Rid of Me - PJ Harvey (1993) | Moodgate
Um novo sentimento para a música
2017
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Rid of Me – PJ Harvey (1993)

Em 1993, acordes acanhados nos primeiros dois minutos de Rid of Me não eram capazes de antecipar um refrão viciante e ensurdecedor. Na primeira vez em que ouviu a faixa, uma crítica musical da Melody Maker britânica bateu o próprio carro quando o rádio do veículo explodiu com o refrão turbulento, tão surpreendente quanto inesquecível.

Apesar de levar o nome da vocalista Polly Jean Harvey, o trio PJ Harvey era também formado pelo baterista Rob Ellis e o baixista Steve Vaughan. Na época, a tríade ainda experimentavam a atenção súbita proporcionada pelo sucesso crítico e comercial de Dry, o álbum de estreia. Dentre os inúmeros elogios tecidos ao disco por parte da imprensa, tabloides pareciam legitimamente interessados em dissecar a imagem inexplicavelmente cativante da frontwoman: sua atitude irrefreável e confiante no palco contrastavam com sua imagem particular como uma pessoa tímida, privada e ainda mais misteriosa.

Da esquerda para a direita, Rob Ellis, Polly Jean Harvey e Steve Vaughan formavam, até o fim de 1993, o trio PJ Harvey.

Contrastes de imagem e performance não eram os únicos que interessavam Polly Jean que, apesar de ter verbalizado seu absoluto desinteresse no feminismo enquanto conceito, tem seu catálogo sonoro permeado por inúmeras letras que exploram papéis e dicotomias de gênero. Sheela-Na-Gig, o single mais bem sucedido no debut do trio, toma antigas esculturas celtas que representam o erotismo exibicionista feminino como peça central de um discurso de fortalecimento, no qual uma mulher vê-se compelida a abraçar sua própria sexualidade e esquecer um parceiro em potencial. Também do Dry, Dress examina as políticas do olhar masculino capazes de fazer com que mulheres acreditem que devem vestir-se ou comportar-se de uma certa maneira para chamarem a atenção de alguém.

Elevando tais contradições a um status que transcendem a lírica, a produção acústica em ambas as faixas cativavam pela progressão sonora e de volume características da banda. Por não terem controle do quão alto ou baixo um ouvinte escolheria escutar uma de suas canções, o trio PJ Harvey empenhava-se em criar músicas com potencial de choque que, apesar de começarem inquietantemente podadas, eventualmente evoluem em uma explosão estrondosa e determinada. A faixa que leva o título do segundo disco segue a tendência de forma ainda mais violenta e encabeça o projeto que, apesar de escrito e gravado por Polly, Rob e Steve, ficaria marcado como o último lançamento do trio antes que a primeira embarcasse em carreira solo permanente.

A produção de Rid of Me é em parte assinada por Steve Albini, estrela dos bastidores do rock alternativo graças a seus trabalhos com o Pixies e, mais tarde, o Nirvana. Desde a estreia do trio PJ Harvey, comparações frequentes com a banda de Cobain eram tecidas pela imprensa que, em diversos momentos, chegou a intitular a banda como o “Nirvana britânico”. Ironicamente, o produto final das sessões com Albini tornaram Rid of Me um objeto de obsessão para Kurt Cobain que, ao ouvir suas explícitas influências no refinamento do som, o escalou para auxiliar o Nirvana no In Utero. ”Os sons que o Albini produzia não eram nada como coisas que eu já havia ouvido em vinil. Eu realmente queria aquela sonoridade crua e realista. É como se você tocasse objetos reais ou sentisse um grão de madeira, muito tangível”, contou Polly em uma entrevista de 2013 para a Spin.

Rid of Me é, essencialmente, o trabalho mais violentamente explícito da discografia de PJ Harvey. Durante sua carreira, a artista viria a aventurar-se por sons dos mais variados e se reinventaria diversas vezes, mas jamais alcançaria a mesma rispidez compulsiva do segundo disco. Enquanto os falsettos da faixa de abertura proporcionam a experiência de estar diante de uma interlocução entre um homem e uma mulher, Missed mostra-se exponencialmente mais amena, embalada por baixo, guitarra e percussão característicos do rock alternativo. Os vocais e o instrumental soam como se reproduzidos por amplificadores, como se o ouvinte estivesse testemunhando um ensaio da banda em um estúdio, uma garagem ou um dos clubes populares na cena grunge da época.

Esse caráter acústico mostra-se presente em todas as outras músicas. A composição de Harvey é especialmente eficiente em proporcionar imagens sangrentas mesmo quando começam com declarações de amor, como se o romance não pudesse levar a lugar algum senão um caminho tortuosamente aniquilador. Em Legs, os vocais suplicantes e luxuriosos introduzem sentimentos confessionais e apaixonados que logo revelam-se possessivos e brutais. Temendo ser abandonado, o eu lírico adverte seu amante de que não existe outra forma de fazê-lo ficar além de cortar suas pernas. A ameaça é sucedida por mais alusões bárbaras em Rub ‘Til It Bleeds, que segue a fórmula da contraposição entre sons baixos e altos para culminar em uma faixa hedionda acerca de um prazer mútuo tão intenso e irrefreável que provoca sangramento.

A orquestra agonizante de Man-Size Sextet é, na verdade, uma versão instrumentalmente mais carregada da faixa de mesmo nome presente mais adiante no disco. Sendo a única música do álbum gravada no Reino Unido, Man-Size Sextet é cantada entre os dentes, numa técnica clássica do ventriloquismo e parece satirizar liricamente a construção da masculinidade. Na canção, Harvey assume arquétipos classicamente masculinos e diz que agora, como um homem, não precisa mais gritar para ser escutada, com suas botas de couro e uma namorada atraente. O sexismo também reaparece no single 50ft Queenie, no qual Polly subverte, mais uma vez, papéis de gênero e transmuta-se em uma mulher alta como um edifício. Numa entrevista para a EPK de 1993, a artista brincou que a personagem da música é tão grande porque alimenta-se de homens, “uma boa fonte de proteínas”.

Impulsionada pelas declarações de Harvey e a agressividade do novo álbum, parte da imprensa britânica passou a enxergar a cantora como uma entidade vampírica, devoradora de homens e instável. Na subsequente turnê de divulgação, a banda escolhida pelo trio para acompanhá-los e abrir os shows foi substituída em Nova York por um Radiohead ainda na era Pablo Honey, o que enfureceu Rob Ellis. ”A banda de abertura que tínhamos escolhido foi expulsa em detrimento desses jovens garotos loiros. Garotas ensandecidas encheram a arena do show e, assim que eles terminaram de tocar, todas elas foram embora”, relembrou o baterista para a Spin, em 2013. A falta de comunicação entre os integrantes tornou-se maior do que nunca e, logo após o fim da turnê, o trio PJ Harvey foi dissolvido.

Mesmo assim, Polly Jean seguiu com a divulgação do disco em solo americano e uma memorável performance no Tonight Show, with Jay Leno em setembro de 1993 foi ovacionada pela audiência. Sozinha pela primeira vez no centro do palco, a vocalista vestia um vestido justo e dourado enquanto sustentava um sorriso na extremidade da boca, o batom sutilmente borrado e as sobrancelhas grossas cativando a atenção dos espectadores antes mesmo que os primeiros acordes começassem a tocar. Apresentando Rid of Me por si só, PJ Harvey introduzia o início de sua carreira como uma artista solo. Além disso, mostrando não se ater à infâmia na imprensa britânica, cedeu uma entrevista a Leno na qual, em rede nacional, comentou despretensiosamente sobre técnicas de castração de ovelhas aprendidas na fazenda de seus pais, em Dorset.

Outra faixa no Rid of Me, Dry também está presente no disco de estreia de Polly e é tão literal quanto pode sobre o descontentamento proporcionado por uma experiência sexual insatisfatória. Em Me-Jane, o baixo e a voz sussurrada anunciam a mesma progressão sonora barulhenta e repleta de personalidade de outrora enquanto a artista coloca-se no lugar de Jane Foster, a esposa de Tarzan. Assumir personas distintas a fim de relatar histórias é, aliás, um padrão no catálogo de Polly, que gosta de pensar em seu trabalho como semi-biográfico na maior parte do tempo.

Numa entrevista ao The Guardian, Harvey lembrou que em 1991, antes do lançamento de seu álbum de estreia, o trio foi chamado para tocar em um evento em Charmouth, uma vila em Dorset, sua cidade natal. “Nós começamos a tocar e acho que tinham umas cinquenta pessoas por lá e, durante a primeira música, o salão ficou vazio. Só haviam mais duas pessoas e uma mulher veio até nós e gritou ‘vocês não percebem que ninguém gosta de vocês? Podem parar de tocar, nós vamos pagar mesmo assim!’”. Apenas um ano depois, estariam na MTV tocando para milhares de pessoas.

Na atualidade, Rid of Me resiste às décadas como um atestado da potência singular da artista num dos momentos mais eletrizantes de uma carreira diversa. O álbum sucessor, To Bring You My Love, a permitiu experimentar algum sucesso no mainstream antes de, em 2000, o pop rock do Stories from the City, Stories from the Seas ser completado, curiosamente, por colaborações de Thom Yorke.

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