Mitski — The Land is Inhospitable and So Are We | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Mitski — The Land is Inhospitable and So Are We

Apesar de todas as suas atribuições por vezes frustrantes, o amor é, definitivamente, o clichê mais exaustivo da arte. É a “beleza da vida, a alma da arte e a inspiração para a poesia”, nas palavras de Virginia Woolf; para Lorde Byron, é a força que encontra uma trilha no caminho em que os lobos caçam. Goethe acredita que é melhor estar triste com o amor do que alegre sem ele e Caetano e Milton Nascimento dizem que qualquer forma de amor vale a pena. Mitski, por outro lado, nunca examinou o amor por lentes particularmente românticas, ou omitiu sua relação conflituosa com um sentimento que, para ela, já assumiu múltiplas formas — na maior parte do tempo, nada agradáveis.

Ao longo dos seus onze anos de carreira, a cantora sempre escolheu se vulnerabilizar em medidas antagônicas. Seus sentimentos são tão conflitantes e fluidos quanto os de qualquer outra pessoa, mas, não raramente, suas letras são depreciativas e pessimistas. Relatam amores fadados ao fracasso e relações infrutíferas, perseguidas por ela como se sua vida dependesse da reciprocidade. Em First Love/Late Spring, do Bury Me At Makeout Creek, Mitski vivia uma paixão tão sufocante que a mera palavra de seu amante era o suficiente para fazê-la pular de uma varanda. Em outras ocasiões, ela admite que amar pode, com muita sorte, ser uma experiência até tolerável. Em seu último álbum, no entanto, seja um paraíso ou uma estrela, o amor é finalmente dela, e só dela.

A terra inóspita que o título do novo disco de Mitski menciona existe em um lugar distante de todos os seus trabalhos anteriores e, justamente por isso, retrata ambientes e sensações bem menos inquietantes. Arranjos orquestrais deslumbrantes dividem espaço com violões e uma percussão paciente para criar cenários de notável serenidade, onde as guitarras elétricas e os sintetizadores tão comuns aos seus demais álbuns jamais chegariam. The Land is Inhospitable and So Are We é, ao lado do bruto Lush, de 2012, o disco mais instrumentalmente orgânico do catálogo de Mitski. Mesmo depois dos mais frenéticos Be the Cowboy, de 2018, e Laurel Hell, do ano passado, o novo projeto parece um passo acertado e confortável para sua carreira, sem representar qualquer risco capaz de decepcionar seus admiradores.

Tudo no sétimo álbum da carreira da nipo-americana parece calculado para projetar o conforto de faroestes pacatos, de cidades pequenas em dias chuvosos e quartos escuros aconchegantes. Por mais serenos que esses cenários possam ser, seria um erro assumir que Mitski tenha abandonado completamente seu hábito de refletir, melancolicamente, sobre sua própria existência. “Tem um trato que pode ser feito durante uma caminhada solitária à meia noite”, afirma durante os sons harmoniosos de The Deal, antes de suplicar para que sua alma exausta seja tirada de seu corpo. A música ocupa uma posição central na tracklist e antecede a catártica When Memories Snow, que, embora infelizmente curta, proporciona um dos momentos mais excitantes do novo álbum. 

A divisão também é incorporada pelas letras da própria The Deal, tematicamente opostas à segurança de My Love All Mine, cujo refrão apresenta o conjunto de versos mais improváveis e simples de sua carreira. “O meu amor é só meu”, canta, mais como quem entoa um mantra ou uma meditação capaz de reforçar sua autossuficiência. “Eu estava pensando no que eu tenho, no que não pode ser tirado de mim. E eu sei que isso é brega, mas o amor que eu criei em mim é meu até quando eu não desistir dele”, confessou Mitski em um vídeo curto destinado a explicar o processo criativo por trás da faixa. “Eu realmente acredito que amar é a melhor coisa que eu já fiz na minha vida; melhor do que qualquer música que eu já escrevi, muito melhor do que qualquer conquista. Amar é realmente a melhor e mais bonita coisa que eu já fiz.”

Heaven, a música mais longa do The Land is Inhospitable, é uma balada country acolhedora que impressiona pela instrumentação especialmente extravagante. Calmo por toda a faixa, o violão que dita o ritmo de grande parte das composições do disco é, em Heaven, acrescido a violinos que introduzem a desesperançosa  I Don’t Like My Mind, um dos momentos mais pessimistas do álbum. À essa altura, a mixagem abafada do projeto se torna mais do que evidente e, para alguns, um detalhe desconcertante. Apesar de pretender imprimir intimismo, como se o ouvinte acompanhasse as performances de Mitski de dentro do salão de um bar rústico de acústica questionável, essa escolha de pós-produção mais boicota o potencial emotivo da voz da cantora do que qualquer outra coisa. É uma distração excêntrica que se mostra presente em todo o restante do The Land is Inhospitable e é especialmente inoportuna durante as seções mais encantadoras do projeto. Em When Memories Snow, a passagem instrumental acelerada e eletrizante por volta dos quarenta segundos é notavelmente sufocada pela mixagem, limitando consideravelmente a experiência.

Mesmo assim, nem mesmo os deméritos do disco são grandes o bastante para restringir seus ápices ou torná-los menos atraentes. Algumas das faixas do The Land is Inhospitable assumem imediatas posições de destaque dentro da discografia da cantora, como a sensível Bug Like an Angel e a soturna I’m Your Man. Igualmente depreciativas no clássico estilo Mitski, as letras das duas canções são ora balanceadas, ora complementadas por coros, cordas e até mesmo latidos de cães. I’m Your Man, uma balada folk, é, com folga, uma das músicas mais sombriamente vulneráveis de toda a carreira da cantora. Na faixa, Mitski retrata uma dinâmica amorosa contrastante e frágil, na qual a confiança irrestrita de seu parceiro é, na verdade, uma fonte de medo. “Você acredita em mim como um deus, e eu te traio como um homem”, lamenta, antecipando, de forma derrotista, o momento em que seu interlocutor a deixará. Mesmo que esse distanciamento leve a uma morte metafórica inevitável, Mitski acredita que, quando acontecer, será porque ela merece. 

Da sonoridade às letras, o que definitivamente contribui para que o The Land is Inhospitable seja um dos álbuns mais íntimos da discografia de Mitski até então são suas repentinas (mas comedidas) aparições em suas redes sociais. Embora ainda mantenha-se fiel a escolha de não controlar suas próprias contas e nunca engajar-se mais do que o necessário, a artista gravou uma série de vídeos curtos para destrinchar algumas das faixas do novo disco. Mitski já contemplou a aposentadoria e frequentemente expressa seu desconforto não só com a lógica consumista da indústria, mas com toda a cultura de fandom. Por isso, a súbita proximidade da artista com seus fãs, notórios pela intensa idolatria e pelos memes autodepreciativos capazes de assustá-la, parece tão pontual, mas valiosa.

Nota: 8.3

 

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