Luísa Sonza — Escândalo Íntimo
“Vim estressar os rockeiro (sic) fodão”, twittou Luísa Sonza em novembro de 2022, quase dois meses depois de sua apresentação no Rock In Rio daquele ano. No vídeo anexado ao tweet, Luísa ensaia, em uma guitarra, os acordes de 1° de Julho, do Legião Urbana, mas originalmente lançada por Cássia Eller. Por mais casual que o conteúdo do vídeo pudesse parecer, a mensagem no tweet incendiou debates, manchetes, reacts no Youtube feitos por músicos de meia idade e outros entusiastas conservadores de rock. Em julho, um outro tweet viral da cantora rendeu piadas e memes dos mais diversos. Aos seus fãs, Luísa recomendou que começassem a escutar música brasileira, como Cazuza e Cássia Eller, para que pudessem “acompanhá-la nos raciocínios”.
Para grande parte do público geral, os flertes de Luísa com outras sonoridades e referências tão distantes de sua imagem pareciam inconcebíveis; soavam incompatíveis com tudo o que ela, tão conhecida por seus hits radiofônicos, havia apresentado até então. Apesar das baladas românticas do início de sua carreira e performances vocais poderosas, Sonza tornou-se conhecida pela homogeneidade de seu catálogo musical, dominado por letras sensuais frequentemente associadas a batidas de trap, pop ou funk mais ou menos empolgantes. À certa altura, tornou-se comum entre seus críticos nas redes sociais especular sobre as letras de suas futuras canções, criando letras irônicas que frequentemente mencionavam letras explícitas e sinônimos para as palavras “rebolar” e “sentar”.
Não coincidentemente, sua postagem sobre Cazuza e Cássia Eller voltou à luz no dia 15 de agosto, quando o videoclipe de Campo de Morango, o primeiro single do disco Escândalo Íntimo, foi lançado. Mais uma vez, Sonza havia entregue um trabalho previsível e genérico que poderia pertencer a qualquer outra cantora pop nacional. No Twitter/X, Luísa debochou de seus críticos e alegou que a faixa havia sido escolhida propositalmente como primeiro single para, justamente, gerar aquele tipo de furor que tomou conta das redes sociais. Felizmente, Campo de Morango não faz jus ao restante das faixas do Escândalo Íntimo — e era exatamente isso que a cantora pretendia.
Dominado por guitarras, sintetizadores, baixos e boas ideias, o novo álbum de Luísa Sonza é o trabalho definitivo de sua carreira até agora. Como experiência completa, grande parte do Escândalo Íntimo oferece vislumbres do verdadeiro potencial de uma artista que, dessa vez, parece saber o que quer. Estrategicamente inseridas entre faixas surpreendentes, as canções em que Luísa explora sons e letras previsivelmente familiares são contrapostas por acenos a diferentes gêneros e artistas. Luísa Manequim, um dos melhores momentos do disco, é propositalmente antecedida pela sensualidade presumível da opressiva Dona Aranha, na mesma proporção que a felizmente curta Campo de Morango ocupa um espaço entre parcerias ardentes de Marina Sena, em Romance em Cena, e Baco Exu do Blues, em Surreal. O primeiro single, aliás, passa despercebido como uma interlude caótica e musicalmente dispensável, embora publicitariamente essencial.
Todo o frenesi viral e as controvérsias ao redor do disco ajudaram Escândalo Íntimo a se tornar o álbum nacional com o melhor dia de estreia na história do Spotify brasileiro, com impressionantes 15,6 milhões de ouvintes. Por mais estrondosos que os números sejam, qualquer tentativa de subestimar Luísa e reduzí-la a um mero produto comercial soa, já na metade do novo projeto, desonesto. Dividido em atos que pretendem explorar diferentes faces da cantora, as primeiras oito faixas do Escândalo Íntimo se revezam entre composições e gêneros extremamente distintos sem abandonar a coerência. A agitação de Carnificina e Dona Aranha são compensadas pela natureza sossegada de Luísa Manequim, que emprega um sample do clássico setentista de Abilio Manoel. A música é a primeira de numerosas homenagens de Sonza a artistas emblemáticos da MPB e é um testamento perfeito de que Luísa é capaz de imprimir sua confiança característica sem recorrer a previsibilidade fórmulaica de vários de seus grandes sucessos.
A mensagem de voz em Todas as histórias, uma interlude, introduz a parcela mais consistente do disco, apesar da interferência insignificante de Campo de Morango. A química incontestável de Luísa com Baco Exu do Blues em Surreal é magnética e é a espinha dorsal de uma faixa intrigante de R&B repleta de performances vocais oportunamente exuberantes de Sonza que, ao lado de Iza, desponta como uma das vocalistas mais talentosas dentre suas contemporâneas. A romântica Iguaria é sucedida por Chico, uma carta de amor tanto para seu atual namorado quanto para a bossa nova. Luísa não esconde sua natureza impulsiva e intensa, bem expressa no Escândalo Íntimo pela primeira interlude, e Chico comprova, tanto sonora quanto liricamente, a legitimidade dos sentimentos da artista, tão emocionada quanto qualquer adolescente apaixonada, ou tão emocionada quanto qualquer um de nós.
Penhasco2 é emotiva na dose certa e a voz poderosa de Sonza no refrão toma ainda mais espaço graças às harmonias. Como outro destaque do disco, a faixa consegue encontrar um lugar comum entre as personalidades e sons de Luísa e Demi Lovato, que canta seus versos em um português quase impecável. Essa mesma dinâmica vocal foi demonstrada na primeira performance ao vivo da música no último sábado (2), durante o show de Lovato na primeira edição do The Town. No dia seguinte, Sonza apresentou a dezenas de milhares de espectadores os arranjos, coreografias e cenários de suas novas músicas, cantadas por uma plateia que, só cinco dias após o lançamento do disco, já acompanhava verso por verso da artista.
Ao vivo, diversas canções do Escândalo Íntimo se beneficiam do carisma e comando de palco de Luísa. É o caso de Principalmente Me Sinto Arrasada, que cumpre a função de exibir, em uma única canção, a paleta sonora do álbum e encapsular a versatilidade demonstrada pela cantora ao longo do disco. O destaque absoluto, entretanto, é a energia contagiante de Lança Menina, a mais explícita homenagem de Sonza para Rita Lee, frequentemente referenciada pela artista em outros momentos de sua carreira. Por mais influente que Rita seja para a carreira de Luísa, a cantora não permite que suas inspirações suprimam sua individualidade e, em Lança Menina, escolhe homenagear a irreverência da eterna rainha do rock nacional de uma forma não convencional. Em meio a acordes de guitarra bem mais acelerados do que o clássico de Rita Lee, a roupagem única que Sonza oferece para a música é refrescante e, apesar da referência, inteiramente original.
Por mais impressionante que Escândalo Íntimo seja, é difícil não considerar que parte de seu deslumbre tem origem no que o público espera de Luísa. O novo disco não representa um rompimento integral com sua imagem, construída à semelhança de diversas outras estrelas do pop nacional, e nem com sua capacidade de produzir hits que embalam festas por todo o país, mas é, definitivamente, um progresso amadurecido. Até agora, poucos momentos da carreira de Sonza foram capazes de aproveitar seu talento e comprovada versatilidade, reduzindo-a a uma popstar carismática, com clipes exuberantes e boas parcerias, mas musicalmente previsível.
Escândalo Íntimo não é liricamente revolucionário ou artisticamente disruptivo, e não precisa ser. O álbum é, sobretudo, um progresso corajoso que a tira de uma zona de conforto não necessariamente criada por ela, mas pela indústria. Entre todas as conquistas recentes de Sonza, os memes no Twitter e subestimação com a qual é tratada por parte do público não devem preocupá-la, mas, com o novo álbum, a cantora atesta que seu estrelato independe das dancinhas e das faixas curtas concebidas para o TikTok. As ambições de Luísa vão além do cenário manufaturado do pop nacional, e não há como não antecipar seus próximos passos com maiores expectativas, por mais que novas versões de Campo de Morango possam continuar a aparecer em sua discografia.