Janelle Monáe – The Age of Pleasure
Na introdução de Metropolis: The Chase Suite, EP de estreia de Janelle Monáe, uma locutora robótica e cordial cumprimenta, por meio de auto falantes, ciborgues. Sobre uma trilha sonora reminiscente da música tema de Star Wars, a voz convoca caçadores de recompensas para buscar e desligar a andróide Cindi Mayweather, que havia violado o código que rege a cidade de Metrópolis ao se apaixonar por um humano._ “Não haverá nenhuma recompensa até que sua cyber-alma seja entregue para a Comissão Estelar”_, reforça a anunciante, desejando, ainda, uma boa caçada para seus interlocutores. Nas faixas seguintes, fusões brilhantes de jazz, funk e R&B são o prelúdio da história que Monáe construiria em seus três próximos álbuns, ambientados numa distopia futurista na qual ciborgues são escravizados por humanos.
Apesar da fisionomia humana, os robôs de Metrópolis são programados para a servidão e, por isso, são destituídos de qualquer capacidade sentimental. Narrativas sobre máquinas que desenvolvem independência para subjugar seus criadores não são particularmente inéditas na cultura popular, mas, em Metrópolis, o maior receio da Comissão Estelar é que os andróides se rebelem depois de vivenciarem qualquer traço ou experiência humana. Durante a progressão da história, as alegorias se tornam mais evidentes: bem como os grupos minoritários do mundo real, os ciborgues da saga lutam pela própria sobrevivência num mundo controlado por tiranos e supremacistas. Como uma mulher negra e bissexual que cresceu num subúrbio no Kansas, Janelle Monáe conhece bem essa experiência.
Como expressão de sua artisticidade, os trabalhos de Monáe são, essencialmente, políticos. As produções audiovisuais originadas de seus álbuns referenciam não só pautas identitárias de raça, gênero, classe e orientação sexual, mas também os Panteras Negras e o afrofuturismo. Mesmo quando discute tópicos de extrema relevância, a impressão é de que Janelle está se divertindo ainda mais do que sua audiência. Seus discos carregam o raro potencial de oferecer entretenimento de alta qualidade até para os ouvintes casuais que desconhecem a mitologia de Metrópolis, ou simplesmente escolhem ignorá-la para dançar e cantar junto.
Mais recentemente, o aspecto entusiasmado e despreocupado de Monáe parece ter tomado a frente. Em The Age of Pleasure, seu último disco, não há qualquer menção a saga futurista, andróides ou caçadores: a atmosfera é tão paradisíaca, hedonista e amena que parece uma utopia ainda mais impossível do que a dos ciborgues de Metrópolis. O álbum é uma celebração nada sutil à própria Janelle, que, aqui, não luta pela emancipação de personagens supostamente fictícios, mas sim pelo direito de se divertir enquanto expressa sua sexualidade — mais aflorada do que nunca.
Apesar de sempre ter contado com colaboradores lendários da indústria em seus projetos, como Prince e Erykah Badu, os artistas que embarcam no verão caloroso de Janelle a complementam melhor do que nunca. Dos versos de rap de Doechii em Phenomenal à interlude elegante de Grace Jones em Ooh La La, todas as parcerias foram refinadas ao máximo e escolhidas com extrema precisão.
The Age of Pleasure recorre às mesmas misturas gêneros já familiares aos álbuns anteriores, mas em nichos ainda não explorados. O disco é, sem sombra de dúvidas, o mais acessível de Monáe, uma decisão que, apesar de mostrar-se acertada, é calculada. Com o sucesso de Knives Out 2, filme da Netflix protagonizado por Janelle, Kate Hudson e Daniel Craig, a artista parece querer utilizar sua exposição no mainstream como plataforma para produzir o álbum mais pop e radiofônico de sua carreira. The Age of Pleasure é, também, o LP mais curto do catálogo de Monáe e tem quase a mesma duração de seu primeiro EP.
A sonoridade viaja do reggae ao reggaeton, mas também de um acústico harmonioso em A Dry Red aos sintetizadores explosivos em Haute. Os dias na ilha ensolarada de Janelle parecem mais longos e seus habitantes se encontram em um êxtase eterno. Em partes, o The Age of Pleasure é capaz de evocar imagens de uma tarde quente à beira da piscina na mesma proporção em que projeta a sensação de um luau libidinoso. As transições entre as faixas são sutis, característica presente em todos os álbuns de Monáe até hoje; a sequência da energizante Phenomenal e a luxuosa Haute, então sucedida por uma interlude, é uma seção particularmente memorável do disco, ainda mais beneficiada pela performance carismática de Monáe.
Dentre todos os colaboradores do álbum, o acréscimo de Nia Long e Amaarae em The Rush cria o momento mais sensual do The Age of Pleasure, não exatamente pela lírica, mas sim pelas passagens vocais que, em harmonia, imprimem imenso erotismo com muita suavidade. Em contraste à imperatividade do tom de Nia, a voz de Amaarae é quase uma brisa, entregue em versos assoprados e sedutores. O sexo, a antecipação e o desejo são temas universais no disco, e, agora, mais do que nunca, Janelle sabe como explicitar que sua autoconfiança é um trunfo inestimável e deseja que seus ou suas amantes tenham a mesma segurança.
Aos amantes mais aficionados da saga Metropolis, o novo álbum de Monáe pode soar como uma subversão inesperada e, mesmo para a era do TikTok, breve demais. Com uma duração média de dois minutos e meio para as faixas, algumas músicas chegam a ter pouco menos de um minuto e quarenta segundos. Apesar de não ser o trabalho mais impressionante de Janelle, The Age of Pleasure se destaca como as verdadeiras férias de verão sem fim de 2023, soando como um oásis — tanto literal quanto simbólico — entre episódios de magnitude mais significativa na carreira de Janelle. Lirica e, tematicamente, o álbum é, naturalmente, o mais genérico de sua discografia. Mas, desde o princípio, é fácil concluir que talvez seja essa a intenção. Lançado a tempo do verão estadunidense, o disco promete oferecer uma experiência suave, descomprometida e fácil aos ouvidos de qualquer ouvinte. Ainda assim, é impossível não esperar com imensas expectativas o retorno da Monáe de Metrópolis, com seus arranjos imponentes e deslumbrantes.