Olivia Rodrigo - GUTS | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Olivia Rodrigo – GUTS

Em jealousy, jealousy, a nona faixa de SOUR, seu disco de estreia, Olivia Rodrigo confessa, ao som de guitarras, baixos e um piano, vivenciar lapsos de uma prática central da experiência adolescente: a comparação. “Tudo o que eu vejo são garotas boas demais para serem reais, com dentes brancos e corpos perfeitos”, canta a artista, então aos dezoito anos. Por mais que tente manter alguma civilidade e mostrar-se contente pelas conquistas e vidas artificialmente exemplares de terceiros, Rodrigo revela não ser capaz de desprender-se da inveja. “A vitória deles não é a minha derrota, mas não consigo não me incomodar”, desabafa, antes da ponte catártica em que, finalmente, admite com todas as palavras: “eu quero ser muito ser você, e eu sequer te conheço”.

Dramático, honesto e, mais vezes do que o necessário, ironicamente contido, o primeiro disco da ex-estrela da Disney é tão dominado quanto domado por sua justificável e esperada imaturidade — tanto etária quanto artística. Apesar da insistência implicante de seus críticos, que parecem esperar que uma garota que acaba de atingir seus vinte anos escreva sobre vivências nada verossímeis à sua idade, Olivia encapsula perfeitamente os dilemas da geração Z.

Seu sucesso no mainstream supostamente remonta uma tendência cíclica na indústria que, vez ou outra, apresenta contrapropostas ao pop abrasivo das rádios na forma de jovens meninas irritadas que, definitivamente, “não são como as outras garotas”. Pense em Alanis Morisstete, Fiona Apple, Avril Lavigne, Lorde e, mais recentemente, Billie Eilish: todas, assim como Rodrigo, surgiram como oposições aos arquétipos dominantes de suas épocas. E, realmente, Olivia não é como várias das garotas nas rádios. Não fosse a hegemonia de Taylor Swift, a raiva teen e a imagem acessível de Rodrigo despontaria como a única resposta às rappers e cantoras de R&B que comandam as paradas estadunidenses, como Doja Cat, SZA, Ice Spice e Nicki Minaj. Ela atende, como nenhuma outra artista da atualidade, uma demanda que, de alguma forma, suas contrapartes mais amadurecidas que exploram suas próprias sexualidades não alcançam com tanta eficiência. A identidade de Olivia é construída como a de uma jovem excepcionalmente comum, mas talentosa, que canta sobre vivências comuns e que, facilmente, poderia pertencer a sua classe comum de ensino médio, em uma escola também excepcionalmente comum.

Essa mesma trivialidade é o que move GUTS, seu segundo álbum, lançado na última sexta-feira (8) depois de uma sucessão de singles bem sucedidos comercialmente. A diferença é que Olivia nunca esteve tão consciente não só de seu próprio potencial, mas também do caráter certamente universal de algumas de suas letras. Na sarcástica bad idea, right?, ela não mais tenta mascarar seus erros e práticas de autossabotagem como em jealousy, jealousy e, para dizer a verdade, em todo o SOUR. Várias das faixas do primeiro disco reproduziam a mesma narrativa sobre um ex namorado infiel que quebrou suas promessas e a superou rápido demais, da forma que só um sociopata seria capaz de fazer. É claro que Olivia realmente não acredita nessa classificação, mas, ainda assim, existe alguma diversão em ser dramática, e em ballad of a homeschooled girl, expressa uma autoconsciência quase teatral. Seus problemas são os maiores do mundo e toda interação social resulta em embaraço, fracasso e “suicídio social”.

Ao lado das demais faixas mais carismáticas do GUTS, ballad of a homeschooled girl poderia, facilmente, pertencer à trilha sonora de uma daquelas comédias dos anos 2000 em que atores adultos interpretam adolescentes no ensino médio. A performance de Olivia certamente evoca artistas femininas deliciosamente irritadas de décadas atrás e, no disco, os únicos exageros são os expressos em suas composições, mais ácidas do que nunca. all american bitch é tão sarcástica quanto qualquer faixa do clássico noventista Exile In Guyville e, como uma Liz Phair menos explícita faria, Olivia questiona os arquétipos de perfeição aos quais é submetida por cima de contrastes instrumentais e vocais empolgantes. Na ponte, grita com toda a força de maneira catártica.

get him back! e bad idea, right? são clássicos imediatos do nicho adolescente-irritada, e também duas das faixas pop mais cativantes e carismáticas do ano. Enquanto cantores muito mais velhos que Olivia do gênero pop punk/rock recusam qualquer amadurecimento artístico e insistem em posturas, letras e sons extremamente datados, Rodrigo e Dan Nigro, seu principal colaborador, sabem exatamente como navegar por águas já tão conhecidas pelo público ao mesmo tempo que mantêm alguma originalidade.

Naturalmente, nada do que a cantora apresenta no novo disco é completamente inovador, mas, apesar do GUTS partilhar da exata mesma estrutura de seu antecessor, é impossível não se entreter com o sarcasmo ácido de Olivia e seus dramas juvenis. Apesar de ainda anti climática, até as baladas românticas do álbum são mais interessantes do que as do SOUR, mesmo quando reproduzem as mesmas narrativas já repetidamente apresentadas pela cantora no início de sua carreira. É o caso de logical, que, por conta própria, sustenta sua posição nesta tracklist com muito mais eficiência e vulnerabilidade do que as insossas enough for you, happier, hope ur ok e favorite crime do SOUR, aqui representadas pela igualmente entediante quanto teenage dream, última faixa do novo projeto.

Certamente, mesmo em um álbum com mais pontos fortes que seu antecessor, não há como não desejar que Rodrigo e Nigro tivessem se dedicado a produzir um trabalho inteiramente pautado na sonoridade pop-punk, que a serve infinitamente melhor do que o melodrama que, à altura de seu segundo álbum, já soa penosamente exaustivo. Se muito, a existência de the grudge e making the bed só cumpre o propósito de relativizar a realmente intrigante e poderosa vampire, com suas sequenciais flexões instrumentais surpreendentes e letras sobre um sugador de fama que se aproveitou não só da reputação da cantora, mas também de sua juventude.

Por mais que pegue a indignação agressiva de algumas de suas antecessoras emprestada, Olivia faz das faixas agitadas e coléricas do GUTS verdadeiras atrações. Ainda assim, quando pretty isn’t pretty troca o frenesi por uma abordagem quase etérea, não deixa de causar uma boa impressão. get him back! não só compartilha seu título com uma música de Fiona Apple, referenciada por Rodrigo como uma de suas principais inspirações, mas conjura o tipo de ira e revanchismo presente em clássicos da carreira de Fiona. A música narra mais um auto boicote por parte de Olivia, que planeja reconquistar um antigo namorado a despeito da reprovação de seus amigos. Como a filha de um terapeuta, Rodrigo acredita, de forma otimista ou explicitamente sarcástica, que talvez consiga consertar seu parceiro e escolhe não reconhecer que suas táticas para chamar a atenção do ex já tornariam a relação tóxica desde o princípio.

Tradicionalmente, a carreira de cantoras lançadas pelos canais infantis de televisão seguem uma fórmula previsível. Por alguns anos, a maioria é orientada a adotar uma imagem inofensiva, segura e livre de contradições — estrelas como Selena Gomez, Britney Spears e Miley Cyrus só tiveram a oportunidade de mostrar algo diferente da perfeição simulada quando se distanciaram de suas alma maters. E, por mais que a postura de Olivia esteja distante de representar alguma espécie real de rebeldia contra a indústria e seus padrões, o início de sua carreira é, já nessa altura, mais interessante de se acompanhar do que de suas antecessoras no nicho teen. Ácida, bem assessorada e sem receio de verbalizar um ou dois palavrões por aí, Rodrigo impressiona ao trocar a comum idolatria por ídolos do pop por inspirações mais ambiciosas.

Amadurecer diante dos olhos do público é um desafio quase insustentável, mas, mais do que diversas de suas contemporâneas, Olivia parece saber o que quer e onde pretende chegar. Para ela, sua vida é sempre uma catástrofe e suas relações nunca acabam bem. Esse é um sentimento conhecido para qualquer pessoa que já tenha saído da adolescência, mas nada como um bom drama juvenil para fazer qualquer adulto suspirar aliviado. Nessas ocasiões, é impossível não agradecer pela adolescência ser só uma fase que, como seus dilemas e conflitos, passa. E que bom que passa.

NOTA 8

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