Conversar com Garrett Russell, vocalista do Silent Planet, é como sentar com um amigo em meio ao fim do mundo. Há intensidade, sim. Mas também há empatia, pausa e escuta. Garrett não é só a voz por trás de uma das bandas mais emocionais do metalcore moderno — é um contador de histórias que transforma dor em conexão. Suas palavras carregam a urgência de quem viveu muito, pensou demais e ainda assim acredita que existe redenção possível através da arte. Quando fala, seu olhar mistura serenidade e convicção, como quem já esteve no fundo do poço e aprendeu a plantar flores lá.
Antes de viver da música, Garrett estudava psicologia e sonhava em ser terapeuta. Hoje, esse passado acadêmico não só permanece vivo, como molda sua forma de compor: letras que abordam saúde mental com uma profundidade rara dentro do gênero. “Mesmo eu não tendo me tornado um terapeuta, não significa que eu não deveria ter aprendido essas coisas”, diz. O conhecimento adquirido nos anos de estudo se transforma em pontes com o público, especialmente aqueles que enfrentam suas próprias batalhas emocionais. Sua formação é explorada também na matéria anterior da Moodgate: SUPERBLOOM e a explosão de consciência do Silent Planet.
Durante a entrevista, uma das perguntas mais tocantes foi sobre como essas influências acadêmicas e literárias moldam a maneira como ele trata temas como saúde mental. A resposta veio carregada de humanidade: a dor e a cura caminham juntas na composição. Garrett compartilha que escrever é uma forma de integrar o conhecimento com a experiência — e isso fica evidente na conexão intensa que ele mantém com os fãs. Um dos momentos mais marcantes da conversa surgiu quando ele relembrou um encontro com um fã, em 2015, após um show. O garoto compartilhou sua experiência com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), e aquelas palavras ficaram ecoando dentro de Garrett por meses. “Aquilo me atravessou. Fiquei com aquilo dentro de mim. Eu precisava colocar pra fora de algum jeito.” Um ano depois, a história virou música. Nasceu “Panic Room” — um dos hinos mais intensos e emocionais da banda. “In my endless dance with entropy / I must rescind my sentience, the sickness that I know.” Na tradução: “Na minha dança sem fim com a entropia / Devo abrir mão da minha consciência, essa doença que conheço.” É cru. É honesto. E, acima de tudo, é real.
“Acho tão importante integrar a vida à arte. As histórias das pessoas são parte do que escrevemos”, afirma. Essa escuta ativa reverbera nos vocais intensos e nas letras que tratam a vulnerabilidade com coragem — algo ainda raro dentro de um gênero historicamente marcado por posturas duras.
Ao ser questionado sobre o título do novo álbum, SUPERBLOOM — que evoca um fenômeno natural de florescimento em meio a terrenos áridos — Garrett explicou que esse simbolismo traduz bem o que a banda viveu nos últimos anos. “Passamos por muitas coisas. Momentos difíceis, perdas, questionamentos. Mas tudo isso serviu como solo fértil para esse disco florescer.” Há uma renovação implícita no álbum, tanto sonora quanto existencial. E essa ideia de florescer mesmo em meio ao caos é, para ele, a essência da espiritualidade.
A espiritualidade é outra camada essencial no universo lírico do Silent Planet. Mas ao contrário do que muitos esperam, ela surge sem dogmas, sem imposições. Garrett compartilha uma visão aberta e acolhedora da fé, onde o mistério é bem-vindo e o desconhecido é belo. “Acredito fortemente que nossa vida tem propósito. Que não somos um acidente, que viemos de algo cheio de amor”, afirma. Ele também revela sua curiosidade por fenômenos inexplicáveis — como a possibilidade de vida fora da Terra — não como fuga da realidade, mas como sinal de humildade diante do universo. “Esses mistérios reforçam minha espiritualidade. O desconhecido também é uma forma de beleza.” Para ele, fé não está restrita à religião institucional. Está nas trocas humanas, na empatia, na escuta e no acolhimento.
Quando o assunto é composição, Garrett descreve o processo como uma verdadeira alquimia. Uma fusão entre experiências pessoais, referências literárias e riffs pesados, resultando em algo maior que a soma das partes. “Sou meio tradicional”, confessa. “Gosto de escrever junto com a banda, de pensar nas músicas como construções coletivas.” Essa abertura criativa também se estende fora do Silent Planet. A recente colaboração com o Invent Animate, por exemplo, rendeu uma faixa catártica onde os universos sonoros das duas bandas se fundem com naturalidade. “É inspirador trabalhar com artistas que compartilham da mesma visão emocional e estética. Traz uma nova energia pra gente.” Para ele, colaboração é sinônimo de autenticidade: “Se você quer soar como uma banda de verdade, precisa ter várias vozes participando do processo.”
Essa multiplicidade de vozes, somada à bagagem intelectual de Garrett, transforma o Silent Planet em algo raro. As músicas carregam densidade. As letras, muitas vezes, soam como fragmentos de tratados filosóficos ou ensaios existencialistas. Cada breakdown tem um subtexto. Cada grito, uma tese. Garrett lê compulsivamente, e essa prática se infiltra em sua arte com naturalidade, sem soar pedante. O resultado é um metalcore que pensa, que questiona, que sente — e que escapa da fórmula fácil. Em tempos onde até a arte parece ceder aos algoritmos, a banda se firma como um ponto fora da curva.
Ao final da conversa, perguntamos o que os fãs brasileiros podem esperar da nova turnê. Garrett se ilumina ao falar do Brasil. Ele diz estar super animado por estar prestes a visitar o país pela primeira vez, e revela que o show terá mais de uma hora de duração — com direito a uma surpresa especial para os fãs brasileiros.
Em tempos de incerteza, onde até a arte às vezes parece perdida entre algoritmos, ouvir isso de alguém que grita com o coração aberto é mais do que inspirador – é um lembrete de que o peso não está só no som, mas no significado.
Ao final da conversa, fica impossível não sentir o impacto que Garrett e o Silent Planet causam não só no cenário musical, mas também na vida de quem os escuta. Suas músicas não são apenas válvulas de escape para dores internas — são pontes entre histórias, vozes e mundos que muitas vezes sofrem em silêncio.
Em um mundo marcado por ruídos e desconexão, a banda oferece um espaço seguro para criar uma comunidade onde se pode sentir, pensar e, principalmente, ser. Com composições que caminham entre o colapso e a esperança, entre o grito e o acolhimento, Garrett Russell, com sua honestidade e profundidade, é o arquiteto desse abrigo.