IZA – AFRODHIT
Em 2016, o Brasil acompanhou uma nova estrela despontar no mercado fonográfico: IZA. Desde então, a cantora lançou uma sucessão de singles até que, em 2018, surgiu com Dona de Mim, seu primeiro disco. O álbum, assim como os singles que o antecederam, deu luz a uma artista de voz ímpar e atitude voraz, mas que ainda tinha bons caminhos a trilhar em busca de seu fazer artístico. E esse caminho foi extenso.
Após o primeiro disco, IZA foi musa de inúmeras campanhas publicitárias e, através de músicas, colaborações e EP, fez acenos à sua carreira musical, mas nunca a acariciou de fato com um segundo álbum. Isso a fez alvo de seu público, que clamava por novidades a qualquer custo. O que pouco se sabia é que, nos bastidores, IZA, enquanto Isabela Cristina Correia de Lima Lima, enfrentava períodos conturbados e lapidava seu som.
Descartando um disco completo por acreditar ser pouco fidedigno ao que atravessava e à sua identidade artística, a cantora, que, no dia 2 de agosto, concedeu uma coletiva de imprensa, anunciou AFRODHIT, seu segundo álbum, que carrega em si um trocadilho envolvendo Afrobeat, Afrodite e hit. Para dar vida ao seu novo projeto, IZA revelou que, pela primeira vez, encarou seu disco enquanto uma narrativa, o que o difere de Dona de Mim, que foi construído aleatoriamente. “Em 2018, eu nem sabia que estava fazendo álbum, precisava escolher uma música para ser single, mas eu gravei várias para poder escolher. Só que quando levei para a gravadora, o gerente reconheceu um álbum”, contou a cantora numa coletiva de imprensa na última quarta (2). “Já AFRODHIT eu sabia o que seria, a história que eu queria contar… tive que pensar nessa visão 360 graus da era, sendo um desafio maior para mim e quem estava comigo. Mas isso me fez sentir mais completa também”.
E é fato que IZA e sua equipe, em 5 meses, arquitetaram todo o projeto com maestria para que, durante sua execução, fosse limpo e coeso. Sobre o conceito por trás, a artista declarou que “sempre quis contar uma história de um ser esquisito; um ser que não fosse nem humano, nem extraterrestre, mas que fosse diferentão”. Dentre suas variadas inspirações para o novo trabalho, IZA destaca que o filme Splash: Uma Sereia em Minha Vida, clássico das tardes da TV Globo. “Eu sou meio nerd também. Eu via um desenho que se chamava Steven Universe e eu nunca tinha visto uma heroína que falasse igual a Garnet do desenho, e ela é maravilhosa.”
“Eu queria contar uma história que tivesse esse misticismo e a Afrodite é essa deusa mesmo que volta à Terra de tempos em tempos. Aquelas placas que a gente vê no clipe [de Fé Nas Maluca], aquelas imagens, é como se fosse a representação de outros povos da Afrodite, de outras vezes que ela veio”, conta IZA. “A história que a gente conta ali no prólogo é sobre ela se formando ali no seio da Terra e ela vem para o mundo se sujar de vida mais uma vez e ter a experiência do amor — as formas do amor, porque esse álbum é sobre isso, o amor próprio, o início, o término e os momentos. E os visuais do álbum também têm experiência dos filmes Cocoon e Bacurau”, completou.
Com tantas referências, IZA não fez uma jogada midiática ao dizer que está em um pico criativo. E isso pode ser visto, não só no visual, mas no faixa a faixa de AFRODHIT também. Em seu núcleo, o segundo disco da artista compila distintos gêneros, do Afrobeat ao Samba, e brilha ao não soar desesperado para agradar a todos, já que traz em si estratégias para manter a harmonia.
Sobre o processo criativo do AFRODHIT, IZA esclarece: “Por mais que a gente tenha gêneros diferentes, foi muito importante que a gente conseguisse alinhar tudo esteticamente. E quando falo esteticamente, estou falando da sonoridade mesmo. Dos timbres que a gente usa, dos elementos musicais que a gente usa, da forma como a gente começa, da forma como a gente termina. As duas únicas músicas com cordas, sendo a primeira e a última. Criar um álbum tem esse desafio, de fazer com que as coisas se estendam, circulem, façam sentido.”
Como primeira faixa, Nunca Mais é figura central para o tom do disco. Trajada no R&B, que flerta com Kali Uchis e Sade, a faixa expõe IZA enquanto agente de sua relação, já que é ela quem dá as cartas finais por aqui (“Não me leve a mal/Eu te quero bem/Mas a gente junto fica melhor sem”). Essa levada assertiva e de ultimato, atravessa as canções seguintes: Fé Nas Maluca, parceria com MC Carol e primeiro single de AFRODHIT; Que Se Vá, responsável por colocar amores passados em contato com um belo PR Team (“Quando tava na pior, eu que tava contigo/10 milhões de dias, se eu cobrar, tu tá fodido”); e Tédio, que é onde IZA abaixa suas armas e volta-se ao confessional (“O que eu vejo na TV/O que me contam de você/Na sala, não quero te ver/ Mal sinto o gosto do prazer/Tá tudo sem cor/Não tem ódio, nem rancor/Só um pouco de dor/Pedaço de amor”).
Nesta primeira etapa do disco, decepção, angústia, ira e deboche são basilares para as composições, que, embora não apresentem novidades a nível temático, se sobressaem em um mainstream pasteurizado e pouquíssimo apegado a explorar o dicionário. Já com a chegada da segunda parte do álbum, IZA mantém a assertividade, adiciona malemolência e flerta com a comicidade. Na quinta faixa, Russo Passapusso, integrante do BaianaSystem, entra em cena junto ao pagodão baiano. Mega da Virada fica responsável por ensolarar AFRODHIT, que, até então, enfrentava períodos cinzas. Suas sucessoras, Batucada e Boombasstic, sustentam a pose. A primeira, é marcada pelo baixo de Jerry Barnes, do Chic, que conferiu elegância extravagante à faixa; a segunda, recebe King Saints, que uniu baixa fluminense à Zona Norte e garantiu, ao lado de IZA, um ótimo embalo para o Viaduto de Madureira.
Mas o ponto alto da segunda etapa de AFRODHIT está em Terê, que, através de sample de Tereza Guerreira, de Antonio Carlos & Jocafi, e pés calçados em Zeca Pagodinho, construiu a história de uma mulher implacável e bacana… até surgir a oportunidade para não o ser. Aqui, IZA merece todas as flores. Melodia, letra e “boca mole” ao cantar a colocam em um patamar sequer atingido por aqueles que disputam público e horários nos semanais consagrados da TV brasileira. E não pense que, após colocar-se no holofote com a oitava faixa do disco, a carioca deixou as canções seguintes ao relento.
No terceiro, apaixonado, sensual e último ato, IZA passeia pelo Funk ao lado de L7, em Fiu Fiu, que aparenta ser uma boa aposta para single; pelo R&B ao lado de Djonga, em Sintoniza, que mantém as insinuações sexuais de sua antecessora, mas com doses amenas; pelo Afrobeat, em Bomzão, ao lado de Tiwa Savage, que participou de Black Is King, projeto de Beyoncé; retorna ao R&B, em Exclusiva, que narra o retorno da artista ao amor e que é complementada por Uma Vida é Pouco Para Te Amar, segundo ponto alto do disco, que encontra pés em Os Tribalistas, especificamente, em É Você, mas de maneira valsada, projetada para ser aproveitada sob o luar (“Nossos sonhos vão se completar/Quente feito o Sol, doce ao te beijar/Sem segredos, nada entre nós/Livre com você num mar de girassóis”).
No oitavo mês de 2023, é difícil cravar os nomes que aparecerão nas listas de fim de ano, mas, se nos ativermos ao que temos até então, o ressurgimento de IZA, definitivamente, é um dos hot topics do mainstream brasileiro. E o que o faz tão especial é o cuidado que a artista teve em sua confecção. Desde já, estamos ansiosos para o que IZA levará ao palco do The Town e para a turnê que, segundo a cantora, narrará um pouco mais a história por trás de AFRODHIT.
Merecem atenção: Que Se Vá, Terê, Fiu Fiu, Exclusiva, Uma Vida é Pouco Pra Te Amar.