Ariana Grande — eternal sunshine
Em 1998, Brandy e Monica, duas estrelas em ascensão do R&B estadunidense, se reuniram para gravar The Boy Is Mine, um dos maiores sucessos de toda a década. Narrando uma disputa entre duas mulheres por um homem, o êxito da faixa é reflexivo de uma época diferente não só para a música pop, mas para o ethos ocidental como um todo. O Google dava seus primeiros passos, as Spice Girls existiam como um quinteto e a misoginia e a rivalidade feminina eram glorificadas na mídia e no senso comum. Também em 1998, na política, Monica Lewinsky teve sua vida pessoal devastada no prelúdio do impeachment do presidente Clinton. Já na música, Tommy Mottola, executivo da Sony, empreendeu esforços monumentais para destruir a carreira de Mariah Carey após o divórcio, e o baterista do Mötley Crüe, Tommy Lee, foi preso por agredir brutalmente sua esposa, a atriz Pamela Anderson.
Apesar da relação turbulenta entre Brandy e Monica e do conteúdo lírico da música, não é surpreendente que, em 2024, The Boy Is Mine continue a ser referenciada por artistas contemporâneos. Sua mais recente aparição no mainstream é como interpolação numa faixa de mesmo nome do último disco de Ariana Grande, eternal sunshine. Na música, sobre uma fusão envolvente de R&B Contemporâneo e Pop, Ariana faz declarações das mais diversas acerca da natureza inesperada de um novo romance. “Eu normalmente sou tão não-problemática”, alega nos primeiros versos antes de, mais adiante, confessar que isso não foi o que ela havia planejado. Ainda assim, por mais atrativa que a produção da canção seja, e por mais genérica que sua letra possa soar aos menos atentos, é impossível não perceber o quão confusa e fora de tom é a narrativa impressa em the boy is mine — e, a bem da verdade, em todo o eternal sunshine.
No ano passado, quando o relacionamento de Grande com Ethan Slater se tornou público, a então esposa e mãe do filho de Slater, Lilly Jay, contou a Page Six que Ariana era o motivo do fim de seu casamento, e que sua família havia sido apenas “um efeito colateral”. A cantora e Ethan se conheceram no set do filme Wicked, e fontes contaram à Us Weekly que, para a equipe de produção e elenco, o affair não era um segredo. Mesmo assim, foi só em julho que o ator, conhecido por seu papel no musical do Bob Esponja na Broadway, finalmente confessou a sua esposa sobre o caso com Grande. Ainda para a Page Six, Lilly Jay disse que a cantora de God is a woman não é uma “garota que apoia outras garotas”. O comentário não é plenamente inesperado, já que, quando a artista começou a namorar Pete Davidson em 2018, o ator do SNL já estava em um relacionamento com a autora Cazzie David. Em 2014, ela também se envolveu com o rapper Big Sean enquanto ele ainda estava noivo da atriz Naya Rivera, que se referiu a Ariana como uma “destruidora de lares”.
Por mais que contos de empoderamento não sejam necessariamente raros no catálogo de Ariana, o feminismo, ao longo de sua carreira, sempre pareceu um token conveniente, superficialmente levantado em uma frase de efeito ou outra, à sombra de uma miríade de canções românticas, hits sugestivos e até mesmo faixas emotivas e confessionais. Certamente, como toda estrela comercial, Grande não se encontra isenta das demandas mercadológicas e da sede pelos números e, por isso, é natural que a mensagem se torne secundária quando o assunto é criar melodias pop de sucesso. Mesmo assim, não deixa de ser surpreendente quando, ao tornar-se o pivô de um divórcio e ser acusada de não apoiar outras mulheres, Ariana decida, em seu novo disco, interpolar uma canção centrada numa rivalidade feminina e, no título, reforçar sua propriedade sobre um homem que começou a namorá-la enquanto ainda era casado.
Essa mesma narrativa é reprisada em outros momentos no disco. Tal qual uma adolescente contrariada, Grande questiona sua audiência em yes, and? do porquê sua vida sexual deve ser de interesse coletivo, logo depois de passar grande parte do single entoando frases prontas de auto exaltação e falando sobre proteger sua própria energia. Os versos são cantados acima de um instrumental House pulsante que pega emprestada a melodia de Vogue, da Madonna. Não fosse o contexto, yes, and? passaria batida como uma música divertida, embora pouco inventiva. Esse é o caso, aliás, da maioria das outras faixas do eternal sunshine, que, como álbum completo, mais recicla os temas e sons abordados por Ariana no restante de sua discografia do que demonstra qualquer tipo de amadurecimento ou criatividade.
Isso não significa, por outro lado, que não exista o que apreciar no projeto: eternal sunshine foi indubitavelmente articulado para proporcionar a experiência sonora mais agradável possível — sem dúvidas bem mais do que o inexpressivo positions, seu antecessor. O groove da setentista bye, que mescla Funk e R&B num dos arranjos mais divertidos da carreira da cantora, se alia à delicada don’t wanna break up again para manter o ouvinte engajado na primeira metade do álbum. A segunda abusa de um instrumental tão doce quanto os primeiros trabalhos da cantora, remontando uma atmosfera típica das baladas noventistas de Mariah na era Butterfly. Outro destaque é supernatural, que tem seu refrão açucarado ainda mais amplificado na versão com Troye Sivan graças à dinâmica vocal harmoniosa entre Ariana e o australiano.
A sedutora true story representa uma das instâncias em que o eternal sunshine prefere ser melódico ao invés de simplesmente rítmico. A demo da faixa havia vazado anteriormente nas redes sociais e, ainda que o refrão tenha se mantido, todo o conteúdo dos versos foi, para o lançamento oficial, realinhado para se afinar ao disco. A contextualização da faixa dentro do LP é, aliás, precisamente seu único problema: é difícil apreciá-la como parte do todo quando é sucedida pelas desapontadoras the boy is mine e yes, and?, duas músicas que esbanjam suas narrativas imaturas disfarçadas de nostalgia noventista. yes, and? é particularmente hostil na forma como Grande se refere de maneira mais ou menos objetiva aos seus críticos. A incoerência se revela na forma, ao mesmo tempo em que reforça o óbvio ao dizer que sua vida amorosa não diz respeito a ninguém além dela, Ariana escolhe tornar seu álbum um campo de batalha para lançar indiretas aos seus acusadores, como se estes fossem apenas adolescentes barulhentos no X, e não a mãe do filho de seu atual namorado — que não possui nem um décimo dos recursos, dos fãs e da plataforma da cantora.
Em termos de produção, pelo menos, nada no sétimo álbum de Grande é verdadeiramente ofensivo ou objetivamente irritante, mas we can’t be friends (wait for your love) quase consegue. Os sintetizadores acelerados e a lírica agridoce soam como um descarte mal mixado da sueca Robyn, fonte confiável de inspiração e referência para diversos outros artistas pop. Outras canções, como as monótonas ordinary things e i wish i hated you, provam que a narrativa duvidosa não é o único problema do eternal sunshine. É difícil acreditar que até mesmo o entusiasta mais dedicado de Ariana antecipe seus novos trabalhos na esperança de encontrar maiores experimentações sonoras, mas, acima disso, a indisposição da cantora em aventurar-se em qualquer outro tema que não tenha sido ostensivamente abordado por ela antes (e provavelmente de uma maneira mais atrativa) em sua discografia é verdadeiramente desanimadora.