Álbuns de 2023 que merecem a sua atenção | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Álbuns de 2023 que merecem a sua atenção

Em um ano marcado pelo retorno de artistas populares, hits virais de fim de relacionamento e shows e festivais caóticos, alguns lançamentos notáveis passaram sob o radar — até mesmo para a Moodgate. Mesmo com mais de cinquenta reviews de álbuns inéditos publicados no site ao longo do ano, a impressão é de que falar sobre música nunca é o suficiente. Acreditamos que a popularidade instantânea jamais será um sinônimo de boa música e, por isso, a lista de discos que passaram despercebidos em 2023 tem um único objetivo: prestigiar discos notáveis que confortaram, animaram ou impressionaram nossos redatores ao longo do ano, embora não tenham sido formalmente avaliados no site até agora.

Como critério principal, a lista compila exclusivamente projetos lançados entre 1 de janeiro e 15 de dezembro que ainda não tenham sido resenhados pela Moodgate. Naturalmente, excluem-se também os discos que tenham sido incluídos nos Moods mensais. O formato adotado é curto e objetivo, com a atribuição de uma nota e a seleção das faixas que acreditamos serem merecedoras da sua atenção.

Kelela: Raven
r&b alternativo; ambiente — 10 de fevereiro

Distante dos holofotes, Kelela se reservou, nos oito anos que separam o inesquecível Take Me Apart de seu novo lançamento, a um tipo específico de obscuridade. Uma que não necessariamente sugere angústia sentimental, e muito menos qualquer forma de anonimato; como um dos expoentes do R&B contemporâneo, a artista é conhecida não só por sua criatividade ilimitada, mas também por sua capacidade de produzir músicas que adequam-se ao isolamento de um quarto escuro da mesma maneira que às pistas de dança.

O ressurgimento de Kelela em seu novo álbum é tão literal quanto metafórico. O disco é repleto de sons que rastejam soturnamente para criar momentos de tensão tão carregados que, eventualmente, se rompem em batidas milimetricamente calculadas para preencher qualquer ambiente. Enquanto grandes lançamentos recentes inspiram-se na efervescência da disco music, Raven concebe uma proposta mais sutil, elegante e diversa, mas não menos convincente. Ao longo de sua uma hora de duração, o álbum elabora acenos a influências variadas sem suprimir a originalidade de Kelela. A cadência entre as faixas é impecável, fluida e, na maior parte do tempo, imperceptível, tecendo uma experiência que dificilmente seria reproduzida, nessa mesma naturalidade, por outro artista.

A sofisticada abertura com Washed Away é o prelúdio de um mergulho no clube noturno secreto mais exclusivo do ano, e Kelela sabe exatamente como manter seus convidados engajados. Por meio de contrastes sonoros frequentes, a artista expressa seu fortalecimento emocional e sua sensualidade no mesmo tom luxurioso em que presta uma homenagem, na seção intermediária do álbum, ao próprio renascimento. O ritmo é sempre expansivo e contagiante, mas nunca descomedido. Para o ouvinte casual, Raven definitivamente não se apresenta como a experiência dançante mais objetiva para uma noite de sábado, mas sim um disco que, sem esforço, pode complementar qualquer festa — quer ela seja celebrada por uma única pessoa em seu quarto ou sob as luzes pulsantes de uma balada lotada. — João Victor Mothé

Nota: 8.9
Melhores faixas: Holier, Raven, Bruises e On the Run

Pierce the Veil: The Jaws of Life
rock alternativo — 10 de fevereiro

Pierce The Veil era indispensável na era da Warped Tour, e clássicos como Bulletproof Love, A Match Into Water ou King For A Day ainda moldavam a cena pós-hardcore. A banda se ausentou dos olhos do público depois do lançamento de seu último álbum Misadventures em 2016, além da subsequente saída de seu baterista de longa data Mike Fuentes. Em The Jaws Of Life, entretanto, Vic Fuentes se despe e aposta numa mistura tocante de reclamação e resignação. No novo projeto, sua voz é a essência do grupo.

Mesmo que faixas seletas como So Far So Fake permaneçam fiéis ao gênero, a maioria das músicas aponta em outras direções: Resilience é uma reminiscência do Placebo devido à similaridade vocal e ao som mais suave, enquanto Shared Trauma até evoca o Twenty One Pilots graças ao seu caráter electro-pop. O disco não é puramente objetivo; algumas canções gostam de conquistar outros terrenos, que podem ser empolgantes ou apenas insossos.

Num outro registro, Pass The Nirvana traz modernidade e mudanças de ritmo bem sentidas, ao mesmo tempo em que a faixa título é uma pepita com energia extraída do desespero que varre tudo em seu caminho. Enquanto o baixo e a guitarra elétrica se destacam pelo uníssono harmonioso, os vocais de Vic Fuentes, em particular, garantem a autenticidade das canções e a verdadeira força de Pierce The Veil para correr riscos. — Beatriz Robaina

Nota: 7
Melhores faixas: Pass the Nirvana, Resilience e Bruises

Caroline Polachek: Desire, I Want to Turn Into You
pop alternativo; indie pop — 14 de fevereiro de 2023

A crescente popularidade de Caroline Polachek proporciona, à grande parte do público, a impressão de que a cantora surgiu do nada. O sucesso de crítica, as parcerias notáveis e um show lotado na edição de 2022 do Primavera Sound São Paulo, entretanto, não são por acaso: a mente por trás de um dos álbuns pop mais bem produzidos de 2023 é uma veterana da indústria, com quase vinte anos de experiência. Desde o início de sua carreira como metade do duo de snyth pop Chairlift, Caroline exibe uma capacidade ímpar de dar vida a algumas das faixas pop mais viciantes da última década ao mesmo tempo em que preserva seu espírito vanguardista, que ecoa a versatilidade de Kate Bush, Björk e Robyn. Por isso, não é coincidência que o Desire, I Want to Turn Into You, o segundo disco lançado por Polachek sob seu próprio nome, pareça tão simultaneamente grandioso e acessível.

O paraíso apresentado por Caroline em seu último projeto deslumbra desde a primeira canção, marcada por coros, harmonias e uma percussão ensolarada. Bem como no criativo Pang, de 2019, a cantora escolhe apresentar suas reflexões e narrativas por vezes pessoais em roupagens ora empolgantes, ora etéreas, e não por isso abdica do entretenimento característico das letras sem sentido tão comuns ao pop. Bunny is a Rider, o primeiro single do disco e eleita pela Pitchfork como a melhor música de 2021, desponta como uma das faixas mais viciantes do Desire, mesmo que, em suas próprias palavras, Caroline esteja falando sobre uma parte descolada de sua personalidade que está sempre pronta para qualquer proposta divertida.

No mesmo universo colorido de canções como a febril Sunset e a excitante I Believe, existe a atmosfera etérea de Hopedrunk Everasking que, ao lado da estonteante Butterfly Net, marca os momentos mais delicados do disco. Numa expressão da assertividade brilhante de Caroline, entretanto, as canções mais lentas e vulneráveis do Desire, I Want to Turn Into You não tornam-se menos interessantes mesmo quando sucedem as canções fabricadas com a explícita intenção de intoxicar o ouvinte com suas melodias repetitivas, como Fly to You, impressionante parceria com Grimes e Dido. — João Victor Mothé

Nota: 8.9
Melhores faixas: Blood and Butter, Pretty in Possible e Fly to You

Skrillex: Quest for Fire
eletrônica — 17 de fevereiro

Desprezado pelos puristas do bass music, Skrillex chegou no meio da explosão do dubstep no final dos anos 2000 muito energizado. Após dez anos de projetos cada vez menos originais, ele agora oferece Quest For Fire: baixos oscilantes, efeitos sonoros surpreendentes e convidados cujas vozes o DJ trata como materiais de construção. Não mais tão excessivo quanto nos dias de Bangarang, porém desenhado com caligrafia segura e praticada.

Porter Robinson, Fred Again…, Missy Elliott, Noisia, Aluna, Four Tet e uma série de outros parceiros de diferentes épocas e origens desfilam como medalhas na jaqueta Skrillex. À vista de todos, ele fugiu para conquistar o techno, house, hip-hop e transformou a energia não filtrada de Scary Monsters And Nice Sprites em uma aventura próxima do garage e breakbeat.

Capaz de absorver mais em seu vórtice artístico ao dar vida a faixas tão loucas quanto XENA, que ele compartilha com a cantora Nai Barghouti, ou tornar RATATA uma arte de samplear novidades, em Supersonic (my existence), os vocais de Josh Pan são moldados pela arquitetura de baixo erguida por Brady e Noisia. Durante parceria com Fred Again… e a lenda do leste de Londres, Mc Flowdan, Skrillex fez a verdadeira mágica acontecer através do hit Rumble tornando o projeto recheado o suficiente para ficar na história. — Beatriz Robaina

Nota: 8.2
Melhores faixas: Holier, Raven, Bruises e On the Run

Ondastral: Pare de Noiar
rock alternativo — 22 de fevereiro

Entre os lançamentos musicais do underground brasileiro neste ano, uma das ótimas surpresas foi o álbum Pare de Noiar, da Ondastral. De 2021 para cá, a banda catarinense de rock alternativo já havia lançado um EP de 5 faixas e outros 5 singles isolados, entre eles, o bem-sucedido Em Brasa, mas este primeiro álbum de estúdio é um divisor de águas, por trazer algumas das melhores canções da discografia do grupo até agora.

O maior exemplo disso é a balada acústica Avenida- Pt.2 – que é, certamente, a melhor música que a Ondastral já lançou, e mostra um grande amadurecimento do vocalista Gabs Matias como compositor. Entretanto, a banda também consegue acertar a mão em vários momentos mais animados, como nas faixas Oficina do Diabo, Tapa na Cara, Sinfonia de Deus e Nós Somos Tudo Lixo – que contaram com o exímio baterista JC Matias participando ativamente do processo de composição.

Este é, aliás, o primeiro trabalho da Ondastral a ter canções compostas não apenas por Gabs, mas também por JC e pelo baixista Vitor Sousa. A ideia funcionou! Não é à toa que, desde o lançamento deste álbum, o grupo vem colecionando vitórias cada vez mais constantes, entre elas, o feito de ser a primeira banda de Lages/SC a ser chamada para o icônico festival Planeta Atlântida, do Rio Grande do Sul. Com certeza, a Ondastral é um nome para ficarmos de olho neste atual cenário musical brasileiro. — Lucas Couto

Nota: 7.8
Melhores faixas: Avenida—pt.2, Oficina do Diabo e Tapa na Cara

Wednesday: Rat Saw God
indie rock — 7 de abril

Depois de um lançamento que consiste em releitura de artistas já estabelecidos, Rat Saw God é uma colcha de retalhos do sul dos Estados Unidos inspirada na estrutura “loud quiet loud” dos anos 90. Karly Hartzman se esforça para contar histórias com paixão e coragem e imprime a monotonia de um ambiente hostil e apático, por vezes alterado pela turbulência de sentimentos nascidos do puro desespero.

Os espaços brilhantes o Wednesday encontra no novo projeto são como contrastes líricos para lançar luz sobre tudo o que está amontoado num canto da sociedade. A épica faixa noise Bull Believer demonstra verdadeira catarse visceral da vocalista, que começa a gritar, guinchar e berrar como se lutasse contra o peso do mundo.

Combinando bateria pesada com feedback do que parece ser qualquer outro instrumento superior as partes intermediárias convencionais, o grupo oferece um compilado de canções que variam do shoegaze, grunge e country sinuoso o suficiente para capturar qualquer atenção. A dramática Fórmula 1, uma espécie de balada em que podemos ouvir a voz de MJ Lenderman, e músicas como Turkey Vultures ou TV in the Gas Pump também colocam o Rat Saw God no panteão do indie rock. Muitas vezes empregando estruturas incomuns e explorando a interseção entre o cativante e o descontente, a apreciação de Wednesday por clássicos como o Pavement ou o The Smashing Pumpkins ganha um foco ainda mais nítido no disco. — Beatriz Roabina

Nota: 8.6
Melhores faixas: Bull Believer, Formula 1 e TV in the Gas Pump

Blondshell: Blondshell
indie rock — 7 de abril

Em seu álbum de estreia auto intitulado na alcunha de Blondshell, Sabrina Teiteilbaum navega entre suas mais experiências mais remotas que, embora explicitamente particulares, encontram sincera ressonância em jovens adultos. Mesmo em seus atos mais instrumentalmente despidos, o disco convence pela lírica ora intimamente confessional, ora explicitamente sarcástica. Cruamente desinibida, a artista não hesita em partilhar seus progressos e amadurecimentos, mas é cuidadosa o suficiente para não mantê-los muito distantes de suas falhas e eventuais tropeços. A narrativa de dependência afetiva de Olympus, aqui imersa a um arranjo melancólico de guitarra, baixo e teclado, é sincera em admitir as dificuldades de preservar uma distância angustiante, mas necessária, de uma adição.

Em Salad, Blondshell toma sonhos frequentes como plano de fundo para revelar intenções homicidas para com o namorado abusivo de uma amiga, por mais especulativas e fantasiosas que sejam. Críveis ou não, as ameaças inflamadas de Sabrina representam apenas um dos extremos da corda bamba emocional e perigosa do disco. De um lado, Teitelbaum reconhece suas tendências autodestrutivas e flerta com o regresso a relações tóxicas e despropositadas, como na divertida Sepsis, mas, por outro, estende alguma empatia aos próprios erros e os de terceiros.

Embora as histórias contadas por Sabrina em seu primeiro álbum confirmem que a artista não se encontra isenta das crises identitárias tão típicas de sua faixa etária, confusões dessa natureza são, felizmente, evitadas na produção do disco. Blondshell parece saber exatamente como quer que sua música soe, apesar de ainda estar tentando descobrir, com a mesma precisão, como lidar com seus vícios, dilemas e romances. — João Victor Mothé

Nota: 8
Melhores faixas: Olympus, Salad e Veronica Mars

Waterparks: INTELLECTUAL PROPERTY
pop punk; rock alternativo; rock eletrônico — 14 abril

No menor álbum da carreira – são 31 minutos divididos em 11 faixas – o Waterparks leva o ouvinte em uma viagem divertida, descontraída e que casa muito com a sonoridade que a banda já havia apresentado em seus outros trabalhos. Aqui, porém, com uma pegada mais pop do que punk. O uso de sintetizadores é feito durante toda a estrutura do disco, que traz temáticas como autossabotagem, religião e autoconhecimento, tudo isso a um nível pessoal e único. A banda sempre foi muito autêntica em seus materiais, e, em Intellectual Property, é possível ver isso novamente, porém com um quê mais maduro e com novas referências.

Fica claro durante toda a obra que Awsten Knight (vocal), Geoff Wigington (guitarra) e Otto Woods (bateria) se divertem quando fazem música, utilizando elementos experimentais para dar um tom mais dançante para o rock que eles propõem. O álbum é bem amarrado, cheio de autorreferências e (curiosidade) traz o primeiro feat de todos os álbuns da banda na música FUCK ABOUT IT, com o cantor blackbear. Com tantas qualidades, como os assuntos profundos e a sonoridade cativante, fica fácil entender essa recomendação. — Helena Sbrissia

Nota: 8
Melhores faixas: SELF-SABOTAGE e RITUAL

Kara Jackson: Why Does the Earth Give Us People to Love?
folk; r&b alternativo — 14 de abril

No poema “O mundo vai acabar e meus avós estão apaixonados”, publicado em 2021 numa edição especial para jovens talentos da Poetry Foundation, Kara Jackson pede ao universo que, se tudo acabar, ao menos poupe o romance perpétuo de seus avós. Imagina, ainda, o que estaria fazendo nesta ocasião catastrófica. Apesar de cogitar estar acompanhada de alguém que ame, Kara reconhece, dramaticamente adversa, que sua alma gêmea é o sol, e que a morte é sua ideia para um bom primeiro encontro.

Dois anos depois, as mesmas reflexões continuam a assombrá-la em seu comovente álbum de estreia, onde Jackson reconhece a vida e o amor como dois fenômenos inescapáveis, tão fatídicos quanto a morte e a tragédia. Preenchido por arranjos orquestrais e instantes de absoluta sutileza instrumental nos quais a poesia de Kara parece ainda mais íntima, Why Does the Earth Give Us People to Love? é cheio de momentos sublimes. Em no fun/party, a artista medita sobre o fim de um relacionamento, além do real significado de amar outra pessoa. Ela acredita que todas as pessoas que já namorou tomaram seu afeto como algo garantido, mas que, talvez, essa seja a amarga natureza das relações. Talvez o amor nem seja tão divertido assim, mas Kara ainda o cobiça e lhe concede espaço enquanto aprende a conciliar sua racionalidade com o desejo de conhecer, na essência, esse sentimento.

Entre guinadas de produção teatrais e confissões das mais vulneráveis, Jackson reconstrói sua autoestima. Na magistral brain, empenha-se para reforçar não para seus ouvintes, mas para si própria, que o afeto não é uma moeda de troca e que, se seus infinitos temores continuarem norteando suas decisões, estará fadada a correr do amor que realmente merece. Inatamente sensível, Kara permite que suas revelações líricas sejam o ponto central de grande parte do álbum, não como alguém que se fragiliza, mas que se emancipa de seus traumas, desafetos e lutos, recusando-se a ser reduzida pela lástima. — João Victor Mothé

Nota: 8.4
Melhores faixas: no fun/party, therapy, free e brain

Jards Macalé: Coração Bifurcado
samba; mpb — 28 de abril

A arte de não morrer… e não estamos falando da terceira faixa de Coração Bifurcado, último disco de Jards Macalé, mas da capacidade que o carioca tem de atravessar décadas sem deixar sua poesia e musicalidade esvanecer em meio às novas fórmulas e plataformas.

Ao lado de Maria Bethânia, Ná Ozzetti, Guilherme Held, Thomas Harres e inúmeros outros nomes de peso, Macalé, após se render às movimentações políticas em Besta Fera (2019), voltou-se ao amor e suas ramificações em seu mais recente álbum de estúdio, o que é sintetizado pela primeira faixa, Amor In Natura, que anuncia que “o amor anda nas retas, o amor anda nas curvas; às vezes águas claras, outras vezes águas turvas”. Guiado por guitarras, baixos, baterias, cavaquinhos, pianos, doses cavalares de samba-canção e acenos aos moldes vintage de fazer música, Coração Bifurcado encontrou caminhos para chegar ao espaço reservado para os discos mais importantes de 2023. — Victor Rufino

Nota: 8.7
Melhores faixas: A Arte de Não Morrer, Mistério do Nosso Amor e A Foto do Amor

Aminé & KAYTRANADA: Kaytraminé
hip-hop; rap — 19 de maio

O álbum da dupla Kaytranada e Aminé, auto-intitulado Kaytraminé se apresenta em 11 faixas e com participações especialíssimas de Pharrell Williams, Snoop Dogg e da cantora ganense Amaarae. Produzido pela dupla durante a estadia em uma luxuosa casa em Malibu e contendo uma mescla muito bem equilibrada, na maioria das vezes, entre o estilo e sensibilidade dos dois artistas.

As batidas de Kaytra seguem uma evolução constante a cada lançamento, contendo cada vez mais variações e sutilezas integrando um instrumental criativo, original e rico em detalhes que, felizmente, acaba ganhando destaque em cima de algumas linhas de rap genéricas e exageradas de Aminé. Apesar de não convencional, esta também é uma forma de trazer equilíbrio ao álbum. Por outro lado, todas as parcerias potencializam a produção de Kaytra com refrões leves e versos cativantes, como ocorre na faixa 4EVA com Pharrell, e toda a descontração e fluidez de Snoop Dogg em Eye. Valendo destacar também as velozes, suaves e confiantes rimas de Freddie Gibbs na segunda faixa do disco letstalkabouit ornando com as linhas graves de Kaytra.

Kaytraminé explora sentimentos de leveza de uma viagem de verão, merecendo ser apreciado da forma como a sua própria capa sugere: curtindo um dia de sol na beira da piscina com um bom drink na mão. — Lucas Pires

Nota: 7.8
Melhores faixas: 4EVA, Westside e letstalkaboutit

ANOHNI: My Back Was A Bridge For You To Cross
soul — 6 de julho

Poucos dias após o lançamento de seu último álbum, ANOHNI atendeu, à pedido da Interview Magazine, uma chamada no Zoom com Björk para uma entrevista. ”Cair no desespero, na culpa ou na negação não é produtivo”, disse, na ocasião, ao mencionar as mudanças políticas e sociais dos Estados Unidos durante a era Trump. Embora verbalizada no tom mais casual possível, a frase sintetiza bem não só a carreira da artista britânica, mas também sua vida: aos cinquenta e dois anos, ANOHNI entende a arte e seu ativismo como esferas felizmente indissociáveis. Antony and the Johnsons, projeto encabeçado pela cantora desde o fim dos anos 90, leva como alcunha o sobrenome da militante Marsha P. Johnson, nome importante na luta pelos direitos civis LGBT nos Estados Unidos.

Não por acaso, uma foto de Marsha estampa a capa do último disco da britânica, My Back Was A Bridge For You To Cross. Embora tenha sido cruelmente assassinada há quase trinta anos, Johnson inspira o projeto muito além da imagem: assim como os arranjos de tirar o fôlego, as composições não temem explorar a vulnerabilidade de ANOHNI e, à bem da verdade, da própria existência. Por mais frágil que a performance da esplêndida There Wasn’t Enough seja, a artista não omite o caráter político da canção, que veicula alguns dos ideais mais proeminentes de sua militância. A relaxada It Must Change aponta na mesma direção e, como faixa introdutória, sintetiza o mantra principal do disco: lamentavelmente, na mesma proporção em que destruímos o planeta, estamos todos presos aqui.

Para além dos méritos líricos e das performances magníficas, é a versatilidade concisa da produção do My Back Was A Bridge For You To Cross que mais impressiona. Os baixos, os violões e a percussão oferecem uma carga emocional por conta própria, como na excepcional Rest, que mescla rock e soul para proporcionar a música mais impactante do álbum. Num momento político tão ameaçador para a comunidade LGBT, com mais de 500 projetos de lei que vitimam o grupo correndo nos Estados Unidos, ANOHNI mostra-se não só parte da luta, mas também usa de seus talentos inegáveis e de sua arte sensível e estonteante como plataforma. — Victor Rufino

Nota: 8.6
Melhores faixas: Rest, There Wasn’t Enough e Can’t

Dominik Fike: Sunburn
pop alternativo; r&b — 7 de julho

Sunburn, terceiro álbum de estúdio de Dominic Fike é um ode à nostalgia de diferentes situações que o cantor passou durante a sua vida. Nele, Fike mergulha em canções bastante pessoais, que transitam entre relacionamentos passados, memórias desorientadas e as fotos de família desgastadas pelo tempo.

O disco tem a participação de Remi Wolf na faixa Bodies, sendo a segunda parceria entre os artistas, considerando o lançamento de Photo ID, um remix de uma canção de Wolf. A banda Weezer (favorita de Fike) também marcou presença com o single Think Fast, que possui uma reviravolta sonora marcante. Além disso, Mona Lisa, música que Dominic desenvolveu para a trilha sonora de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, completou o álbum depois de sua estreia.

Sunburn é uma jornada sonora cativante que, mesmo predominando o gênero R&B, combina habilmente elementos do pop e rock alternativo sempre que pode, o que, notoriamente, mostra a versatilidade de Dominic. O artista, assim, molda sua arte em diferentes gêneros, junto às particularidades de sua personalidade. Diante a isso, ele também ressalta que a sua energia de desordem e vício se unem com a catarse para ressaltar a autenticidade de sua figura. — Giovanna Pavan

Nota: 8.2
Melhores faixas: Sunburn, Think Fast e Mona Lisa

Newjeans: Get Up
k-pop — 21 de julho

Em janeiro, um perfil do Newjeans na Moodgate detalhou a ascensão meteórica do quinteto e listou algumas das características que tornam o girlgroup um dos atos mais refrescantes não só do K-Pop, mas da música em geral. Embora o artigo acertasse ao sinalizar a naturalidade com a qual o grupo vinha ganhando projeção no mercado internacional, era impossível antecipar como, nos meses seguintes, o Newjeans ultrapassaria qualquer expectativa. Get Up, o segundo EP, não precisa de mais do que quinze minutos para convencer o ouvinte do porquê o girlgroup tornou-se, em menos de um ano, uma força comercial poderosa e incontestável na música.

Com uma sucessão de faixas com imenso potencial viral, o disco segue a sonoridade Garage adocicada já patenteada pelo quinteto no K-Pop. Ao fim de cada música, é difícil não se pegar repetindo mentalmente os refrões deliberadamente viciantes entoados pelo Newjeans, que dispensa alternativas mais versáteis para manter o som assinatura do grupo, aqui somado a frases repetitivas e vocais frequentemente assoprados. Super Shy, o single principal, exibe a essência do quinteto da forma mais intoxicante possível, com um verso mais pegajoso que o anterior.

Embora todas as canções do projeto cativem rapidamente por razões similares, Cool With You e a etérea e breve Get Up prendem a atenção pela sutileza em comparação a faixas mais aceleradas presentes na discografia da banda, como os hits OMG e Hype Boy. Tanto a faixa título do EP quanto Gods, último single lançado pelo quinteto para o mundial de League of Legends, mantêm as expectativas elevadas para o futuro do grupo de sul-coreano mais interessante de se acompanhar da atualidade. — Marcella Fronterota

Nota: 7.7
Melhores faixas: Cool With You, Super Shy e Get Up

Mammoth WVH: Mammoth II
hard rock; rock alternativo — 4 agosto

Neste segundo álbum de seu projeto solo, Wolfgang Van Halen (filho do lendário guitarrista Eddie Van Halen) segue a fórmula do autointitulado Mammoth WVH, de 2021: assim como no disco de estreia do projeto, Wolfgang compôs sozinho todas as músicas deste novo trabalho, e gravou todos os vocais e instrumentos presentes nele. O resultado disso é uma série de ótimas canções, e um show de virtuosismo vocal e instrumental digno de deixar os ouvintes embasbacados.

Apesar de ter sido baixista do Van Halen de 2006 a 2020 (ano da morte de Eddie e, consequentemente, do fim do grupo) e de já ter provado que sabe tocar todos os clássicos da banda na guitarra de maneira idêntica à de seu pai, Wolfgang reafirma, em Mammoth II, o desejo de construir sua própria reputação: ao invés de tentar reproduzir a sonoridade do Van Halen, ele optou, novamente, por fazer um rock mais moderno – com influências de nomes como Foo Fighters, Tool e Alter Bridge. Essa proposta sonora, além de ser extremamente acertada e estratégica para o objetivo de Wolfgang, funciona muito bem na prática: neste segundo álbum, o músico de 32 anos consegue, mais uma vez, o feito de demonstrar um talento tão grande quanto o de seu pai (o que é algo dificílimo, quando o pai em questão foi um dos melhores músicos da história) e, ao mesmo tempo, trazer consigo uma identidade própria.

É vero que Mammoth II não traz nenhuma mudança radical em relação ao álbum que o antecedeu. Porém, às vezes é bom não mexer em time que está ganhando: este é, certamente, um dos melhores lançamentos de rock de 2023, e cumpre o propósito de ajudar a projetar Wolfgang Van Halen como um músico que vai além de seu sobrenome. — Lucas Couto

Nota: 8.2
Melhores faixas: Another Celebration at the End of the World, I’m Alright e Take a Bow

Victoria Monét: JAGUAR II
r&b alternativo; pop — 25 de agosto

Victoria Monét escreveu diversas faixas para outros artistas das quais você provavelmente já ouviu e não sabe. Sua estreia como compositora foi em 2010 e desde então, a californiana vem participando de co-criações ao lado de sua amiga pessoal, Ariana Grande, responsável pela lírica de alguns de seus grandes sucessos – como Be Alright, Thank U Next e 7 Rings. Além disso, a cantora colaborou com outros artistas como Kendrick Lamar, Fifth Harmony e Chloe x Halle, tendo inclusive sendo reconhecida pela crítica pelo seu trabalho, razão pela qual recebeu indicações no Grammy nas categorias de Gravação do Ano, Álbum do Ano e Melhor Canção R&B, gênero em qual se destaca.

Neste entremeio, Monét estreou solo em 2014 com o EP Nightmares & Lullabies, sequenciado por mais alguns projetos menores que servem como um repertório de base sólida para a cantora. Em 2020, Victoria surge com Jaguar, um projeto inicialmente dividido em três EPs com faixas de uma qualidade incrivelmente superior aos seus últimos trabalhos – e aqui, adicionamos as devidas congratulações pela evolução da musicalidade da artista que, cabe-se dizer, é bonita de se ver. Não à toa, o que deveria ser a parte II do projeto, Jaguar II (2023) foi retrabalhado para ser lançado como um álbum, consagrando-se como o debut da cantora na indústria.

Num período do revival do R&B feminino, em 2023, cenário em que o gênero está evidenciado e muito bem representado por nomes como Janelle Monáe, SZA, Amaraae, Kiana Ledé e Kelela, Victoria Monét não surge como um nome a mais, mas sim como um ás; um combo de uma artista que possui referências de peso e sabe como utilizá-las. Ao mesmo tempo em que faz boas composições com temas atuais e ao mesmo tempo profundos, Victoria tem o know how de como aplicar tudo isso em melodias catárticas e funcionais. Some essa fórmula a colaborações que apenas comprovam sua excelência como artista – Earth, Wind & Fire – e você terá um resultado tão substancial quanto o Jaguar II. — Marcella Fronterota

Nota: 8.7
Melhores faixas: Alright, On My Mama e Hollywood

Del Water Gap: I Miss You Already + I Haven’t Left Yet
pop alternativo — 29 de setembro

O álbum I Miss You Already + I Haven’t Left Yet pode ser representado por uma noite de insônia repleta de pensamentos tempestuosos acompanhados de um cinzeiro abarrotado de cigarros apagados pela metade. Del Water Gap dá continuidade ao seu liricismo melancólico visível desde o início de sua carreira, já desaflorado em seu álbum anterior, autointitulado, de 2021.

O artista fala da sensação de estar sentindo o seu interesse amoroso se distanciar, lentamente, de um relacionamento que viveu, bem como a dificuldade em aceitar que as pessoas ao seu redor podem vir a se tornar estranhos. Mas, de um jeito poético e visceral, o disco, com 12 faixas, se mostra um retrato legítimo e brutalmente honesto de histórias de amor do eu lírico, que ao mesmo tempo luta com os episódios depressivos e crises existenciais.

As canções enfatizam ainda mais o sentimento intenso de Gap. O início do disco é explosivo, com batidas rítmicas envolventes e contagiantes, mesmo que com letras delicadas. Isso pode ser visto, principalmente, em All We Ever Do Is Talk, Quiet of Steam e NFU, faixas marcantes, que te tiram, por um momento, da realidade. No entanto, esse mar de águas se divide com músicas mais intimistas e delicadas. Glitter & Honey, Want It All e Gone in Seconds representam isso muito bem. São aquelas típicas músicas que tocam num fim de festa, baile, ou balada, levando qualquer um a refletir sobre a vida e qual o sentido dela.— Giovanna Pavan

Nota: 7.9
Melhores faixas: All We Ever Do Is Talk, Losing You e NFU

Beartooth: The Surface
metal alternativo — 13 de outubro

Em uma jornada de amadurecimento e construção de uma sonoridade sólida, a banda Beartooth, com o novo álbum The Surface, inova com uma nova mentalidade. Em seus últimos discos, as músicas eram caracterizadas pela abordagem sentimental íntima, com composições extremamente pesadas e viscerais sustentadas pelos vocais de Caleb Shomo. No último projeto, a banda se transforma em busca de um tom de euforia, otimismo e leveza, colocando em pauta o bem-estar da saúde mental.

Como referência no cenário do metalcore, The Surface renova o Beartooth ao construir um som sonoridade efervescente e único, com guitarras oitavadas e pequenos solos acompanhando as linhas vocais de Shomo que vão da visceralidade ao clean angelical. A composição das faixas tem sempre algo em comum, o que solidifica a nova identidade musical do grupo sem abandonar a essência dos primórdios, como em Sick e Disgustin. Ao longo de seus álbuns, o hardcore, pop e o metalcore sempre foram misturando se complementando harmonicamente, mas dessa vez a adição de elementos mais eletrônicos foram implementados a fim de proporcionar uma atmosfera mais pop que pretende, em consequência, atingir um público maior.

The Surface é o resultado de anos de amadurecimento do Beartooth em uma soma de elementos do pop, metalcore, post-hc e hardcore, criando um ambiente positivo e radiante que eleva a popularidade do gênero. As letras são o ponto do disco onde Shomo é mais pessoal e expõe todos os seus pensamentos. Intimista e inovador para o gênero, o último projeto da banda é sólido e merece a sua atenção. — Caio Bandeira

Nota: 7.7
Melhores faixas: Riptide, Sunshine e I Love Myself

LIA LIA: Angst
pop punk — 10 de novembro

É fácil entender o motivo de Lia Wang se referir a a sua alcunha artística como sua própria versão da Hannah Montana: ao passo em que Wang é uma jovem tímida e contida, LIA LIA é excêntrica e descolada; quando se sente triste, Wang maratona animes, enquanto LIA LIA abre shows para Doja Cat e performa canções divertidas de pop punk. Apesar da personalidade e postura essencialmente antagônicas às de Wang, LIA LIA é a plataforma para que a sino-alemã elabore alguns de seus traumas, expresse ideias bizarras e alcance dezenas de milhares de admiradores que estão tão cronicamente online quanto ela.

Seu último EP, Angst, sumariza um tipo específico de rebeldia próprio de jovens adultos que, assim como a artista, se veem frequentemente confrontados pela ansiedade e pela imensa vontade de jogar tudo pro alto. O título é ambivalente: no inglês, designa a palavra “angústia” mas, no idioma alemão, é traduzido como “medo”. Embora complementares, ambas as semânticas são exploradas por Wang com uma segurança e um amadurecimento notável em comparação ao seu último EP, Love & Melancholy, de 2022, não só por representar o momento em que a cantora abandona a cômica fantasia de mariposa do single I’m a Moth!! para estrelar videoclipes inspirados na estética inconfundível do diretor Wong Kar Wai. As faixas do Angst existem em uma interseção perfeita entre o pop punk e o indie pop, com alguma adoção da irreverência singular do pop japonês.

A música título é performada na espontaneidade característica de alguém que sabe que aquele refrão viciante vai grudar na sua cabeça por vários dias, enquanto momentos como I cry in my Mercedes sustentam com precisão a postura despojada arquitetada pela persona artística de Wang. ”Eu não quero muitos namorados, eu só quero superpoderes”, canta, sobre baixo e percussão crescentes que culminam em um refrão explosivo. Além da etérea I ride my bike, a narrativa obscura de 13 é outro notável destaque no EP. A canção é uma das mais vulneráveis do catálogo da cantora até agora, mas não por isso se torna menos atrativa que as demais. Diferente de LIA LIA, entretanto, Lia Wang ainda parece se surpreender a cada novo elogio, quase como quem continua oblívia ao fato de que já é uma das artistas mais autênticas do pop alternativo atual. — João Victor Mothé

Nota: 8
Melhores faixas: Angst, I cry in my Mercedes e 13
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