Boston Manor lança Sundiver e continua narrativa com perspectiva positiva e enérgica
Nesta sexta-feira (6), Boston Manor, de Blackpool, Reino Unido, lançou Sundiver, novo álbum de estúdio da banda. Com 11 faixas, sua narrativa, por sua vez, já havia começado dois anos antes. O primeiro álbum conceitual do grupo, Datura (2022), é ambientado durante o anoitecer e a madrugada. Ele deu início à história que se esclarece no novo disco. Suas letras e reflexões abordam sobre confrontos consigo mesmo diante de um mundo rodeado pelo caos. O quinteto, de Blackpool, formado por Henry Cox (vocal), Mike Cunniff (guitarra), Ash Wilson (guitarra), Dan Cunniff (baixo) e Jordan Pugh (bateria), com cinco álbuns de estúdio e três EPs, continuou essa jornada honesta e vulnerável a luz do dia, com Sundiver.
“Sundiver é a manhã ensolarada e brilhante e a percepção de que a mudança é necessária para seguir em frente. Essa mudança pode ser qualquer coisa, seja sobriedade, moderação, fazer as pazes com um ente querido ou tratar melhor as pessoas”, disse Mike Cunniff em entrevista exclusiva para a Moodgate.
O guitarrista ressaltou, também, que esse é um processo delicado, dadas as feridas e o passado de cada um. “Nem sempre é um caminho fácil de percorrer e não é tão simples. Existem muitas áreas cinzentas na vida que são difíceis de navegar, mas espero que lenta mas seguramente, com positividade, consciência e bondade suficientes, possamos mudar as coisas para melhor”, explicou ele.
O álbum mostra um respiro após uma noite aflita ao redor de angústia e medo, isso, portanto, mostra que as questões levantadas no álbum anterior, o Datura, levaram o eu lírico a algum lugar que, no entanto, é visto como esperançoso e esclarecedor. Para mais detalhes sobre o disco, confira na íntegra o review de Sundiver:
Sundiver é o caminho radiante e próspero à luz do dia
A primeira faixa, Datura (Dawn), é um guia para o restante do álbum: o tão esperado amanhecer. Sons feitos por pássaros e batidas calmas se iniciam. É um instrumental tranquilo, com o teclado e o vocal de Henry em destaque, chegando, até mesmo, a ter um teor psicodélico, como se fosse a música de interface de um jogo de videogame dos anos 2000. Lembra, também, a canção inicial do filme Midsommar (Ari Aster, 2019), Prophesy, de Bobby Krilic, que, em questão, guia toda a trama da obra e, também, mostra desse tom psicodélico em sua sonoridade, enquanto desmistifica desde o amanhecer até o anoitecer. Em Datura (Dusk), faixa inicial do álbum antecessor, os sons rementem a ecos e barulhos noturnos. Com rangidos, batidas frenéticas e sintetizadores, a música é uma representação de uma noite turbulenta, como se o eu lírico estivesse em meio a luzes fortes, dentro de túnel, vagando. Nela, Henry diz “Me faz um favor, fecha essa janela. Deixa o calor entrar. Tem um fogo no estacionamento, eu vejo ele fumegando. Ouvi meu vizinho matar o próprio cachorro por fuçar no lixo. Agora o mundo dele tá transbordando, consigo sentir o fedor disso”, descrevendo o que vê enquanto se adentra nos mistérios o quais observa. Já em Datura (Dawn), Henry descreve “Você pode abrir essa janela e deixar o novo mundo entrar. Tem uma flor no jardim, sinto que está florescendo. Sinta as brasas da manhã. Não esqueça de onde você veio. Saturado até a superfície, mas feito de pele de papel”, o que diferencia o contexto e a perspectiva de cada álbum logo de início. Datura tem anseios, já Sundiver tem esperança. Ele é o caminho pela prosperidade que Boston Manor tanto buscava na primeira parte da narrativa.
E como em Datura, Sundiver também tem transição introdutória para a próxima track, e é marcante e fervorosa quanto. Os riffs secos e os chiados preparam terreno para Container, o primeiro single do disco. A guitarra é marcante aqui, mas os vocais pesados de Cox ainda possuem destaque, sendo intimistas e quase que autoritários. “Eu acordei assim. Recipiente, recipiente”, ele entona nos refrões, o que transparece o papel comercial da música, bem como reforça que, após uma longa noite amarga, eles estão de volta. No videoclipe, enquanto o quinteto canta em um ambiente fechado, um homem aparece correndo, fugindo de onde está. O que explica o semblante do álbum e o verso que se repete durante a canção, Leave it and run (ou Deixe e corra, em tradução livre).
Sliding Doors, HEAT ME UP e Horses In A Dream, os outros três singles, vem logo depois. Sliding Doors é agressiva, e a presença da guitarra deixa a canção ainda mais ardente. Ela é o hardcore puro, tampouco comercial, transbordando com solos e riffs contínuos. A bateria e o baixo, por sua vez, estabelecem um ritmo cadenciado e hipnotizante, que conduz os ouvintes durante uma jornada introspectiva. A bridge é o ápice, isso porque Henry chega ao limite com seus gritos e o instrumental parece quase colidir de tão agudo. A letra, no entanto, só ratifica esse fator, visto que ela aborda sobre angústia e medo do futuro. Seu clipe segue uma concepção acelerada, semelhante ao de Container.
HEAT ME UP é mais chiclete, mas, ainda sim, tem seu peso. É uma música intensa, enquanto fala sobre a complexidade das relações humanas, expressando sua dualidade emocional, ora declarando autoconfiança, ora vulnerabilidade. Isso porque, na melodia, Henry explica que a pessoa amada tira seu fôlego, ao mesmo tempo que não entende o que ela viu nele para o querer. “Você me enche de mais ar do que eu já tinha, eu queria poder ver o que você viu em mim”, canta o vocalista. O clipe é conceitual, em preto e branco, com detalhes expressionistas enquanto o quinteto performa em volta de uma piscina. Os riffs e os rangidos das guitarras e do baixo deixam o vídeo e a música ainda mais calorosos.
Horses In A Dream é uma exploração crua, íntima e sexy da banda, investigando temas profundos relacionados a conexões, como o desespero forjado quando duas pessoas estão juntas e completamente livres. A sensação de movimento em slow motion sugere uma introspecção densa, onde cada momento é sentido intensamente, quase como se o tempo estivesse suspenso. “Tudo se move em câmera lenta. Sinto que eu poderia morrer por isso, morrer por isso”, canta Cox. É uma canção mais acústica, mas, ainda sim, não deixa de ter seu instrumental marcante mesmo que moderado diante do avanço da música.
Morning Star é a intermission, ou intervalo, do disco. É uma faixa com elementos eletrônicos e psicodélicos. Após ela, vem Why I Sleep, Fornix e Dissolve. Why I Sleep combina a energia do pop-punk com letras sobre ansiedade e pressão, em busca por tranquilidade em um mundo agitado. A canção é marcante por sua melodia ousada, com sua guitarra energética em peso, principalmente no início. Tão agressiva que se assemelha a uma máquina. “Diga-me o que preciso ouvir. Cave um pouco mais fundo agora”, diz Cox. Fornix é mais imprevisível, com riffs estridentes intercalados entre a guitarra e o baixo. Com gritos e vocais agudos, ela segue à risca do bom e puro hardcore, mostrando mais da essência de Boston Manor na cena alternativa, com tensão e reflexões sobre o amor. Dissolve, por sua vez, já é mais do rock alternativo das rádios, perfeita para ser um sucesso. Os rangidos do baixo percorrem por toda a canção, um elemento de identidade ao álbum, bem como os ecos chiados e os riffs crus de guitarra, que fazem Sundiver ser o que é. Aqui, isso não é diferente, mas a voz de Henry Cox tem entonação sagaz, o que a faz a faixa ser mais atrevida e autêntica. “Um pouco de reprovação, um pouco de hesitação, precisando de educação, expectativa”, o vocalista canta com voz firme.
What Is Taken, Will Never Be Lost é uma canção acústica e diferente de todo o tremor que Boston Manor fez ao longo do álbum, como se fosse um respiro e uma reflexão sem agitação, com acordes inertes e calmantes junto a batidas cativantes. Sua melodia é tranquila e lenta, mas aborda sobre direitos sociais e o que se é tirado das pessoas. “O que é tirado, nunca se perde. Porque você encontra pedacinhos no escuro”, é o que se diz no refrão.
DC Mini é a última faixa do álbum, com participação de Heriot, de Swindon, Reino Unido, banda formada por Debbie Gough (vocal e guitarra), Erhan Alman (guitarra), Jake Packer (baixo) e Julian Gage (bateria). Esse é o segundo feat. do quinteto, sendo o primeiro deles Liquid, com John Floreani. “Foi um prazer absoluto ter Heriot no disco. Se colaborarmos com outro artista sentimos que precisa de fazer sentido. Somos grandes fãs do Heriot e estamos entusiasmados em vê-los se tornar uma das maiores bandas de metal do mundo”, começou Mike Cunniff, enquanto explicava sobre a tomada de decisão de participações nos trabalhos do grupo.
Além disso, não foi nada repentino, já que havia uma parceria e suporte entre as bandas desde antes do desenvolvimento da canção. “Eles nos apoiaram em uma curta série de shows no final de 2022 e rapidamente nos tornamos amigos. Eles são pessoas que pensam como você e que também se preocupam muito com sua arte. Tínhamos uma música no estilo blackgaze e fazia sentido convidá-los. Estamos muito felizes com o resultado e esperamos poder fazer isso acontecer ao vivo algum dia”, completou o guitarrista.
A faixa é diferente de tudo o que há no álbum, com vocais mais obscuros e etéreos e camadas instrumentais distorcidas, principalmente a guitarra. Isso porque ela mescla o black metal, subgênero que surgiu na década de 2000, o shoegaze e o post-rock. É um fechamento emocionante e inesperado para o final de Sundiver. Não só na vertente sonora, mas também na melódica. Ela diz tudo o que álbum transmite, com clareza e resiliência. “É assim que termina. É pegar ou largar, porque eu não sei nada sobre como viver. Reinicia e começa de novo”, Henry diz no refrão. O que explora a ideia e a necessidade de quaisquer mudanças para seguir em frente, de continuar apesar dos obstáculos. A canção define o álbum da forma mais surpreendente possível, visto que o Boston Manor aposta em um novo subgênero sem amarras.
Assim, Sundiver é uma viagem reconfortante após discussões sobre si e o mundo afora em Datura. A partir de todas as reflexões do disco anterior, é apresentado um caminho difícil e turbulento, mergulhado em temas como ansiedade, solidão e a complexidade humana. Sundiver é a luz do dia, o clarão de pensamentos emergentes de uma noite sombria. Ele é agressivo, robusto e movido pelo post-hardcore, mas possui letras positivas e otimistas, o que denota uma virada de chave em uma lore que começou em torno de dores e apreensão. O disco demonstra que, para a evolução, seja ela em qualquer aspecto da vida, é necessário reconhecer a necessidade de mudar e de ter bondade. Ele é um olhar positivo em um amanhecer esclarecedor e radiante.