No dia 14 de junho, o lendário showman Alice Cooper (persona de Vincent Damon Furnier) estará de volta ao Brasil, para realizar um show único, no penúltimo dia do Best of Blues and Rock 2025– festival que está acontecendo no Parque Ibirapuera, em São Paulo, desde o final de semana passado. O cantor americano está escalado como a atração principal de uma noite que também contará com performances de Marcão Britto & Thiago Castanho (os dois membros-fundadores remanescentes do Charlie Brown Jr.), Larissa Liveir e Black Pantera.
Alice Cooper é reconhecido por pessoas do mundo inteiro, não apenas por possuir uma discografia autoral repleta de clássicos do rock (a exemplo de School’s Out, Poison, No More Mr. Nice Guy, I’m Eighteen e Feed My Frankenstein), mas também por ter sido um dos pioneiros na arte de incorporar elementos teatrais extravagantes aos shows de música – tanto que artistas/grupos como Kiss, David Bowie, Lady Gaga, Slipknot, Iron Maiden, Ghost, Secos & Molhados, Rob Zombie, King Diamond e Rammstein nunca esconderam a grande influência performática que Cooper exerceu neles. Porém, aqui dentro do Brasil, o cantor americano também costuma ser lembrado por um terceiro motivo: em março de 1974, ele veio para cá durante a turnê Billion Dollar Babies e inseriu definitivamente o nosso país no mapa dos shows estrangeiros.

É vero que, antes de 1974, o Brasil já havia recebido apresentações de outros três gigantes da música internacional: em abril de 1958, a vinda de Bill Haley & His Comets repercutiu muito na mídia brasileira e resultou em mais de 10 shows lotados em teatros e ginásios de São Paulo, Sorocaba, Santos e Rio de Janeiro, mas, apesar desse sucesso, o contexto político extremamente conturbado da Ditadura Militar fez com que o nosso país só voltasse a receber músicos estrangeiros famosos em setembro de 1971 – quando Santana esteve no Rio de Janeiro, para realizar dois shows, no Theatro Municipal e no Maracanãzinho, respectivamente. Naquela época, Santana ainda seguia uma linha sonora pouco comercial, mas as duas primeiras apresentações dele no Brasil foram assistidas por um público considerável e resultaram em uma leve reabertura do mercado – tanto que, em 1973, o guitarrista mexicano retornou ao nosso país para fazer quatro shows distribuídos em quatro cidades brasileiras diferentes e, no mesmo ano, James Brown cantou no Theatro Municipal de São Paulo e no Canecão, do Rio de Janeiro. Porém, nenhuma dessas vindas obteve uma resposta de público tão avassaladora quanto a estreia de Alice Cooper no Brasil.
Em 1974, Alice Cooper já havia se estabelecido como um dos maiores nomes do hard rock mundial: as suas músicas enérgicas, o seu visual excêntrico e as suas performances inovadoramente teatrais chamavam muito a atenção de qualquer um e, consequentemente, despertavam a curiosidade de milhares de jovens. Por isso, quando foi anunciado que o cantor americano viria ao Brasil pela primeira vez, para três shows em São Paulo e dois no Rio de Janeiro, a procura da população por ingressos foi ainda mais intensa que o esperado pelos contratantes dessa mini-excursão e, então, a ganância acabou falando mais alto que a ética: a fim de lucrar o máximo possível, os organizadores disponibilizaram bem mais ingressos do que as casas de show que haviam sido alugadas comportavam.

O show de estreia aconteceu no dia 30 de março de 1974 e foi o que mais atraiu público, pois contava com ingressos bem mais baratos que os disponibilizados para as outras quatro apresentações da turnê. Embora a capacidade máxima recomendada para o Pavilhão de Exposições do Anhembi fosse de 40 mil pessoas, estima-se que mais de 158 mil roqueiros aglomeraram-se dentro desse local, para assistir ao primeiro show de Alice Cooper no Brasil. Obviamente, a superlotação foi caótica: muitas pessoas se machucaram com os empurra-empurras na platéia e algumas chegaram a invadir o palco, com o objetivo de assistir a apresentação ali de cima e escapar do aperto (o que motivou o cantor a interromper a sua performance durante meia hora, até os fãs retornarem aos seus respectivos lugares). Porém, por um verdadeiro milagre, ninguém da plateia morreu e o show foi simplesmente antológico: além de cantar sucessos como I’m Eighteen, Billion Dollar Babies, I Love The Dead e School’s Out, Alice Cooper também promoveu um verdadeiro espetáculo teatral, com direito a encenações realizadas com manequins, pessoas fantasiadas, uma britadeira, uma cobra viva e uma guilhotina cenográfica.
Vale lembrar que, um dia antes desse show, Alice Cooper foi obrigado a apresentar o seu espetáculo completo para alguns censores da Ditadura Militar Brasileira. Ao fim da exibição ocorrida no palco do próprio Pavilhão de Exposições do Anhembi, os militares exigiram que o cantor não fizesse manifestações políticas nos intervalos entre as músicas e, por algum motivo, vetaram momentos do show onde ele exibiria a bandeira dos Estados Unidos e a bandeira do Brasil…mas o restante do cronograma foi permitido.
Os quatro shows seguintes da excursão aconteceram em locais menores: nos dias 01 e 03 de abril, Alice Cooper cantou no Palácio de Convenções do Anhembi e, nos dias 05 e 06 de abril, ele se apresentou no Canecão e no Maracanãzinho, respectivamente. Todas essas casas ficaram cheias, mas quem compareceu em alguma dessas quatro apresentações não sofreu com problemas de superlotação tão intensos quanto os ocorridos no dia 30 de março – isso porque os ingressos para esses quatro shows estavam bem mais caros e os organizadores da turnê decidiram limitar melhor a venda de entradas, para que a caótica (e perigosa) superlotação do show de estreia não se repetisse.

O cronograma que Alice Cooper seguiu nessas quatro apresentações subsequentes foi exatamente o mesmo que foi executado no Palácio de Exposições do Anhembi – as performances teatrais foram as mesmas e as músicas cantadas continuaram sendo Hello Horray, Billion Dollar Babies, Elected, I’m Eighteen, Big Apple Dreamin’ (Hippo), Muscle of Love, Hard Hearted Alice, My Stars, Unfinished Sweet, Sick Things, Dead Babies, I Love The Dead, School’s Out e Working Up a Sweat, nessa exata ordem. Além disso, todos os cinco shows desta primeira vinda de Alice Cooper ao Brasil contaram com a abertura d’o Som Nosso de Cada Dia – grupo paulista de rock progressivo que havia acabado de lançar o seu icônico álbum de estreia Snegs (1974).
Em suma, apesar das intervenções da Ditadura Militar vigente no país e dos vários defeitos na organização do show de estreia, o saldo final da primeira vinda de Alice Cooper ao Brasil foi extremamente positivo. O engajamento fenomenal do público em relação às cinco apresentações acabou sendo o ‘’sinal verde’’ que faltava para que os organizadores de eventos começassem a investir mais em espetáculos de artistas estrangeiros em solo brasileiro – e, por incrível que pareça, o caótico show de estreia ocorrido no Pavilhão de Exposições no Anhembi foi, justamente, o maior ‘’cartão postal’’ utilizado para ilustrar o sucesso dessa passagem de Alice Cooper pelo nosso país: para os investidores nesse mercado, a superlotação absurda de tal evento demonstrou o quanto os brasileiros estavam sedentos por shows do tipo.
Os únicos registros de vídeo conhecidos da estreia de Alice Cooper no Brasil:
Assim, o Brasil começou a receber turnês internacionais mais frequentemente: naquele mesmo ano, aconteceram sete apresentações do The Jackson 5 por aqui e, nos anos seguintes, vieram shows de nomes como Rick Wakeman (1975), Bill Haley & His Comets (1975), Genesis (1977), James Brown (1978), Chick Corea (1978), Etta James (1978), Frank Sinatra (1980), Earth Wind & Fire (1980), B.B King (1980), Peter Tosh (1980), Queen (1981), The Police (1982), Peter Frampton (1982), Julio Iglesias (1982), Kiss (1983), Van Halen (1983) e Andy Gibb (1984), antes mesmo da realização do primeiro Rock in Rio – festival que aconteceu em 1985 e impulsionou ainda mais o mercado de shows internacionais no nosso país (assim como a retomada da Democracia também fez, naquele mesmo ano).
Alice Cooper, por sua vez, acabou sendo contratado para retornar ao Brasil em 1995, 2000, 2007, 2011, 2015, 2017 e, agora, em 2025. No Best of Blues and Rock, ele apresentará o espetáculo da turnê Too Close for Comfort, ao lado de músicos de apoio matadores como Nita Strauss (Guitarrista), Glen Sobel (Baterista) e Tommy Henriksen (Guitarrista).
Todos os sete retornos de Alice Cooper ao Brasil merecem ser contados detalhadamente, um por um, em uma matéria especial. Porém, isso é pauta para um guia que nós ainda escreveremos…