Com um novo álbum que soa como o mais maduro e ousado da carreira, o Terno Rei chega com Nenhuma Estrela, um trabalho em que o íntimo e o experimental se entrelaçam em uma sonoridade que vai do eletrônico ao pós-punk. O disco ainda percorre referências nacionais e internacionais, contando com participações especiais, como a do lendário Lô Borges.
Com 15 anos de carreira, a banda está em seu momento mais sólido. O álbum Nenhuma Estrela, considerado um “clássico imediato”, dá início a uma nova turnê que já passou pelo Lollapalooza Brasil e Festival Coolritiba, e que em maio chega ao Festival Popload. A turnê seguirá por várias cidades do país, com destaque para o show que acontece em junho no Circo Voador, no Rio de Janeiro.
Para entender os bastidores desse processo criativo e a evolução da banda, conversamos com Ale Sater, vocalista e compositor, que revelou detalhes sobre as inspirações, desafios e novidades que marcam esse momento da trajetória do Terno Rei.

Joel (Moodgate): Nenhuma Estrela parece ser o álbum mais maduro da carreira de vocês. Em que momento durante o processo vocês perceberam que estavam criando algo tão intimista e, ao mesmo tempo, ousado?
Ale Sater: Essa foi um pouco da intenção. Antes mesmo de fazermos as músicas, a gente já matutava sobre isso. Em relação ao processo criativo, duas coisas mudaram: a gente tentou terminar as músicas só entre nós, como banda, sem envolver a produção, sabe? A ideia era ter uma versão da banda, mas tivemos algumas exceções, como Viver de Amor, Próxima Parada e Tempo, que surgiram quase no fim do processo. E no caso de Tempo, é uma música eletrônica feita no computador.
A segunda mudança foi em relação ao tempo e ao aprimoramento de cada um. Eu gravei muita coisa em casa dessa vez, aprendi novas técnicas e novos instrumentos, e isso trouxe frescor e inovação (ao álbum). Um exemplo disso é Próxima Parada, que tem um super sample de MPC de bateria, algo que nunca tínhamos feito antes. Então, como todo mundo foi buscando coisas novas, acabamos trazendo inovações para o processo.
Joel (Moodgate): A abertura com Peito e o encerramento com Acordo criam um arco emocional muito claro. Quando vocês estão montando o disco, já pensam nessa “viagem” para o ouvinte?
Ale Sater: A gente tem a clareza de que, em algum momento, precisamos pensar em uma ordem que faça sentido e que seja boa de ouvir. Que a ordem beneficie a audição das músicas. Como eu ouvi muitas vezes o disco, às vezes eu ouvia da (faixa) 1 à 13, às vezes ouvia da 6 até a 13, depois da 1 até a 5, e eu percebi que essa ordem era boa porque qualquer ordem que você comece o disco, terminar a música anterior já funcionava. Eu acho isso bem legal e que deu certo.
E eu já percebi isso que você trouxe de Peito e Acordo, elas têm uma cara de início e fim de disco, no caso desse disco. Mas não, a gente não pensa nisso antes de fazer as músicas, mas assim que a gente tem tudo pronto, eu acho que é um dos exercícios mais legais de fazer, além de dar nome para as músicas e escolher uma ordem que conte uma história e tudo mais.
Joel (Moodgate): Quando a gente escuta as músicas de um álbum, sempre vem imaginações na mente, e uma delas é se alguma música vem de uma vivência pessoal muito específica, um acontecimento marcante. Alguma dessas questões serviu de inspiração para alguma composição?
Ale Sater: Tem uma miscelânea de coisas, tem músicas que são 100% confessionais e verdadeiras. Uma música que tem uma letra forte é 32, é uma música 100% verdadeira de coisas que vivi, e acabei escrevendo e usando ela para dar fim a essas coisas. Mas tem músicas que são feitas na transpiração, então são misturas de coisas que vivi, que outras pessoas viveram ou que eu vi em algum filme, sabe? E tem músicas que misturam realidades, que é uma mistura dos dois. Tem um pouco de tudo, nem sempre uma música conta só uma história, às vezes tem algumas histórias ali.

Sobre sonoridades e referências
Joel (Moodgate): O álbum tem ecos ainda mais fortes dos anos 1980 e 1990, além de flertes com a MPB e o emo. Alguma influência ou artista específico inspirou vocês dessa vez?
Ale Sater: Cara, eu acho que esse disco tem uma grande variedade de artistas que a gente gosta há muito tempo. Então, tem uma música que se parece com In Rainbows do Radiohead, que é uma influência master para a gente. 32 é uma canção que se parece muito com the Smashing Pumpkins, na minha opinião, que mistura uma base forte de violão e baixo com violinos, né? E tem uma melodia bonita de voz. Tem músicas que se parecem com aquela onda New Wave/Pós-Punk, como The Cure e The Smiths, que a gente gosta muito. Tem músicas que se parecem com Goo Goo Dolls, e também com o Clube da Esquina, do Brasil, que temos até a participação do Lô Borges (Relógio). E também acho que a música Coração Partido tem um pezinho no emo sim, em coisas que a gente ouviu a vida toda como Sunny Day Real Estate, uma banda que a gente gosta bastante. Tem também o American Football, que está pintado ali de alguma forma. Mas o álbum não tem só uma faceta de referências, tem algumas.
Joel (Moodgate): A faixa Relógio tem a participação do Lô Borges, uma figura histórica da música brasileira. Como foi o convite e o processo de construir essa música juntos?
Ale Sater: Foi um processo bem leve, bem satisfatório, não teve muita novela, sabe? Porque é uma coisa que pode acontecer por conta das duas agendas. A gente estava com um prazo apertado, mas pô, a gente mandou a música para ele e ele já pirou, e no outro dia gravou e em seguida já mixamos e em poucos dias nos conhecemos, porque a gravação foi a distância. Mas a gente se deu bem, além de ser uma honra grande estar com um cara desse tamanho no nosso disco. Foi uma coisa muito prazerosa de se fazer. É muito bom quando as coisas são espontâneas, e a música cabia muito na voz dele, fazia muito sentido ele estar nessa faixa e que bom que deu certo.
Joel (Moodgate): Existe uma possibilidade de rolar isso ao vivo?
Ale Sater: Acho que sim, né? Por nós, com certeza, mas claro que tem a agenda dele e nem sempre é simples conciliar as coisas. Mas eu acho que pelo menos uma vez pode acontecer. Acredito que cedo ou tarde vai rolar.
Sobre as letras e sentimentos
Joel (Moodgate): Em várias faixas, como Casa Vazia e Viver de Amor, a sensação é de um mergulho nas emoções mais silenciosas. Vocês escrevem pensando em histórias pessoais ou preferem criar personagens, climas e imagens?
Ale Sater: Casa Vazia vale a pena contar uma coisa interessante. É uma música mais pretensiosa e, na real, a letra que fiz é sobre o meu cachorro. A letra é sobre o cachorro sozinho em casa e esperando os donos chegarem, que é um sentimento que eu tenho como dono. Às vezes eu fico muito tempo longe de casa, fico aflito pensando no cachorro e falo “meu cachorro está lá e faz 8 horas que ele está sozinho”. Esse sentimento sempre volta quando eu viajo bastante, fico muito pensando no cachorro, e toda essa aflição que dá me fez escrever essa letra. Então, basicamente, a ideia dela é “dessa casa vazia sou protetor, isso é tudo que eu tenho para dar”, e essa noção de que ele está esperando eu chegar. É uma música que é diferente, está dentro do meu meio, mas não é sobre mim, mas sobre meu cachorro.
Mas, em geral, é muito mais sobre histórias minhas ou próximas. Aconteceu poucas vezes de eu criar um universo de uma pessoa que eu não conheço ou de uma situação 100% fictícia, e até acho muito louco compositores que conseguem fazer isso, né? No Brasil, tem vários que fazem isso muito bem, mas pessoalmente fiz poucas vezes. Eu faço, basicamente, histórias que eu vi e, principalmente, que vivi.
Joel (Moodgate): Muitas músicas de vocês tocam no tema da maturidade, da passagem do tempo. Como esses temas foram se transformando para vocês ao longo da carreira?
Ale Sater: Até vi um meme esses dias no X (Twitter) que era tipo: “quando era bebê eu ouvia Criança”, e tinha foto de Criança, do nosso segundo disco. “E hoje sou adulto e escuto 32”, acho que isso responde um pouco da sua pergunta.
http://pic.twitter.com/30Mey6FTEX
— Terno Rei Trechos ᝐ (@ternoreitrechos ) April 26, 2025
Ale Sater: Mas eu acho que é de forma natural, segue as palavras e ideias, e os sentimentos vão se tornando mais maduros e sempre falando desse tema. Antes, por exemplo, no caso de Criança, eu estava falando muito de uma situação de nostalgia, de lembrar de quando você era criança e agora não é mais. Já em 32 é uma coisa mais olhando para frente, um pouco menos de nostalgia e mais de maturidade mesmo. É difícil, não tem muito uma regra, mas de fato é uma coisa que sempre pinta como tema de letra, e especialmente nesse disco (Nenhuma Estrela), a gente sempre falou desse tema entre nós. Por mais que eu sempre escreva as letras, os moleques sempre traziam isso, e convivendo com eles eu senti isso. O lance do tempo pegando, você ficando menos deslumbrado… tem menos coisas que te surpreendem. Você fica mais mortal, porque dos 20 aos 30 anos a sensação é de muita vida, de muita imortalidade, mas depois isso vai mudando aos poucos, e eu acho que eu falo bastante disso nesse novo álbum.
Sobre o momento da banda
Joel (Moodgate): O Terno Rei parece conversar muito bem com a fase adulta de quem acompanhava vocês desde os primeiros discos. Vocês sentem essa troca diferente com o público hoje?
Ale Sater: Cara, eu sinto. Eu acho isso muito legal. É óbvio que mesmo eu, como fã de bandas, sei que tem hora que as pessoas “desbaratinam”, né? Mesmo com bandas que eu sou muito fã, ou que hoje não sou tão fã mais, não fico comentando ou ouvindo o disco no primeiro dia que sai. Mas tem esse movimento de pessoas que cresceram com as músicas, isso é algo muito bonito de ter, uma sorte grande de poder ver essas coisas rolando. Quero ver mais, fazer mais discos, e tem até bastante gente que ouve que tem a minha idade, então é exatamente o que vivi, é bem legal.
Joel (Moodgate): Depois de Nenhuma Estrela, o que vocês ainda querem experimentar musicalmente, sem perder essa identidade que marca tanto a banda?
Ale Sater: Ah, como banda a gente tinha algumas frustrações do que a gente não tinha feito, mas que fizemos nesse álbum. Mas tem algumas coisas ainda, talvez voltar a gravar alguma coisa lo-fi, mas que soe muito bem, porque tem lo-fi e lo-fi’s, né? Ou alguma coisa ao vivo que soe muito bem, o que eu acho algo muito arriscado, mas pode ser interessante porque quando uma gravação ao vivo soa bem, ela soa melhor que todas, né? Ao vivo você pega as imprecisões e acaba sendo uma coisa que enjoa menos do que aquela coisa paulatina da gravação digital e editada. Eu acho que é uma vontade. Também tem uma coisa que é um detalhe, mas eu acho muito legal os interlúdios, ter uma música instrumental, voltar a fazer uma música ou outra em instrumental seria uma coisa legal.
Eu, pessoalmente, tenho gostado muito de um estilo que é o soft pop. São os artistas mais tiozões: Simply Red, Everything But the Girl, Seal… são artistas que eu gosto muito e eu queria fazer mais coisas nessa onda assim, sabe? Numa onda meio roupa social, vamos dizer assim. É um tipo de música que eu estou gostando muito e queria beber mais disso com umas harmonias mais difíceis e tal. Tem coisas que falei como banda e tem coisas que falo como eu mesmo, como imagino.

Joel (Moodgate): Se Nenhuma Estrela fosse uma cena de filme, como vocês imaginariam essa cena?
Ale Sater: Pior que tem um filme que falamos muito ao longo da gravação que é o filme Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive). É um filme um pouquinho enigmático e misterioso, mas ao mesmo tempo é divertido. Ele é escuro, mas tem pontos de cores que te faz se entreter com ele. Ao mesmo tempo, ele é denso, não é 100% leve. Então, eu pensaria em uma cena assim, como se fosse densa, que tivesse profundidade, mas que, ao mesmo tempo, fosse divertida de assistir, e eu acho que esse filme é um bom exemplo.
Joel (Moodgate): Qual música do novo álbum vocês acham que melhor representa quem o Terno Rei é hoje?
Ale Sater: Eu acho que Relógio. É uma música sofisticada, tem uma estrutura diferente, que não se repete. Você tem uma introdução, um verso, um b, um c, um refrão e um d. Eu acho muito legal isso nela, você sente que é uma música inteira, não é uma “salada de brisa”, né? Ela é uma coisa só. A execução está legal, a voz do Lô Borges ficou muito legal, e tem esse lado melancólico que a gente sempre teve, acho que ela representa bem o momento.
Joel (Moodgate): Se pudessem mandar uma carta para a sua versão que estava lançando o primeiro disco, o que escreveriam?
Ale Sater: Eu acho que hoje eu tenho sorte de tudo que rolou, de poder continuar tocando, fazendo álbuns, ter desafios e poder me desenvolver. Então, eu falaria para esse cara curtir cada momento, curtir bastante, valorizar cada momento e ser grato às coisas, conhecer as pessoas que passam pelo caminho, curtir cada passo sem muita “noia”, levar as coisas sérias de forma leve e tocar o barco.
Leia a nossa review do álbum Nenhuma Estrela do Terno Rei.