FKA Twigs – CAPRISONGS
Nas últimas palavras cantadas por FKA Twigs em MAGDALENE, a artista britânica revela sentir que, à espreita, ”eles” estavam esperando e torcendo para que ela não fosse o bastante. Embora identidade de seus perpetradores permaneça recôndita nas camadas abstratas da composição, é impossível não perceber que, ao longo do disco, incontáveis são as referências a ”olhos”. A primeira faixa, thousand eyes, opera como uma confissão desoladora de que, após o término de um relacionamento muito marcado pelo escrutínio público, ela se sentiria solitária; não livre, mas solitária.
MAGDALENE é um ensaio sonoro sobre corações partidos, a doença, depressão e a angústia, tudo sob texturas vocais eletrizantes e escolhas experimentais de produção que tornam o disco um dos mais memoráveis de 2019, seu ano de lançamento. Trata, em grande parte, do relacionamento entre Twigs e Robert Pattinson, mas acima disso, relata a experiência dolorosa da artista em ver-se vítima de intenso exame popular. Durante todo o relacionamento, Twigs foi alvo dos mais diversos ataques racistas pela internet e na colossal maioria das vezes em que seu nome aparecia em tablóides ou publicações, havia a tendência de eclipsar seu trabalho musical para restringi-la à posição de cônjuge de uma estrela do cinema.
Sair de MAGDALENE — um disco de art pop tão emocionalmente denso, vulnerável e confessional — para uma mixtape carregada de faixas dançantes que navegam entre o trap, o reggaeton, o dance pop e r&b não é uma tarefa simples. Os quarenta e oito minutos de duração de CAPRISONGS, lançada em janeiro, são capazes de convencer qualquer um da dimensão extraordinária do perfeccionismo legitimamente capricorniano de FKA Twigs e seus colaboradores.
Ainda existem vestígios de seu antecessor: a introdução falada da elegante meta angel remonta um diálogo entre a cantora e seus colegas, em que ela confessa que, apesar de todos os anos prometer a si mesma que será uma pessoa mais confiante, continua tímida e até insegura. Na letra, Twigs admite suas incertezas, demônios interiores e seu desejo por ter o auxílio de uma força maior para responder todos os seus questionamentos. A faixa é precedida pelo r&b sensual de ride the dragon e o hip hop de honda, canções que, ao vivo, devem render performances de dança estonteantes por Twigs, que começou sua carreira como dançarina.
CAPRISONGS pode não ser o disco mais experimental da cantora, mas, de todo o seu catálogo, é a coletânea de músicas que mais comprova sua potência metamorfa e assertiva. Em suas dezessete faixas, FKA Twigs mostra-se livre, criativa e independente, sem abdicar do soprano suave e quase sibilado em seus vocais, além de momentos criativamente surpreendentes que relembram trabalhos anteriores. Dentre tantos destaques, tears in the club, parceria com The Weeknd e co-produção de Arca, poderia ser mais uma da miriade de canções pop sobre chorar na pista de dança, mas acaba funcionando como uma parceria dançante e eufórica.
O single é seguido pela confiante oh my love, que emprega uma melodia taciturna de pop/r&b no plano de fundo de uma das temáticas líricas mais clichês possíveis, mencionando o desejo de que um parceiro tome iniciativa. Mesmo quando Twigs recorre a essas previsibilidades, o ouvinte é tão impactado pela produção inovadora e bem intrincada que termina a experiência inteiramente satisfeito.
É na libertina papi bones, com Shygirl, que FKA Twigs entrega a música mais explosivamente animada de seu catálogo até então, na forma de um reggaeton irrefreável e viciante. A química vocal entre as duas torna-se evidente durante o verso principal da colaboradora e tornam a canção um dos maiores destaques da mixtape, que não perde o ritmo até o fim. which way serve como ponte entre papi bones e o afrobeat tropical de jealousy, com o nigeriano Rema, na qual a artista brinca com os sentimentos e os ciúmes de um possível companheiro e recobra sua independência.
A parceria com Daniel Caesar simboliza uma redução de cadência sonora, recorrendo a um r&b adocicado e romântico que poderia suceder Get You, feat de Daniel com Kali Uchis, como a música preferida de lounge bars ao redor mundo. Apesar de não ser tão carismática quanto outras faixas da mixtape, careless funciona perfeitamente como um número melódico romântico graças às performances vocais envolventes de Twigs e Caesar. Satisfatoriamente, minds of men explora o timbre adocicado da intérprete ao máximo e discute a masculinidade em contraposição à figura feminina, estabelecendo pontos poderosos sobre a natureza do patriarcado e reconhecendo a dificuldade de homens serem vulneráveis.
Na seção final de CAPRISONGS, darjeeling, com a cantora Jorja Smith e o rapper Unknown T, ambos também britânicos, soa como uma combinação de diversos sons presentes em momentos anteriores no disco para oferecer uma ode às histórias particulares de cada contribuinte até chegar à Londres, cidade que, hoje, vêem como lar. thank you song, outra faixa co-produzida por Arca, encerra o disco em um art pop que, se fosse mais desacelerado, passaria como uma canção do primeiro álbum de Twigs. A música comenta as dificuldades da artista com sua saúde mental e agradece um parceiro por ter amenizado e ajudado a selar suas feridas.
O último trabalho de FKA Twigs é corajoso, diverso e contém experimentos altamente bem produzidos que atestam a virtude camaleônica da britânica, além de seu apreço por um trabalho que se expresse em frentes sonoras e visuais, já que quase todas as músicas da mixtape contam com um videoclipe. No último dia 16 de junho, apenas cinco meses depois de CAPRISONGS, a artista liberou o single killer para as plataformas de streaming e ainda possui uma música com a popstar Dua Lipa na manga, pronta para ser lançada em um momento oportuno. Mesmo diante da eminente batalha judicial com o ator e ex-namorado Shia LaBeouf pelas alegações de abuso feitas por Twigs no início de 2021, a artista não sinaliza, felizmente, qualquer indício de que pretende desacelerar sua carreira.