Em Hurry Up Tomorrow, o sexto disco de estúdio de The Weeknd, Abel Tesfaye mira no épico, mas sua ânsia por grandiosidade anuncia sua queda. No projeto, o artista parece determinado a dar novos ares à sua carreira da maneira mais extravagante possível: fama, desventuras e prisão mental são brilhantemente embaladas por sintetizadores hipnóticos, colaborações de peso e uma produção milimetricamente calculada. No entanto, por trás do espetáculo, surge um problema: The Weeknd — que neste álbum encerra as histórias de seu alter ego — não sabe quando parar. O que poderia ser uma despedida gloriosa se perde no compasso, oscilando entre momentos de megalomania, repetição e lamentação incessante. Se comparado aos seus complementares, After Hours (2020) e Dawn FM (2022), Hurry Up Tomorrow soa como uma repetição de seu antecessor e uma versão dissonante de seu irmão mais velho
As primeiras faixas do último capítulo da trilogia são responsáveis por iniciar a grande investida de The Weeknd na epicidade. Wake Me Up, parceria com Justice e produção de The Weeknd, Justice, Mike Dean e Johnny Jewel, traz uma sonoridade já explorada por Abel, com acenos explícitos a Michael Jackson. Embora bem elaborada, a sensação que fica é de repetição: mais uma vez, a fórmula popularizada em After Hours (2020) é reeditada logo na abertura do disco, sem deixar claro o que há de novo a ser explorado em sua nova obra. Em seguida, Cry For Me é uma boa proposta, mas se perde em lamúrias excessivas e contraproducentes. The Weeknd se coloca em posição de vítima, mas, ao insistir nessa narrativa, acaba se tornando incômodo, como se tentasse forçar o ouvinte a sentir pena, ainda que sem justificativa. Em vez de soar genuína, a canção soa cansativa e artificial.
Já I Can’t Fucking Sing é uma interlude funcional, conectando as faixas anteriores a São Paulo, sua parceria com Anitta. Apesar da curta duração de 12 segundos, a faixa desperta a sensação de que, se fosse mais longa, poderia ter trazido Daft Punk de volta para uma colaboração. E então chegamos a São Paulo, que, embora ganhe mais brilho dentro do disco, ainda soa como uma tentativa pouco amadurecida de um artista norte-americano de se aventurar no funk brasileiro. A parte mais autêntica da canção fica, naturalmente, com Anitta, enquanto The Weeknd, por vezes, parece deslocado. Com cinco minutos e dois segundos de duração, a música se perde na repetição, enfraquece seu impacto e revela um experimento que poderia ter sido melhor desenvolvido.
Em meio a altos e baixos, Until We’re Skin and Bones surge como uma interlude que transita entre São Paulo e a majestosa Baptized in Fear. Esta última, por sua vez, faz reverência à Call Out My Name, canção em que The Weeknd equilibra, com maestria, a dor do eu-lírico sem forçar a barra — embora os admiradores de Selena Gomez não concordem com isso. Em Baptized in Fear, a transição para Open Hearts é a mais impressionante de todo o álbum, uma junção muitíssimo bem calculada que flui com perfeição ímpar, o que é digno de Open Hearts, o grande ápice de Hurry Up Tomorrow. Produzida por The Weeknd ao lado de Max Martin e Oskar Holter, a sétima canção do disco tem grande mérito por beber de fonte já conhecida por Abel, mas trazer consigo frescor. A maturidade que exala não só da sonoridade, mas da letra, representa um passo à frente. Ao contrário de faixas como Cry For Me, que insistem em uma dor forjada, Open Hearts é dosada, autêntica e faz com que o ouvinte acredite genuinamente no relato de Tesfaye. Ao entoar “Onde eu começo quando eu abro o meu coração? Nunca é fácil se apaixonar de novo”, The Weeknd não soa mais como alguém que simula vulnerabilidade, mas, sim, como alguém que realmente aprendeu com as feridas do passado e está disposto a se entregar novamente. Essa autenticidade na narrativa é o que torna Open Hearts o grande trunfo de Hurry Up Tomorrow e a música que, embora não resuma o significado da obra, mais conecta o ouvinte.
Embora repleto de momentos inconsistentes, Hurry Up Tomorrow não se perde em sua própria magnitude. A segunda parte do disco, que não alcança a grandiosidade da primeira, não compromete a totalidade da obra, muito pelo contrário. O álbum consegue fazer um excelente trabalho de recapitulação das narrativas que o alter ego de Abel Tesfaye tem construído ao longo da trilogia. Ao se referir a obras passadas, como o Dawn FM, e ainda dialogar com outras produções, o novo disco se mantém fiel a um lugar que ultrapassa a trilogia e faz com que o ouvinte revisite aspectos de toda a trajetória de The Weeknd
Faixas como Reflections Laughing, parceria com Travis Scott e Florence + the Machine, transmitem a sensação de que estamos de volta a um The Weeknd familiar, mas que já não se senta à mesa há, pelo menos, dois discos. Aquele que sempre soube fazer coexistir o luxo, a dor e o vazio. Mas também aquele que, com talento e ousadia, conseguiu cravar como bons anos soariam. Assim como Baptized in Fear resgata o espírito de House of Balloons e My Dear Melancholy, o álbum nos leva a revisitar, sem saudosismo barato, as escritas do personagem que se tornaram marcas registradas de sua discografia — quiçá da cultura pop como um todo. Embora a narrativa do disco flutue entre excessos e melodramas, há certa beleza na forma como se propõe a encerrar a história de um dos alter egos mais bem-sucedidos da música contemporânea, dando passagem ao artista que, durante todo o tempo, se fez presente nos bastidores.
Mesmo com as repetições e vícios que Hurry Up Tomorrow carrega, seu grande trunfo é seu propósito. É um projeto ambicioso, que, ao tentar ser majestoso, falha ao longo do processo, mas que mantém sua autenticidade e mensagem. A tentativa de ser grandioso, de lutar contra os algoritmos e as dificuldades que a indústria impõe, reforça a identidade do álbum. O próprio boicote que The Weeknd sofreu no Grammy, episódio que marcou sua carreira, ecoa neste disco como um lembrete de que, mesmo sendo um dos maiores nomes da música contemporânea, ainda há de encontrar forças para ir além dos limites impostos. A história de uma estrela sendo consumida pela indústria se entrelaça com as denúncias e reflexões sobre a pressão da geração atual, que consome músicas de maneira rápida e com pouco rigor.
Suas falhas o fazem firme. São exemplos de intencionalidade naquilo que se faz.
Niagara Falls, Big Sleep (parceria com Giorgio Moroder) e The Abyss (com Lana Del Rey) evidenciam a grandiosidade da proposta, mesmo nos momentos mais introspectivos ou sensuais do álbum. Hurry Up Tomorrow encerra a narrativa de The Weeknd com força e reafirma Abel Tesfaye como artista, que, apesar dos percalços, permanece fiel à sua visão e ao legado que quer deixar no mundo.
Se há algo que o disco deixa claro, é que esse pode ser o fim de The Weeknd como o conhecemos, mas não de Abel. O personagem que nos seduziu, provocou e expôs suas feridas pela última década pode estar pronto para descansar, mas a mente por trás dele parece ter mais a dizer. O que vem depois? Essa é uma pergunta que Hurry Up Tomorrow não responde, mas insinua. E, talvez, essa seja sua maior conquista: fechar um ciclo, ao mesmo tempo que abre caminho para algo novo.