Gilberto Gil emociona o Rio de Janeiro com a turnê “Tempo Rei” e show histórico na Farmasi Arena

O tempo é rei — e Gilberto Gil sabe disso como poucos. Em seu terceiro show no Rio de Janeiro pela turnê “Tempo Rei”, fica evidente uma certeza: Gil não apenas faz parte da história do Brasil, mas também da trilha sonora da vida dos brasileiros. Agora, com sua última turnê, ele eterniza esse legado nos palcos do país.

“O Rio de Janeiro continua lindo”, eternizado por Gil em “Aquele Abraço” (1969), é mais que uma frase: é um sentimento coletivo. A cidade está presente em diversos momentos da obra do artista e, por consequência, no imaginário de todo brasileiro. E foi nesse cenário que Gil celebrou, de forma sensorial e imersiva, a entidade mais intrigante da existência: o tempo.

Dividir o mesmo espaço com Gilberto Gil não é algo que se vive todos os dias. Os ingressos para o show na Farmasi Arena se esgotaram num piscar de olhos. Com o carisma de sempre e uma vitalidade admirável, o artista baiano levou o público a uma verdadeira viagem por sua discografia — desde o primeiro disco até os grandes clássicos. Tudo isso embalado por um cenário deslumbrante, jogos de luzes espetaculares e a participação mais que especial de Anitta, coroando a noite com um dueto mágico. Gil ainda fez ecoar a força e a luz do reggae, estilo que ele ajudou a popularizar no Brasil.

Gilberto Gil é, sem dúvida, um ser iluminado. Sua trajetória, que conquistou prêmios e corações ao redor do mundo, agora se despede em grande estilo. A turnê “Tempo Rei” revisita seis décadas de carreira, celebradas não só por ele, mas também pelo povo brasileiro — incluindo pais e mães que levaram seus filhos pequenos para ver de perto esse ícone da cultura nacional. Sim, havia crianças na arena encantadas com a magia do show.

Durante duas horas e meia, Gil celebrou sua obra iniciada em 1962, com um repertório de 29 músicas (fora as citações a outras nove). O foco principal foi o período entre 1965 e 1984 — anos de ouro que marcaram o ápice criativo do artista, justamente impulsionado pelo Rio de Janeiro, onde a turnê chegou após a estreia em Salvador, no dia 15 de março.

Se Marisa Monte e Lulu Santos foram os convidados do primeiro fim de semana, o sábado (05) reservou uma surpresa: Anitta subiu ao palco, cantou um trecho de Funk-se Quem Puder e dividiu com Gil uma emocionante versão de Aquele Abraço.

Um dos momentos mais potentes e emocionantes da noite foi a performance de “Cálice”, composição de Chico Buarque e Gilberto Gil. Antes mesmo da primeira nota soar, um depoimento de Chico foi exibido nos telões, preparando o público para o que viria. As palavras do compositor ganharam ainda mais força quando a cenografia passou a exibir imagens de jornais da época da ditadura militar, com manchetes marcantes, fotografias icônicas e os rostos de grandes defensores da democracia brasileira, como Rubens Paiva e Vladimir Herzog.

Foi impossível conter a emoção: a plateia, tomada por um sentimento de memória e resistência, puxou um grito uníssono e poderoso de “Sem anistia!”, ecoando como um clamor coletivo por justiça e verdade. Gil, firme ao centro do palco, entoou a canção com força e reverência, transformando aquele instante em um dos pontos altos — e mais politicamente carregados — do espetáculo. Foi arte, foi história, foi um chamado à consciência.

Entre os destaques do repertório está a fase “roqueira” de Gil, com músicas como Punk da Periferia, Extra II – O Rock do Segurança e a irresistível Realce, que incendiaram a arena. Mas nada ofuscou o brilho do show — seja pela voz firme e encorpada de Gil, seja pela direção musical afiada de Bem Gil, que respeita a história do pai e traz sutis inovações aos arranjos. A super banda que o acompanha é um espetáculo à parte, com nomes como Marlon Sette (trombone), Mestrinho (acordeon), Leonardo Reis e Gustavo Di Dalva (percussão), entre outros músicos talentosos.

Vale lembrar que quem assistiu à turnê “Nós, a Gente”, em 2022, pôde ver Gilberto Gil ao lado de sua família no palco. Agora, eles retornam juntos nessa despedida afetuosa e intimista, que emociona e convida à reflexão. Sair do show é como deixar uma conversa profunda, leve e transformadora com um velho amigo.

A direção musical é assinada por Bem Gil e José Gil. A banda conta com Bem (guitarra), José (bateria), João Gil (baixo), Nara Gil e Mariá Pinkusfeld (vozes), além de um quarteto de cordas e músicos como Diogo Gomes e Thiago Oliveira (sopros), Danilo Andrade (teclado) e o já citado time de percussão.

A turnê também se destaca visualmente, com cenografia marcante e efeitos visuais dirigidos por Rafael Dragaud. O palco remete às fitas do Senhor do Bonfim, numa homenagem à Bahia que nunca sai do coração de Gil. A beleza das imagens, combinada à força do som, cria um espetáculo inesquecível.

Aos 82 anos, Gilberto Gil segue driblando o tempo com um sorriso no rosto e um cesto cheio de alegrias. A turnê “Tempo Rei” é mais que uma despedida: é um presente. Um espetáculo que embaralha as cartas de sua própria história e transforma cada canção em memória viva. Um marco que o Brasil — e o mundo — vão guardar no coração para sempre.