Coala: festival celebra o encontro de gerações e a diversidade da música brasileira
A grande missão do Coala Festival foi cumprida: promover encontros de gerações e celebrar a diversidade da música brasileira. Durante os três dias dessa oitava edição de festival (que seriam dois, mas, devido à alta procura, houve um extra), o clima de festa e alegria tomou conta do Memorial da América Latina e fez o frio de São Paulo ficar em segundo plano.
Até a chuva, que apareceu na sexta-feira, não se tornou protagonista. Há algum tempo, quando o festival ainda estava com o line-up em aberto, e com Gal Costa e Maria Bethânia de headliners (e fortíssimos chamarizes), muitas pessoas viram ali a oportunidade de dar corpo a um movimento que tem ganhado cada vez mais voz nos últimos anos na internet: o pedido pela “volta” dos Doces Bárbaros – conjunto formado em 1976 por Gal, Bethânia, Gil e Caetano. Por força do acaso, com a ausência da Alcione (que faria um show com participação da cantora Céu), parte desse apelo foi “suprido”: Gil entrou para substituí-la. Sendo assim, além de Djavan e Alceu Valença, outros dois alicerces da MPB, o Coala contou com os shows de três dos quatro Doces Bárbaros. (Alô, Caetano, ano que vem você tem que ir).
Na sexta, Liniker brilhou e fez um show contagiante. Misturando hits mais recentes com músicas de trabalhos mais antigos, como de seu primeiro EP, o “Cru”, lançado em 2015, a cantora – que ainda voltaria mais tarde para uma participação no show do Djavan – fez todo mundo cantar junto com ela. Até quem parecia não saber, aprendeu. Djavan, o headliner do dia, ocupava o lugar que é seu por direito. Com o setlist cheio de hits do início ao fim, seu show causou mais alvoroço que o de Gil, um pouco mais cedo. A participação que comentei da Liniker foi para cantar “Azul” em dueto com Djavan.
No sábado, a novata – e super “estourada” – Bala Desejo deu seu show de performance e boas músicas. Por mais que o repertório deles não seja ainda amplamente conhecido (o álbum foi lançado na pandemia e, agora, fazendo shows e participando de muitos festivais, nesse contato direto com as pessoas, estão descobrindo e conhecendo seu público), a presença de palco desses jovens que flertam com a liberdade da cena musical brasileira dos anos 70 prende a atenção.
Aliás, falando em repertório e em década de 70, “São João, Xangô menino”, de Caetano e Gil, presente no setlist da banda no Rock in Rio, ficou de fora. Poderia ter permanecido! Gal, a estrela do sábado, fez um show irretocável. Com a participação de Tim Bernardes e Rubel e com um repertório lindo, a cantora sintetizou essa “alma” do Coala no encontro de gerações. “Tigresa” (com os dois meninos) e “Negro Amor” (só com o Tim), ambas do álbum “Caras e Bocas” (1977), não entravam no repertório de Gal há muitos anos e mostraram por que precisam voltar (menção especial para a interpretação de “Vapor Barato”, com um solo de guitarra espetacular do Tim, elogiado pela própria Gal no show).
No domingo, ainda cedo, Marina Sena dominou totalmente o palco do Coala com sua persona de diva pop (uma coisa meio Madonna, meio Gal) com os braços no mundo mas com os pés bem fincados em sua cidade natal, Taiobeiras, no interior de Minas – uma mistura bem original e envolvente. Rodrigo Amarante fez o show mais morno de todo o festival – para não dizer frio. Os problemas técnicos acabaram atrapalhando o que já não estava assim tão bom. Um ou dois hits dos Los Hermanos teriam levantado o público. O rapper Black Alien foi um dos grandes destaques do dia. Seu carisma e suas ótimas músicas conseguiram levar Niterói para São Paulo e contagiaram um público que já aguardava ansiosamente pela Bethânia, que viria logo na sequência. E Bethânia – o que falar sobre seu show? Pausa dramática. Próximo parágrafo.
Não teria final melhor para o festival do que o show de Bethânia. Com sua presença de palco, sua voz arrebatadora e um repertório impecável, a cantora promoveu um clima um tanto quanto espiritual, digamos. Onde a câmera ia, captava alguém chorando de emoção. Além do encerramento com “O que é o que é”, do Gonzaguinha, um hábito de Bethânia, ela ainda fez uma surpresa em homenagem à cidade de São Paulo: cantou “Sampa”, do seu irmão Caetano. Lindo demais.
Outro ponto bem legal do festival são os nomes para entrarem no nosso radar. Artistas mais novos e às vezes não tão estourados na cena “mainstream” ganham alcance e mais fãs. Rachel Reis, Ana Frango Elétrico, Chico Chico e Juliana Linhares foram alguns deles. Por fim, uma surpresa maravilhosa: os djs do palco principal entre um show e outro. Todos (sem exceção!) com sets maravilhosos e que cumpriam a difícil missão de conduzir a animação das pessoas que aguardavam o show que viria em seguida. Acreditava que seriam apenas “passagens de bastão”, mas foram verdadeiros shows. Ficou a vontade de ter visto mais. Mais tempo para os shows (socorro! 50 minutos é muito pouco!), mais encontros entre artistas (Alcione com Céu, dessa vez tem que acontecer, por favor!), mais palcos e mais estilos musicais. Samba e funk, quem sabe? Quando os djs tocavam fazia o maior sucesso.