Em um mergulho profundo nos sentimentos cotidianos misturados às ambiências de instrumentais psicodélicos e vocais suaves, a banda Adorável Clichê tem sido referência no rock alternativo nacional por imprimir sensações em cada detalhe de suas composições. Desde 2013, o quarteto, atualmente, é formado por Gabrielle Philippi (voz e sintetizadores), Marlon Lopes (guitarra e voz), Felipe Protski (teclado) e Gabriel Geisler (baixo), diretamente de Blumenau, em Santa Carina.
O primeiro álbum, O Que Existe Dentro de Mim (2018), foi bastante reconhecido por sua nítida personalidade, tornando a banda um dos expoentes do rock alternativo nacional, mais especificamente do Shoegaze. O segundo projeto, sonhos que nunca morrem (2024), concretiza a singularidade do quarteto em expor os seus sentimentos em meio as suas angústias e na dureza da melancolia. O disco é definido por suas guitarras distorcidas, que se contradizem em seus momentos limpos com reverbs, vocais celestes, bateria cadenciada e um baixo carregado, elementos solidificados na sonoridade da banda em seus trabalhos recentes.
Com shows recentes no sul do país e a turnê de seu novo álbum, o Adorável Clichê se apresentará no Festival 5bandas em São Paulo no dia 26 de abril na Casa Rockambole, ao lado de grupos como Boogarins e Crizin da R.O. Em uma entrevista exclusiva à Moodgate, a banda comenta sobre seus processos de composições, seu último álbum sonhos que nunca morrem e sobre o futuro.

MOODGATE: Com um grande impacto no cenário indie brasileiro, o que vocês quiseram provocar com o sonhos que nunca morrem?
MARLON LOPES: Tínhamos uma série de músicas gravadas e singles lançados depois do primeiro álbum e junto ao tempo de pandemia, estávamos esperando achar uma vertente ou um conceito para o álbum. Tivemos a ideia de produzir o álbum com a primeira parte sendo mais dreampop e a segunda sendo mais shoegaze e rock, assim pode-se dizer. Só não sabíamos como implementar isso, e através da música Amarga entender como seriam os timbres, tanto nas partes limpas como nas partes pesadas. Nessa canção tem todos os timbres do disco. Assim, as outras faixas foram surgindo.
GABRIELLE PHILLIPI: É realmente uma pergunta bem difícil. Como o nosso processo de composição é muito pessoal e orgânico, as letras cada tem o seu conceito e não queremos passar uma “mensagem”. Quando fomos montar o álbum inteiro, tanto o nome quanto o visual, pra gente simboliza uma certa persistência e esperança. Uma persistência que vem de uma inocência de romantizar um pouco esse mundo da música. Do processo de fazer música que é uma coisa que para gente só funciona se tiver um pouco de romantização. Por exemplo, no processo de composição, se a gente ficar pensando “vamos fazer esse tipo de música para o público achar tal coisa”, não funciona. O processo de criatividade das nossas músicas é uma coisa muito fluida e sensorial.
MARLON LOPES: Você faz primeiro e depois tu vê o que aconteceu. Daí, dá uma raciocinada em cima disso. A espontaneidade ela primeira tem que ocorrer. E a partir disso, colocar a música no contexto do álbum.
GABRIELLE PHILLIPI: O conceito do álbum só foi surgir depois que a gente precisou pensar na capa e no nome. O que simboliza esse momento nas nossas vidas, ainda estar fazendo isso, estar com a banda e estar fazendo música parte desse sonho de criança. Da ideia de que acreditar no que você gosta de fazer. E a gente não sabe no que vai dar, mas é um sonho que nunca morre e fazemos porque nunca morre.
MOODGATE: É uma questão muito mais da alma e artística de vocês. Desde o início da banda em 2013, como é esse processo de vocês? É muito mais interno no quarto ou algo mais no estúdio e ao vivo?
MARLON LOPES: O primeiro álbum foi mais composição em ensaios.
GABRIELLE PHILLIPI: Teve músicas que fizemos em 10 minutos.
MARLON LOPES: Eu chegava com o riff pronto e as ideias se encaixavam. A Gabrielle fazia a letra na hora e foi assim. Um pouco disso teve em uma música ou outra, mas esse álbum foi um pouco mais pensado e mais na frente do computador no quarto.
GABRIELLE PHILLIPI: Foi mais prático. Onde já tinha o instrumental e em cima disso eu fazia uma letra, ou vice-versa.
MARLON LOPES: Teve um pouco de tudo, eu lembro que Devagar ela foi sendo criada passo a passo nós dois juntos. No início nem tínhamos curtido, mas depois fomos gostando.
GABRIELLE PHILLIPI: Ele fica muito focado no instrumental e daí nem ouve mais a gente. Enquanto ele fazia o instrumental, eu fazia a letra.
MARLON LOPES: Foi mais isso. Gravar e já ter no computador pronto. O que é muito diferente do que fazíamos antes, ensaiar várias vezes e a partir disso passar para o computador. Tanto que quando eu fui fazer as tracks finais, eu tive que aprender a tocar ele porque às vezes eu toquei a linha uma vez. Mesma coisa quando foi para tocar, tivemos que tirar as músicas quase como se não fossem nossas, como tocar um cover. A gente nunca teve essa experiência de banda e estávamos sem baterista.
MOODGATE: Sobre as letras do último álbum, há uma grande densidade de sentimentos e são pensamentos muito introspectivos. De onde vem a inspiração dessas composições? São vivências das próprias vida ou sobre relacionamentos? É algo muito pessoal.
GABRIELLE PHILLIPI: Costuma ser basicamente o que tu falou. São dramas pessoais, às vezes pensamentos repetitivos, quase como um disco quebrado. Às vezes também acontece de me colocar no lugar de outra pessoa que está passando por alguma situação, no quesito Papel de Trouxe (single). Papel de Trouxa foi isso para mim. Alguém perto de mim passou por um término, me despertou muitas coisas, eu lembrei de experiências minhas e assim eu escrevi a música. Nesse álbum agora, teve uma coisa que nunca aconteceu comigo antes que era me inspirar desse jeito me colocando no lugar de um personagem ou misturando essas coisas. Uma coisa meio empática com outra pessoa. Refletindo sobre isso, foi com a aonde mais que eu me inspirei pela série Hannibal, pois estava maratonando com o meu namorado. Sim, um psicopata canibal.
Marlon Lopes: A empatia pelo psicopata.
GABRIELLE PHILLIPI: A empatia que eu quero dizer é se colocar no lugar de outra pessoa. O que eu quero dizer não é “ta tudo certo. Maravilhoso. Tadinho.”. Nada disso. É só se botar nos calçados de outra pessoal. Claro, eu fiz essa música trazendo para a nossa realidade, tirando a parte bizarra. Surgiu disso. Essa foi uma letra bem rápida que fiz também. Isso acontece muito comigo. Capto muito a inspiração ali e vai muito no flow ali.
MARLON LOPES: A música fala contigo!
GABRIELLE PHILLIPI: Uhum! Eu me conecto com as ideias criativas ali do universo.
MOODGATE: Vocês possuem bastante tempo de estrada. O que mudou na visão da banda desde o O Que Existe Dentro de Mim para esse novo trabalho? Claro, teve um tempo entre um e outro, pandemia e afins. O que mudou na visão de vocês para trazer para o novo trabalho, não só a questão do amadurecimento da sonoridade, mas também de sentimento.
MARLON LOPES: Uma coisa que a gente sentiu foi uma responsabilidade maior de fazer show um show melhor. Conseguir entregar algo melhor para as pessoas verem. A gente viu toda a questão do equipamento que a gente ia precisar e ensaiamos muito. Antes da tour e do novo baterista, foram 3 ou 4 ensaios de 4 horas cada um e antes disso fizemos muitos ensaios. Teve semana que quase todo dia, só a gente no click e no computador.
GABRIELLE PHILLIPI: Eu ia complementar também com isso de usar click e retorno nos shows para ter mais qualidade e melhorar a experiência, tanto no palco quanto para quem está assistindo.
MARLON LOPES: E melhorou, né?! A gente tinha muito problema com microfonia por usar muito reverb. Não teve um show que teve microfonia no vocal.
GABRIELLE PHILLIPI: Teve show que o retorno não funcionou. São novas experiências, né?! A gente nunca tocou com esse equipamento, então muitas coisas vão dar errado. Vamos aprender muito e estamos aprendendo. Já sofremos com pilha, interferência de rádio de dentro de clube…
MARLON LOPES: O nosso show de lançamento no bar Alto foi o que a gente mais se lascou com equipamento. Acabou pilha no meio show, deu interferência que nem a Gabe falou. Na hora de passar o som faltou cabo. Se tem uma banda que sofreu, foi a gente.
GABRIELLE PHILLIPI: Se está tudo dando errado na passagem, é porque o show vai ser bom.
MOODGATE: É legal vocês comentarem sobre isso porque acontece com muitas bandas. Desde os primórdios da Adorável Clichê, os instrumentos têm muita personalidade. Por exemplo, a guitarra é um pouco mais alta que a voz, deixando um pouco mais ambiente. Me lembra muito Turnouver, tem um pouco de Slowdive e também de anos 90. Mesmo sendo indie, tem uma vibe de emo. Essa mistura do dreampop com o rock alternativo foi algo planejado? E quais são as inspirações de vocês?
GABRIELLE PHILLIPI: Quem bate muito na tecla de referências e tudo mais é o Marlon. Eu sou mais de fazer o que a gente gosta. E assim, eu concordo com o lado dele.
MARLON LOPES: Foi sempre natural essa questão, porque já era o som que eu ouvia. Desde a época do EP, estava ouvindo mais Sonic Youth e agora indo mais para Slowdive e Turnouver. O emo também vem junto de brinde porque Sunny Day Real State é uma banda que todo mundo da banda sempre ouviu muito. Agora estávamos pirando no projeto solo do vocalista. O emo influencia a gente mais na vibe assim. A Eu Só Queria Que Tudo Tive um Fim” tem elementos de dreampop, mas ela tem aquele refrão emo. E Medo desse álbum é a mais emo. A gente gosta muito!
MOODGATE: Mas essa estética foi planejada desde o início ou vocês só chegaram e se divertiram?
GABRIELLE PHILLIPI: Não sei da parte do Marlon, mas para mim sempre foi essa segunda opção. A gente ia fazendo o que achava legal. Tanto que os primeiros da banda foram só sofrência pra mim porque eu achava que o meu vocal ficava horrível. E ficava um pouco também porque eu cantava no microfone sem experiência nenhuma e não me ouvia. Eu acho que comecei a cantar mal depois de um tempo. Eu odiava. O primeiro EP que a gente gravou, eu ouvi e fui chorar de tanta frustração.
MARLON LOPES: A gente começou ali em 2013, mas vou te dizer que a banda de fato começa a tomar forma em 2017. Tínhamos 17 ou 16 anos. Em 2013 fizemos um show e era cover. A gente mais ensaiava, ficava falando bosta e tomando cerveja. Era uma coisa bem moleque na época.
MOODGATE: Hoje em dia, pelo que falaram do último, vocês estão com uma visão muito mais profissional, né?
GABRIELLE PHILLIPI: Depois desse tempo, começamos encaixar melhor e achar sonoridades que ficavam bem. Após discussões, começamos a diminuir o volume instrumental para me ouvir melhor e sair a voz melhor. E obviamente, a performance melhora.
MARLON LOPES: E o lance que você comentou de ficar mais profissional, é sempre uma batalha. Ser profissional, mas também não deixar esse “profissionalismo” matar a parte de arte. Às vezes tu acaba se condicionando de fazer a música de uma certa forma e acaba perdendo um pouco do lado mais caótico. É sempre uma luta saber dosar isso.
GABRIELLE PHILLIPI: No final é bom nunca pensar demais na hora que estiver criando. Um caos hipotético, estamos fazendo essa música aqui e ficou bem parecido com tal banda. A partir do momento que você percebe que está parecido com tal banda, tu não consegue sair disso. Acaba não ficando um trabalho original.
MOODGATE: Nesse processe criativo de arranjos e composições, é a banda toda que participa?
MARLON LOPES: Nesse álbum, na parte de instrumental, eu puxei mais. No final, todo mundo se reunia e dava aquela lapidada.
GABRIELLE PHILLIPI: Todo mundo ouvia junto. “Ah, essa parte não ta legal. Vamos fazer de tal jeito.” Teve coisas de bateria que veio de mim.
MARLON LOPES: O solo do final de um sorriso que se vai foi tu que deu a ideia.
GABRIELLE PHILLIPI: Nesse momento de produção, no qual já fizemos o esqueleto da música, aí todo mundo acaba se envolvendo mais.
MOODGATE: Através desse trabalho, como vocês avaliam a recepção dos ouvintes? Hoje em dia, percebo que as pessoas conhecem mais a banda.
MARLON LOPES: Foi boa a recepção do álbum. Tanto que estamos conseguindo espaço em locais que antes a gente nunca pensou em tocar. Até queria, mas não sabia como chegar. Até a própria Balaclava. Por exemplo, o SESC e agora o 5bandas. São coisas que para gente é um atestado que estamos no caminho certo. Outra coisa do ponto de vista mais profissional, é o olhar e ver no Spotify se as músicas estão lá em cima ou estão indo para baixo. Já vi várias bandas que lançam um álbum e depois o álbum cai lá para baixo, ninguém mais ouve e volta para o primeiro álbum. Nesse sentido fomos bem sucedidos, porque elas estão como as mais ouvidas e em grupo. E também nos shows percebemos que a galera está cantando as músicas novas e está se juntando com a gente no ao vivo.
MOODGATE: E muito se pergunta, como vocês chegaram nesse nome Adorável Clichê?
MARLON LOPES: Primeiro, teve uma série de nomes ruins. Teve o famigerado Bloco de Madeira.
GABRIELLE PHILLIPI: Planta de Plástico.
MARLON LOPES: Cover de Radiohead, né?!
GABRIELLE PHILLIPI: Na verdade, foi uma coisa muito boba a origem do nome. Eu fazia letras e músicas minhas. Eu tinha ranço delas porque achava muito bombinhas. E naquela época as meninas não eram tão girly. As meninas não eram tão fofas. Eu fazia música muito fofa, sentimental e emocional. Não tinha pegada, entendeu?! Eu não sei do resto dos lugares, mas aqui na nossa cidade o pessoal que tinha banda gostava de rock e eu não fazia “rock”, entendeu?. Era tudo fofo. Eu adorava. Eram clichês e adoráveis. A gente tinha que tocar em um bar no final de semana…
MARLON LOPES: Ah, sim, foi por isso. A gente nem tinha nome. Precisava de um nome. Muito nome de banda começa assim porque vai tocar e precisa de nome.
MOODGATE: Como está a expectativa para o festival 5bandas e quais são os próximos passos para a banda nesse ano?
MARLON LOPES: O festival eu tô bem a fim de tocar que é na Rockambole. Primeira vez que a gente vai tocar lá, mas eu já fui uma vez no This Will Destroy You, achei muito legal o espaço. Muito legal tocar com a Boogarins. Rever o pessoal e voltar a São Paulo.
GABRIELLE PHILLIPI: Hoje em dia em São Paulo é o nosso melhor público.
MOODGATE: E o planejamento para o ano? Tem alguma novidade?
MARLON LOPES: Continuar a turnê e compor. Eu tô frenético mandando coisa no grupo e a gente ta muito a fim de compor logo algo novo. Bem diferente.
GABRIELLE PHILLIPI: Ficamos muito tempo cozinhando esse sonhos que nunca morrem e a gente quer fazer coisa nova.
MARLON LOPES: Sempre demoramos muito para ter o primeiro lançamento, de 2013 para 2018. Cinco anos para ter o primeiro. E depois o outro mais 5 anos… E agora vai ser um logo. Estamos com ideias muito legais.
MOODGATE: Para esse novo álbum, querem testar algo ou ainda querem se estabelecer no nicho com a fórmula atual?
MARLON LOPES: A gente quer mudar tudo.
GABRIELLE PHILLIPI: Nada de fórmula. Ficar mais livre ainda.
MARLON LOPES: Até estava falando com a Gabe, de tentar fazer algo que não precise de tanta coisa para funcionar. Não precisa de tanto synth e tanto efeito. Uma coisa back to basics. As músicas com estruturas mais imprevisíveis. Estamos ainda trabalhando, é difícil dizer como vai ser.
MOODGATE: Quero agradecer muito vocês por aceitarem essa entrevista. O site admira muito o som de vocês. Espero que venham para o Rio de Janeiro. Obrigado, de verdade. Querem deixar um recado para os fãs que estão vendo essa entrevista?
MARLON LOPES: Muito obrigado pelo espaço! Apareçam nos shows e estaremos em abril em São Paulo no Festaival 5bandas. Troquem uma ideia com a gente e aguardem porque estamos trabalhando. Em breve anunciaremos coisas novas.
GABRIELLE PHILLIPI: Uma coisa nova que já pode ter no 5bandas é o CD do sonhos que nunca morrem.