Iboru vira mantra de Marcelo D2 e sua banda em show de estreia em São Paulo
É no ano de 2023, mais especificamente na última quarta-feira (14), que Marcelo D2 dá um grito de fé e coloca um divisor de águas em sua carreira. Com o lançamento de Iboru, o artista vem ao palco da Audio Club, dois dias depois, para debutar sua mais nova obra e apresentar à sua legião de fãs paulistas muita africanidade, batuques e música, daquelas muito boas.
É um fato: a narrativa do Marcelo que é malandro – nascido em São Cristóvão, criado em Maria da Graça, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde aprendeu as mazelas da vida, também filho de Dark e dona Paulete – mudou. Este malandro, agora, se encontra com a espiritualidade e traz atabaques e São Jorge para o palco. As guias azul, verde e vermelha penduradas sobre o colo não deixam dúvida: é um filho de Ogum orgulhoso.
Os stories anunciam às vésperas: “estamos prontos para a gira de hoje”. E, com isso, Marcelo D2 pisa no palco ao som de diversos aplausos acompanhado de sua banda com doze membros, com elementos de excelência nos atabaques, agogô, harmonia, violão, saxofone, flauta, trompete, bateria e um coro de respeito. Um Punhado de Bamba escolhido a dedo pelo artista que, em suas palavras, não são menos do que uma família. E, por falar nisso, precisamos comentar sobre a conexão mágica de Luiza, sua esposa, quando estão juntos no palco. Com mais de uma colaboração, o casal contagiou a plateia com Água de Chuva no Mar e, sinceramente, o amor dos dois é bonito mesmo de se ver. Além disso, não podemos deixar passar a estreia de Lourdes Peixoto cantando ao lado de seu pai pela primeira vez. Um marco!
O show segura a mesma energia do começo ao fim. Com aproximadamente duas horas de duração, a apresentação de D2 transmite uma experiência ardentemente positiva repleta de gingado, cultura e lirismo. O cantor e sua banda fazem uma viagem rítmica através do samba, do hip hop, do groove, do rock e até mesmo com nuances de reggae que deixa qualquer ouvinte se perguntando: “como isso dá tão certo?”. Mas, em especial, nesta noite, Marcelo estava tendencioso para um clima gostoso de brasilidades e levou o público para o terreiro. Como não comentar sobre o maravilhoso Ijexá em Gandaia?
Quanto à setlist, se você é fã ou mesmo aprecia o trabalho do artista, com certeza sairá do espetáculo de barriga cheia. Sucessos como Desabafo/Deixa Eu Dizer e Qual é não faltaram e a plateia foi à loucura. É muito interessante a interlocução entre o lirismo das faixas com o coro do público, que responde cada “qual é?” de Marcelo em euforia. Os hits do intérprete vêm de forma intercalada com as faixas do seu novo álbum, Iboru, que criam uma bela composição. O Samba Falará + Alto, Só Quando Meu Samba Morrer e Fonte Que Eu Bebo louvam a música raíz – do qual Marcelo dividiu com sua plateia relatos de sua pesquisa a fundo sobre samba – enquanto Abrindo os Caminhos, Kalundu e Tambor de Aço louvam aos orixás e, evidentemente, seu pai, deus iorubá das forjas.
Sua profunda pesquisa sobre raízes também conta com a participação de Marcelinho Moreira, veterano do samba e também percussionista de sua banda, que, em pleno ponto alto do show, apresentou ao lado de D2 um dueto e foi também homenageado em Pra Marcelo. Iboru manifesta a africanidade e a influência da música e da cultura negra com força e, aparentemente, sabe o que está fazendo. “Que sejam ouvidas nossas súplicas”, tradução da expressão em iorubá, ilustra os visuais que Marcelo D2 e sua equipe prepararam para desenhar o conceito estético do álbum. Com influências de grandes lendas do samba e com elementos diretos da cultura das religiões afro-brasileiras, os versos e as melodias servem como relatos da iniciação e da vivência do autor dentro da religião, traduzidos sonoramente por sua equipe de produção (Nave, Kiko Danucci, Mário Caldato, Fejuca e D2), com muita maestria.
Por isso, fica o convite formal para conhecer a obra e apreciar a expressão artística de Marcelo D2 que completa, neste ano, trinta anos de carreira. Iboru é um álbum com uma mensagem única, muito estudo envolvido e um ótimo gosto. Quanto à performance, se você não pôde estar na apresentação desta última sexta-feira, não se preocupe. Nos dias 24 e 25 de junho, Pitty convida Marcelo D2 e Céu para se juntar a ela no palco do Festival Turá, em São Paulo, no Parque do Ibirapuera. Não perca!
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