Talvez a figura visual ainda precise de introdução, mas a música de Hozier dispensa apresentações. Prestes a desembarcar no Brasil para duas datas da Unreal Unearth Tour após ótimo show no Lollapalooza Brasil de 2024, o irlandês tornou parte de suas grandes canções em fenômenos da internet, mas ainda mantém suas raízes na friagem e na ternura de uma espécie de blues folk comercial.
Numa mistura homogênea entre R&B, indie rock, folk, blues e pop, o som que torna o cantor tão querido de norte a sul do globo é de fácil identificação.
Conhecido por performances intensas e recheadas de sentimentos, nos últimos anos Hozier tem sido acompanhado ao vivo por uma ótima banda. Os músicos o ajudam nas harmonias e melodias, além de trazerem mais segurança para o irlandês performar com tranquilidade. E seu talento é tão natural que a performance torna-se quase hipnótica. O grave poderoso e a presença de palco cativante do cantor de 1,98 transportam o público para uma experiência que por vezes soa quase transcendental.
Seu show no Lollapalooza 2024, entre o fim de tarde chuvoso e o início da noite fria, foi muito elogiado. A habilidade técnica e o carisma sutil são fáceis conectores. Além disso, a nova turnê – que o traz ao Brasil para dois shows – divulga um dos melhores discos de sua carreira, Unreal Unearth, de 2024.
O impacto de Take Me to Church e Too Sweet
Ok, mas… o termo indie, antes assimilado a “artistas independentes”, ganhou parcialmente outro significado nos últimos tempos. O rock alternativo anos 2000, pautado em referências que caminham de Strokes e Arctic Monkeys a Fontaines D.C. e Bon Iver se tornou mais abrangente. Como, então, um irlandês misterioso, com falsa pose blasé, conseguiu transformar-se em um ícone pop, mesmo estando distante dos maiores holofotes das premiações e não se envolvendo em pautas polêmicas? Sua própria verdade.
O hit Take Me to Church, lançado em 2013, por exemplo, tornou-se um hino global, abordando questões de amor e crítica à intolerância religiosa. O videoclipe, que retrata um romance homossexual e sua perseguição, viralizou e ampliou a visibilidade de Hozier, o consolidando como uma voz de resistência e reflexão – ainda que indiretamente. Seu vídeo no metrô de Nova Iorque, cantando a canção com o timbre grave estrondoso que ecoava pelos vagões e plataformas, conquistou mais de 60 milhões de views. A faixa possui cerca de 2 bilhões de streams no Spotify.
Como se não fosse o bastante, um pouco mais 10 anos depois, Too Sweet alcançou o topo das paradas em diversos países, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido. A canção ganhou destaque no TikTok, onde usuários criaram conteúdos que destacavam sua melodia envolvente e letra, mostrando como as plataformas digitais podem impulsionar o sucesso de músicas contemporâneas, mesmo com as formas de consumo mudando de forma volátil com o passar dos anos.
O novo disco, que aborda temas que vão das relações interpessoais ao existencialismo, ganha força quando o irlandês fala sobre suas emoções de forma enérgica e visceral. Hozier parece criar canções como se fossem trilhas sonoras das quentes paixões da vida adulta. Talvez, inclusive, no auge de sua particularidade, ele seja um romântico desenfreado, ainda que negue.
A lealdade à própria arte
O estilo musical do irlandês é uma fusão quase magistral de diversos estilos palatáveis no Velho Continente. Em Unreal Unearth, ele transita do folk melancólico de De Selby Part 1 ao funk soul de De Selby Part 2, além de explorar baladas introspectivas semi acústicas como Butchered Tongue e a energia de banda de arena como na melhor faixa, Eat Your Young.
Essa diversidade sonora é resultado de colaborações com artistas e produtores de muita bagagem, mas também de sua própria evolução artística, que busca constantemente inovar sem perder a essência que o tornou querido mundo afora.
Quando o sucesso bate à porta, é impossível não deixá-lo entrar. Tarefa tão difícil quanto, no entanto, é permanecer com os mesmos objetivos e bagagem sonora, ainda mais quando comercialmente você parece ter descoberto a sua fórmula. O resultado, produto e excelência numérica de Hozier são evidentes (e muitos), mas a faceta de seu conteúdo artístico que realmente acerta é a de permanecer fiel às próprias referências.
Dentro do estúdio ou em cima do palco, o irlandês não parece criar suas obras pensando no sucesso e, além da quase sempre e aparente boa forma musical, ele permanece deixando o protagonismo para o que mais cativa: sua própria verdade.