A Odisseia Emocional de Movements
Originária de Rancho Santa Margarita, na ensolarada Califórnia, Movements surgiu em 2015 como uma mistura do pós-hardcore e emo dentro de um playground musical. Se destacando pela alta carga de sensibilidade, a banda aborda assuntos sobre vínculos, solidão e a tessitura das relações humanas, acumulando letras faladas e o desejo de construir refrões pouco melódicos que dão ênfase à mensagem. Esses traços, aliás, foram necessários para valorizar costumes pré-existentes dentro do rock alternativo.
Movements moldou o próprio espaço quando expôs uma profundidade quase espiritual, em panoramas onde nomes como La Dispute já havia deixado vestígios. A estreia do EP Outgrown Things (2016) pelo arquiteto sonoro Will Yip, (Citizen, Tigers Jaw) foi definida por esse poço de emoções não filtradas, onde a instrumentação de Ira George, Spencer York e Austin Cressey complementam perfeitamente o foco lírico de Patrick Miranda.
Através do seu caráter honesto, Kept, Nineteen e Vacant Home tratam da busca por essência e pertencimento ao se amarrarem a uma narrativa autobiográfica. Expondo de forma crua os desafios familiares e as barreiras do amadurecimento, o quarteto reúne tais dores em linhas de baixo groove, nos riffs intricados e bateria precisa em contratempos, que formam a espinha dorsal de todo o projeto.
Embora envolto na melancolia, a discografia da banda ainda oferece sensações de consolo — um reconhecimento sobre “tudo bem não estar bem”. É possível traçar paralelos com o Sunny Day Real Estate, cuja narrativa abriu espaço para aquilo que se tornaria o emo moderno. Mas, ao contrário de alguns desses precursores, frequentemente apoiados em uma exploração unilateral do sofrimento, os músicos escolheram a dialética entre destruição e reconstrução.
Oriundo da filosofia, movimentos na vida, emoções e experiências. Movements nunca é estática. Cada projeto parece um capítulo novo de uma conversa contínua, onde assuntos dramáticos muitas vezes prevalecem. No contexto de Feel Something (2017), esse debate se destaca principalmente nas faixas Daily e Full Circle, quando somos confrontados pelo senso existencialista de Miranda: ‘Isso vem em ondas e sou puxado para baixo. Não é subjetivo, é clínico. Me afogo na correnteza de todas as minhas substâncias químicas.’
Com o ressurgimento do gênero, florescido no início dos anos 2010 através de Modern Baseball, Foxing e The World Is a Beautiful Place & I Am No Longer Afraid to Die, o que os diferencia dos demais é a recusa em ceder completamente ao niilismo. Seu sucesso, entretanto, não pode ser atribuído apenas ao revival do emo ou às famosas playlists de “sad songs” no Spotify; ele expressa uma necessidade profunda por histórias reais sobre vulnerabilidade.
Tão introspectivo quanto o antecessor, No Good Left To Give exibiu, três anos depois, outros tópicos com tendências destrutivas na (auto)crítica brilhante em Garden Eyes e 12 Weeks, ou durante o nervosismo amoroso de Moonlight Lines, ao fortalecer um familiar estado de isolamento: ‘É seguro admitir que nós dois só queremos aproveitar essa noite para não nos sentirmos sozinhos’.
Mesmo cravados no post-hardcore, a banda também atrai uma ampla base de fãs do pop punk quando compartilha turnês ao lado de Knuckle Puck ou Boston Manor. O crossover se deve à habilidade em criar letras universais, cativando gerações que cresceram ouvindo nomes como My Chemical Romance. É possível perceber essa transição sonora, banhada por novas influências, em seu material recente RUCKUS! (2023), no qual os músicos ousaram se distanciar do que era esperado.
A mesma acessibilidade que aumenta o público, sem excluir fiéis, dialoga com a de Title Fight em Hyperview (2015), unindo punk a elementos de pop, alternativo e psicodelia. O grupo afirmou ter tido como objetivo estabelecer um som potente “ao vivo” visando capturar a energia dos seus shows, e isso se manifesta nos refrões carismáticos de Lead Pipe e I Hope You Choke, quando imploram para serem cantados em coro.
Culturalmente, Movements atingiu pontos sensíveis em jovens que, ao lidarem com questões de fuga, identidade e equilíbrio, encontram nessas canções um espelho para suas próprias lutas. A ascensão do quarteto — tanto comercial quanto na crítica — ecoa os altos e baixos da existência, oferecendo uma análise mais profunda de nós mesmos durante o processo.
Alexandre Leitão
Matéria sensacional, como sempre!