Bad Bunny — DeBÍ TiRAR MáS FOToS

9.4

Se Charli XCX se entregou à transgressão como moeda de troca para fundar um culto próprio — o brat summer —, Bad Bunny nos puxa pela mão e nos leva até Porto Rico, oferecendo-nos um outro tipo de rito: o retorno. Não um retorno qualquer, mas um convite a contemplar a identidade cultural de um povo que dança, canta, chora e que segue caminhando, ainda que muitas vezes sem pernas.

E ele não pede licença.

Nuevayol, primeira faixa de DeBÍ TiRAR MáS FOToS, é mais que um jogo fonético; é um trocadilho que nasce ao expor feridas. Benito, alter ego de Bad Bunny, nos convida a descer da tão bem quista América do Norte e encarar Porto Rico sem os filtros amarelados que lhe são imputados. Um lugar onde as referências musicais não são pastiches, mas parte de quem canta.

Plan B, Héctor & Tito, salsa. DeBÍ TiRAR MáS FOToS é memória e celebração, como uma festa de família onde todos sabem a letra da música, mesmo que ninguém tenha ensaiado.

Baile Inolvidable, terceira faixa do disco, nos envolve a ponto de fazer o peito vibrar. A salsa ressurge com o peso da nostalgia e a leveza de um presente, que, diante da devassidão, se nega a esmorecer. E é aqui que mora o brilho do sexto álbum de Bad Bunny. Não há dúvida de que é um disco com musicalidade afiada. Não há dúvida que há muitas histórias por trás de cada faixa, sejam elas pessoais ou coletivas. Mas é no convite à renúncia que mora a grandiosidade: renunciar à indústria que, mesmo em 2025, se curva ao imperialismo para então mergulhar na complexidade que é a América Latina.

O ápice do embate apresentado por Benito está em Lo Que Pasó a Hawaii, faixa que deixa de ser música e se torna faca, denúncia aos detratores. O Havaí, historicamente usurpado, serve como cenário para cantar sobre Porto Rico e todos os territórios tropicais que foram e seguem alvo de grandes players. A canção é um lembrete brutal de que identidade cultural não é acessório, mas território em constante disputa. E Benito Antonio Martínez Ocasio está certo de que quer, sim, disputar a narrativa.

Mas há algo ainda mais sofisticado nas denúncias de Bad Bunny. A nostalgia tem sido força motriz para o engajamento, identificação, fidelização. O apelo ao passado não é novo, mas, nos últimos anos, tornou-se onipresente em toda a cultura pop. Afinal, quanto mais memórias compartilhadas, maior a conexão emocional entre público e artista. Embora também lance mão deste trunfo, Bad Bunny o subverte. Ele não nos oferece um passado filtrado e límpido para que consumamos do conforto dos pontos mais quentes de nossos corações. Ele nos atira às raízes em um mix de brutalidade e ternura, como quem diz que não quer que somente dancemos as nossas lembranças, mas que lembremos de onde viemos e para onde vamos — ou para onde nos levam.

E, quando chega La Mudanza, última faixa do disco, a sensação não é de encerramento, mas de continuidade. E é o que Bad Bunny parece quer deixar de mais valioso: enquanto houver quem conte, cante, dance e resista, a caminhada nunca será interrompida.

É o reforço da identidade cultural enquanto tambor que, quanto mais apanha, mais ressoa.

Para garantir que DTMF siga ecoando, confira DtMF’ e CAFé CON RON, que, assim como as faixas citadas, também compõe o panteão do disco.

Bad Bunny — DeBÍ TiRAR MáS FOToS
9.4