Billie Eilish — Hit Me Hard And Soft | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Billie Eilish — Hit Me Hard And Soft

Tudo sobre a identidade de Eilish grita despretensão: suas músicas são tradicionalmente imaginadas a partir de uma frutífera parceria com seu irmão mais velho, Finneas, que grava e produz suas faixas em estúdios caseiros, menos formais que os tradicionais. Notória por sua honestidade e pela louvável indisposição a curvar-se às normas reservadas para jovens garotas na indústria fonográfica (tome como exemplo as geralmente fenomenais roupas largas usadas por ela nos tapetes vermelhos), Billie é, para seus fãs mais jovens, quase fácil de se identificar com. Aos vinte e dois anos, até mesmo ela parece se surpreender constantemente com a grandiosidade de seus feitos e, talvez por isso, a cada novo prêmio, não nos poupa da já batida declaração de que “não esperava nada disso”. Apesar dos milhões de dólares que financiam e impulsionam sua carreira e os incontáveis seguidores em redes sociais, a cantora é tanto uma figura arquitetada quanto a personificação do espírito cool da geração Z, ou simplesmente uma versão mais descolada que outras estrelas pop de sua idade. 

Diferentemente de seu magnético e refrescante disco de estréia, o segundo álbum de Billie, Happier Than Ever, lançado em 2022, foi, em alguma medida, mais punido do que impulsionado por esse carisma passivo e despretensioso. Ao passo em que o When We All Fall Asleep Where Do We Go é potencializado pela naturalidade com a qual foi concebido, Happier Than Ever soou, em comparação, menos genuíno, incoerente e, por vezes, calculado demais. Apesar de alguns bons momentos, o disco naufraga em suas próprias ambições confusas e se perde em algum lugar entre um rock alternativo genérico pensado para os estádios e inspirações pouco autênticas de Bossa Nova. 

Hit Me Hard And Soft, por outro lado, cumpre a tarefa de apresentar uma Billie Eilish mais amadurecida de forma muito mais coesa que seu antecessor. Mais vulnerável do que nunca, a intérprete abandona alguns dos dilemas adolescentes relacionáveis já explorados em sua discografia para tomar uma abordagem explicitamente autobiográfica. SKINNY, a faixa de abertura, dialoga com outras canções de seu catálogo, como Not My Responsibility, do álbum anterior, ao mencionar a recorrente obsessão do público com sua aparência. Em seu último minuto, o instrumental é dominado por uma orquestra que ajuda a definir a temperatura do restante do disco, lotado de harmonias vocais hipnotizantes, arranjos sedutores e as melhores letras da carreira de Billie até hoje.

É o caso da espirituosa LUNCH, que explora, tanto sonora quanto liricamente, territórios pouco visitados por Billie no passado. Apesar dos tons melancólicos que tingem o restante do projeto, o baixo marcante da segunda faixa proporciona a atmosfera divertida ideal para a mensagem galanteadora e provocante da letra. Num ato inédito na discografia da cantora, LUNCH é explicitamente direcionada a outra garota que, em suas próprias palavras, é tão atraente que faria Eilish cometer todos os atos apaixonados clichês frequentemente entoados por homens na música e na literatura, como comprar bens materiais e oferecer devoção sexual irrestrita a ela. “Se você precisa de um assento, eu me voluntario”, canta Billie, após deixar claro que a atração descrita pela faixa não é só uma quedinha, mas um desejo tão forte que quase se torna uma necessidade.

Apesar das diversas faixas com o potencial para se tornarem singles explosivos nas rádios ( como a própria LUNCH) Billie abandonou, no novo álbum, o formato tradicional de pré-lançamentos e disponibilizou todas as dez músicas de uma única vez. Embora seja natural que uma canção ou outra desempenhe melhor no tocante aos números e às paradas musicais, a decisão atesta o quão, desta vez, Eilish e seus colaboradores estão mais interessados em apresentar um projeto conceitualmente coerente e criativamente afiado do que, necessariamente, introduzir novos virais para o catálogo da artista. É óbvio que, como um dos talentos mais requisitados de sua geração, qualquer LP de Billie promete carregar consigo pelo menos um grande hit, mas é espantosa a naturalidade com a qual o Hit Me Hard And Soft apresenta algumas das melhores canções da carreira de Eilish.

Por mais que seja difícil imaginar alguma ocorrência na qual o timbre assoprado de Billie possa soar desagradável, sua voz nunca esteve tão bem complementada pela produção quanto no Hit Me Hard And Soft. Como um dos melhores exemplos dessa qualidade, os sintetizadores, o baixo e as teclas de CHIHIRO foram programados à excelência para brilharem sem nunca suprimirem verdadeiramente a performance vocal de Eilish, que acaba soando como um instrumento por conta própria, impecavelmente mixado e acrescido às estruturas inventivas do álbum. Falando em estruturas, aliás, sempre que algo no álbum falha em impressionar o ouvinte, Billie e FINNEAS têm uma carta na manga para manter sua audiência engajada. Apesar de sua primeira fração pouco chamativa, a segunda metade de L’AMOUR DE MA VIE ofusca sua intro de Jazz com synths pulsantes e uma letra amarga, mas contente, sobre um relacionamento que felizmente chegou ao fim. 

O mesmo ocorre com a magnífica THE GREATEST, que alcança a catarse após minutos de uma melodia cálida e extremamente frágil, na qual a intérprete se congratula pelos esforços unilaterais empreendidos em uma relação para mantê-la estável. “Todo o meu amor e paciência; toda a minha admiração; todas às vezes que eu esperei que você me quisesse nua; fiz tudo isso parecer indolor”, canta, antes de reconhecer que, talvez, ela tenha se apagado demais e sido a melhor versão de si para alguém que não merecia. Na ponte, quando as cordas e a percussão explodem em um clímax cintilante, Eilish faz confissões ardentes que mostram o porquê do álbum ser seu mais íntimo até hoje. Canções como WILDFLOWER, a melhor balada de sua carreira e um dos melhores momentos do Hit Me Hard And Soft, seguem a mesma tendência de vulnerabilidade ao abordar o remorso que acompanha um relacionamento com alguém que, previamente, namorava uma amiga aparentemente próxima.

Um dos pontos mais interessantes do projeto é que, por mais popular que Billie Eilish seja enquanto figura, as faixas, assessoradas por boa lírica e produção extraordinária, falam por si só. Para os padrões da indústria pop, que costuma expor as vidas pessoais de suas estrelas mais do que o necessário na intenção de tornar as músicas dessas mesmas celebridades mais apelativas, Hit Me Hard And Soft é um oásis tanto em termos musicais, quanto no que tem a oferecer para a cultura pop no presente momento, quando essa estratégia é tão indissociável das carreiras de quase todos os nossos maiores artistas. O que também ajuda é o quanto Billie parece estar se divertindo com a música novamente, algo que, numa entrevista recente, declarou ter voltado a fazer durante a idealização do Hit Me Hard And Soft

“Eu esqueci que comecei a fazer música porque amava isso, e se tornou o meu trabalho muito rápido quando eu era muito jovem”, contou para o programa de rádio australiano Triple J. Na mesma ocasião, mencionou também ter se encarregado de toda a engenharia e harmonização vocal do disco, um processo que, quando delegado a terceiros, se torna uma atividade extremamente tediosa. Embora seja só mais um detalhe nos diversos méritos do novo trabalho, é precisamente este tipo de engajamento que torna o terceiro álbum de Billie tão explicitamente íntimo e especial.

Nota: 9

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