Três Décadas de Fumaça: Planet Hemp Incendeia São Paulo no Show dos 30 Anos
Disruptiva e agitada, a apresentação do Planet Hemp em São Paulo, no Espaço Unimed, nesta quinta-feira (11), mostrou que seu legado ainda tem um longo caminho para ser percorrido. Para gravação e lançamento em streaming do dvd, o show foi desenvolvido para comemorar os 30 anos do grupo, intitulado Baseado em Fatos Reais: 30 anos de Fumaça. Com performance repleta de convidados e de pautas sociais, o grupo do Rio de Janeiro, atualmente formado por Marcelo D2 (vocal), BNegão (vocal), Formigão (baixo), Pedro Garcia (bateria), Nobru (guitarra) e Daniel Ganjaman (produção), mostrou suas nuances entre o rap e o punk de maneira avassaladora sob o palco.
Antes do show, D2 disse em coletiva para a Moodgate que o desenvolvimento do show os trouxe saudosismo e muita reflexão. “Essa utopia que é o Planet Hemp foi importante pra minha formação como ser humano e cidadão, é muito foda ter uma banda há 30 anos com um clima que a gente carrega, porque a gente ri de tudo, a gente ria na cadeia e os outros presos ficavam assim ‘Meu irmão, tu tá preso caralho, para de rir’”, contou Marcelo.
Ainda sobre a comemoração, D2 comentou sobre a importância do álbum JARDINEIROS (2022) para a carreira do Planet e para o grande show. “A gente teve altos e baixos na construção de Jardineiros. Ficamos 20 dias gravando no interior da Bahia, foi essencial pra gente se reencontrar dentro do estúdio, fazia muito tempo que a gente não fazia isso. Por último, a gente foi pra uma fazenda no interior do Rio pra terminar o disco. Foram momentos que reconectaram a gente como banda em estúdio”, completou o rapper.
Conhecido por suas composições em prol da legalidade da maconha, o grupo iniciou sua apresentação acionando os telões, com folhas da cannabis surgindo entre as palavras “legalize” e “maconha”. A fumaça era mais um elemento que, mesmo antes do show, já estava presente por toda a casa. Nesse momento, a euforia da plateia se elevou, isso porque, antes mesmo de o show começar, muitos já estavam cantando e chamando pelo Planet sem parar. O cenário do palco, nesse momento, ficou iluminado e pode-se notar, finalmente, uma montagem baseada em uma estufa de maconha. Tudo se complementou.
Acima disso, o show foi político e punk. As músicas Dig Dig Dig (Hempa), JARDINEIRO, Legalize Já e Mantenha o Respeito tiraram todo o público do chão em sintonia. Junto aos pulos e gritos que estremeciam e ecoavam pelo espaço, respectivamente, sem pausas, rodas e moshs se abriam. D2 e BNegão pediam, a todo tempo, para as rodas se manterem firmes, o que foi atendido sem esforços. E não para por aí: os rappers também desceram para participar de rodas com o público, momento esse em que eles abraçaram e interagiram com fãs, com sorriso no rosto e mãos para o alto.
Durante a música Stab, do disco A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000), que aborda sobre corrupção, desigualdade social e guerra, BNegão reconheceu apoio à Palestina, “Palestina livre!”, gritou ele repetidas vezes. Logo depois, PUXA FUMO, de JARDINEIROS (2022), retornou ao cenário político pós e pandêmico do Brasil. D2 gritou diversas vezes “Não tem futuro sem partilha. E nem messias com arma na mão”. Esse verso fez todo o público voltar para o governo Bolsonaro e suas insatisfações, o que resultou em xingamentos ao nome do ex-presidente.
O instrumental e os vocais do Planet estavam no mesmo nível de seu repertório. Os sons frenéticos vindo da bateria, o baixo e a guitarra se entrelaçavam com os vocais brutos e altos dos rappers, o que deixou o clima do Espaço Unimed explosivo e inquieto.
As participações especiais foram um show à parte na comemoração, visto que elas traziam sensação nostálgica e, mais do que isso, se adaptavam ao som frenético de Planet Hemp. Com BaianaSystem, Black Alien, Criolo, Emicida, Kamau, Major RD, As Mercenárias, Mike Mur, Pitty, Rodrigo Lima, Seu Jorge e Zegon como convidados, músicas tiveram maior peso e, a maior parte do tempo, o público se mantinha concentrado para ver a entrada de cada artista.
Falando de algumas delas, Rodrigo Lima levou muito do hardcore para o palco após sua entrada, com agitação e graves junto a canção FIM DO FIM, de JARDINEIROS (2022), vale destacar que, embora não tenha participação sonora de no álbum, ele é um dos autores da música e ontem marcou a estreia dessa perfomace ao vivo.Zegon e Black Alien (ex-membros do grupo) trouxeram nostalgia e reviraram a plateia com AINDA e O RITMO E A RAIVA, também do último álbum da banda. Emicida, Criolo e Seu Jorge equilibraram o palco com calmaria e envolvimento com a música DISTOPIA, de JARDINEIROS. Seu Jorge ainda surpreendeu em um momento solo com flauta transversal. Naqueles minutos, ele estava em foco, com todo o público vidrado em sua performance. Pitty aqueceu a plateia com Admirável Chip Novo, do álbum ADMIRÁVEL CHIP NOVO (RE)ATIVADO (2023), o que além de mostrar um clima anos 2000, também reforçou a importância feminina no punk e no hardcore.
Assim, Planet Hemp apresentou o peso de um legado que não tem data para acabar. Com muitas gerações presentes na comemoração, o que fica explícito é que, mesmo com o passar dos anos, três décadas, o grupo ainda tem a mesma força de quando lançou seu primeiro disco, Usuário (1995). Seu álbum mais recente, JARDINEIROS (2022), tirou fôlego e coros contagiantes tanto quanto seus trabalhos antigos. Os fãs se mostraram fiéis aos anos de carreira do Planet e muitos outros vieram para somar a essa base durante os lançamentos mais recentes e isso só ratifica a grandeza de cada membro, bem como de sua discografia.
A apresentação conceitual e, como abordada em todas as suas divulgações, “Baseado em Fatos Reais”, rodeou temas globais, participações que marcaram a carreira do grupo e uma grande volta pelos seus discos. A comemoração não seria a mesma sem toda essa bagagem, porque todos esses elementos caracterizam o que o Planet Hemp fez até aqui.