição de um processo pessoal e criativo, em que cada detalhe importa, pois todo sentimento manifestado é valorizado e integrado ao produto.
Depois do Fim é sobre a beleza e a possibilidade de um recomeço. Mais do que isso, é uma ode à jornada, ao que vem a seguir.
Letícia Carvalho
Excelente matéria! eu como uma fã da lagum adorei ler pois contém muitos fatos e curiosidades sobre a banda.
Parabéns Lucas Pires!!