A identidade nostálgica do grupo sul-coreano Newjeans | Moodgate
Um novo sentimento para a música
2733
post-template-default,single,single-post,postid-2733,single-format-standard,bridge-core-3.0.1,qode-news-3.0.2,qode-page-transition-enabled,ajax_fade,page_not_loaded,,qode-title-hidden,qode_grid_1400,vss_responsive_adv,vss_width_768,footer_responsive_adv,qode-content-sidebar-responsive,qode-overridden-elementors-fonts,qode-theme-ver-28.7,qode-theme-bridge,qode_header_in_grid,wpb-js-composer js-comp-ver-7.9,vc_responsive,elementor-default,elementor-kit-7

A identidade nostálgica do grupo sul-coreano Newjeans

Seduzindo o espectador pelas estéticas impecáveis e as apresentações de dança com coreografias coordenadas, a música pop sul-coreana representa, sobretudo, a indústria fonográfica mais manufaturada do mundo. Com a esperança de um dia atingirem o estrelato, centenas de jovens na Coréia do Sul conciliam suas vidas escolares com treinamentos extensivos em dança, canto, atuação e o aprendizado de outros idiomas, seguindo rotinas rigorosas e dietas absurdamente subnutridas. Coordenados por agências de entretenimento de diferentes tamanhos e projeções, os chamados trainees dedicam-se para atingir um único objetivo: a perfeição. No K-Pop, tudo é milimetricamente calculado para que os artistas pareçam exemplares para sua audiência: evitam comentários pessoais ou polêmicos em redes sociais, vestem as maiores grifes da moda, ensaiam coreografias exaustivamente e treinam uma mesma canção por meses até que o desempenho esteja irrepreensível.


O grupo S.E.S (1997), a cantora BoA (2000) e o octeto Girls’ Generation (2007), três dos atos femininos mais populares e influentes da história do K-Pop

Para um público que presenciou os traumas midiáticos de Britney Spears em 2007 ou a demoção de Kanye West de seu status intocável, os idols coreanos parecem, desde o primeiro contato, irreais. E essa é a exata pretensão de suas agências, responsáveis pela curadoria de imagem de cada um de seus artistas, para parecerem inalcançáveis. Todos os anos, mais e mais grupos fazem suas estreias musicais na Coreia do Sul, mas poucos são aqueles que alcançam níveis razoáveis de sucesso. Não seria justo, no entanto, sugerir que essa saturação do mercado se deve às recentes conquistas de bandas sul-coreanas em territórios internacionais, uma vez que representa uma tendência que data do início dos anos 2000.

Ainda assim, emular a perfeição faz com que qualquer falha, por menor que seja, crie rupturas de imagem por vezes irreparáveis. Rumores de namoros ou erros inocentemente cometidos despertam, na maioria das vezes, a ira do público. É o caso de Danielle Marsh, integrante de dezessete anos do grupo Newjeans, que fez sua estreia em julho do ano passado. Numa recente mensagem enviada aos fãs em uma plataforma de interação exclusiva da banda, Danielle, nascida e crescida na Austrália, se referiu de forma equivocada ao ano novo lunar como “ano novo chinês”. Minutos depois, os portais de notícias locais reportavam o ocorrido para milhares de justiceiros virtuais que, sem qualquer pudor, decretavam o fim da carreira da jovem artista. Embora tenha se desculpado no dia seguinte, o deslize de Danielle rendeu inúmeros comentários de intenso ódio por parte de internautas sul-coreanos. Desde os anos 30, a China e a Coreia do Sul travam disputas culturais, idiomáticas e de território e o comentário de Marsh foi o suficiente para inflamar os mais diversos discursos sinofóbicos.

Foto promocional da divulgação do primeiro EP do Newjeans. Da esquerda para a direita, Hyein, Hanni, Minji, Danielle e Hani

Felizmente, a situação parece ter surtido pouco efeito na popularidade estrondosa que o Newjeans vem construindo doméstica e internacionalmente desde sua estreia. Composto por cinco integrantes de idades que variam entre dezoito e catorze anos, o grupo é um dos atos mais refrescantes, empolgantes e originais do K-Pop nos anos recentes. Além de Danielle, Minji, Haerin, Hanni e Hyein compõem uma formação que, numa indústria em que a plasticidade comportamental e estética já foi normalizada, cativa o público pela naturalidade. Um dos maiores trunfos da banda reside, no entanto, na forma com que, com muita legitimidade, mais se assemelham a um grupo de amigas adolescentes que aproveitam cada minuto no palco. É claro que tal percepção é deliberadamente produzida e orientada pela companhia de entretenimento que gerencia o quinteto, a ADOR, uma subsidiária da HYBE, empresa do imensamente popular BTS. Ainda assim, é impossível não se deixar levar, mesmo que por alguns instantes, pelos desempenhos enérgicas do Newjeans, além dos lançamentos que mesclam gêneros raramente explorados no K-Pop para formar refrões e batidas cativantes.

Bem como a dos demais grupos musicais na indústria sul-coreana, a estreia do Newjeans foi cuidadosamente planejada em seus mínimos detalhes. Diferentemente do mercado pop estadunidense, onde artistas e suas respectivas gravadoras elegem mais de um single no mesmo álbum, o K-Pop opera em frequências de lançamento tão frenéticas que dá preferência aos chamados mini-álbuns, os EPs. Para o debut do quinteto, entretanto, a ADOR recorreu a uma estratégia pouco usual ao liberar primeiro, em julho, o videoclipe de Attention, uma faixa com inspirações r&b e hip-hop que resultam numa canção pop viciante. Em uniformidade, a maioria das produções visuais do Newjeans exibem a banda em diferentes situações de lazer típicas da juventude, com filtros, roupas e todo um conjunto estético reminiscente do Y2K, mas, simultaneamente, extremamente atual.

Três dias depois da primeira faixa, a balada Hurt foi lançada também em conjunto ao videoclipe, cumprindo o planejamento de trabalhar quatro singles para a estreia do Newjeans. Foi com a dinâmica e divertida Hype Boy, todavia, que o quinteto entregou o maior sucesso do verão sul-coreano, inspirando diversos desafios de dança em plataformas como o Tik Tok e o YouTube. Mais do que seguir ondas sonoras e estéticas em voga, o Newjeans estabelece tendências que, mesmo com pouco tempo em atividade, mostram-se estrondosas na indústria fonográfica local. Apesar de não serem as vocalistas mais excepcionais de sua geração, as cinco integrantes trazem a naturalidade, o frescor e a ordinariedade como vantagem quando comparadas ao apelo genérico, perfeccionista e artificial de suas contemporâneas.

Apesar das polêmicas que envolveram a letra de Cookie, o último single do primeiro EP, a sucessão de lançamentos virais sedimentaram o Newjeans como as estreantes mais carismáticas e originais do último ano, rendendo recordes e premiações em eventos de larga escala na Coreia do Sul. Mais do que artistas meramente pensados para a impecabilidade, o quinteto surpreende pela participação e voz que possuem nas decisões do grupo, um benefício raro para os grupos de K-Pop, que, presos em contratos desiguais e traiçoeiros, seguem rigidamente as imposições de suas agências. Para o primeiro mini-álbum, a integrante de ascendência australiana e vietnamita Hanni contribuiu para a letra de Hype Boy, enquanto Danielle colaborou na composição de Attention. Além disso, não é incomum que as cinco integrantes se envolvam e ofereçam propostas para o direcionamento dos videoclipes e coreografias do grupo.

No inverno coreano, os dois singles mais recentes do Newjeans, Ditto e OMG, já alcançaram resultados avassaladores nas paradas locais e internacionais. Apesar de ter sido caracterizada inicialmente como uma faixa de pré-lançamento para a música de trabalho principal, Ditto quebrou recordes ao manter-se em primeiro lugar em todos os rankings das plataformas de streaming da Coréia do Sul, além de, recentemente, figurar no Hot 100 da Billboard, um feito inusitado para um grupo tão recente. Com a imensa popularidade doméstica, uma expansão para mercados internacionais seria tida como o próximo passo para outras agências de entretenimento, mas, no caso do Newjeans, a exportação do sucesso parece estar ocorrendo com nítida naturalidade.

About the Author /

joaomothe@moodgate.com.br

1 Comment

Post a Comment