Father John Misty – Mahashmashana
Hoje, vamos refletir sobre um tema que é, ao mesmo tempo, figurativo e literal. Father John Misty, ou Joshua Tillman, é um artista multifacetado, mas, acima de tudo, um mestre das palavras. Compositor, cantor, poeta, slammer, ele sabe como dar vida às palavras de maneira inteligente e impactante.
Musicalmente, é difícil classificá-lo de forma simples. Desde I Love You, Honeybear (2015) até Pure Comedy (2017) e Chloë and the Next 20th Century (2022), ele continua a se reinventar com relevância e autenticidade. Lembro-me de uma linha da carreira solo de Mike Shinoda, especialmente da música IOU, onde ele diz: “Father like Francis, Anakin or John Misty.” E sim, ele definitivamente merece estar entre os grandes. Agora, ele volta com Mahashmashana (um termo sânscrito que significa “grande local de cremação”), seu mais recente álbum. A pergunta que fica é: como ele irá nos surpreender agora?
A faixa-título, que abre o álbum, é uma verdadeira ousadia. Mais do que uma música, é uma odisseia, uma verdadeira sinfonia. Em seus nove minutos, somos levados por uma montanha-russa de emoções e, acima de tudo, temos a sensação de um momento suspenso no tempo.
A princípio, somos tomados pela admiração, seguidos por uma compreensão de que, se isso é só o começo, o que mais podemos esperar do restante do álbum? Fique tranquilo, a resposta surge logo na faixa seguinte, She Cleans Up, uma mistura perfeita entre o rock dos anos 60 e a escrita afiada dos artistas folk, um gênero com o qual Padre John Misty tem grande afinidade. A canção é cativante, satírica, às vezes assustadora e, dolorosamente, profética (“Claro, a tua política é perfeita com a arma apontada à cabeça”). Ela é densa e, ao mesmo tempo, faz com que a gente queira ouvi-la repetidamente.
O álbum cria uma sequência de atmosferas que permanecem consistentes e relevantes do início ao fim. Em Josh Tillman and the Accidental Dose, uma faixa mais introspectiva, Tillman nos dá pouco espaço para respirar, mergulhando em temas de desilusão, revestidos de cinismo e falta de esperança: “Você pode nunca mais ser inteiro”, ele nos alerta. Mesmo nos momentos mais introspectivos, Mahashmashana mantém uma energia vibrante. Mais adiante, Screamland nos proporciona quase seis minutos de intensa emoção, nos convidando a liberar nossas frustrações internas, sem reservas em relação aos outros.
Neste álbum, Tillman busca um som mais indie, mas como já mencionamos, ele mantém sua habilidade de criar arranjos refinados e minimalistas, sem perder a sua essência. Mental Health, por exemplo, combina violinos suaves com um ritmo envolvente que embala o ouvinte. Há até uma flauta delicada na mistura, criando uma atmosfera tranquila, quase como um bálsamo para o coração. Em Summer’s Gone, o piano simples nos transporta para um mundo mágico e sereno, onde, mesmo diante do fim de algo, um novo capítulo da vida começa. É como estar no barco da Pequena Sereia, enquanto o velho e querido Sébastien toca sua melodia para nós no pântano.
Mahashmashana é, portanto, um álbum que busca ser maior do que a vida, mesmo nos momentos mais suaves e acústicos. É a tentativa de Tillman de dar aos seus versos um suporte musical de altíssima qualidade, acertando em cheio em cada detalhe. Para mim, é um dos álbuns mais emocionalmente satisfatórios do ano. Cada faixa foi criada com tanto fervor, que cada uma consegue levar o ouvinte a uma experiência completa em poucos minutos. No fim, talvez este álbum seja a trilha sonora de um apocalipse, onde a última coisa que ouviríamos seria uma sinfonia de ambição impressionante. E sim, Padre John Misty realmente ocupa seu lugar entre os grandes.