Primavera Sound 2023: 5 artistas da line-up para conhecer
Marcada para os dias 2 e 3 de dezembro, a segunda edição do Primavera Sound São Paulo impressiona pela line-up que concilia artistas clássicos de diferentes gêneros com novos e promissores talentos. Bem como no ano passado, o evento se distancia dos festivais já consolidados no país ao escalar nomes menos estrondosamente populares, do tipo que dificilmente enfileiraria canções no top 10 da Hot 100 ou do Spotify, mas que, ainda assim, arrastam hordas de fãs dedicados onde passam. É o caso dos headliners The Hives, Marisa Monte, Beck, The Killers, Slowdive e também dos britânicos do Pet Shop Boys, já há quarenta anos em atividade.
No último ano, Björk, Travis Scott, Arctic Monkeys e Lorde dividiram o festival com artistas de diversos nichos, já consolidados em seus nichos por aclamação crítica ou gradualmente ganhando novos públicos, como Caroline Polachek, Phoebe Bridgers, Arca, Beach House e Father John Misty. Embora novo no Brasil, o festival surpreendeu não só pela excelente organização de espaço, mas também pela seleção apurada de atrações.
Como já é tradicional na Moodgate, nossa curadoria seleciona, para além dos artistas em destaque dessa edição, cinco nomes da line-up de 2023 que merecem a sua atenção.
El Mató a un Policía Motorizado: a banda argentina que conquistou o mundo do indie rock
El Mató a un Policía Motorizado, também conhecida como EMAUPM ou Él Mato, é uma banda de indie rock argentina formada em 2003 na cidade de La Plata. O grupo é composto por Santiago Motorizado (vocal e guitarra), Santiago Vegetti (guitarra), Franco Battilana (baixo) e Lucas Napolitano (bateria). A banda foi formada em 2003 por Motorizado e Vegetti, que eram amigos de infância, e tem o nome inspirado em um livro de contos de Jorge Luis Borges, o Histórias de Cronopios y de Famas. El Disco de Tu Ciudad, o disco de estreia, foi lançado em 2004 para se tornar um sucesso de crítica e público, ajudando o quarteto a se tornar conhecido na Argentina. A sonoridade da banda é influenciada por inúmeros gêneros, incluindo o punk, rock, indie rock e post-punk. As músicas, nesse sentido, seguem a cartilha e são marcadas por guitarras distorcidas, baterias pesadas e vocais gritados. Mesmo assim, o EMAUPM também tem seu lado mais melódico, com canções suaves e introspectivas.
Em 2007, o grupo lançou seu segundo álbum, La Dinastía Scorpio. O projeto foi um sucesso ainda maior que o primeiro e ajudou a banda a conquistar um público internacional. Atualmente, já com sete LPs de estúdio lançados, dois discos ao vivo e um EP, o El Mató a un Policía Motorizado já fez apresentações no Brasil em duas ocasiões. A mais recente, em 2016, foi organizada pela Alavanca e visitou o Sesc Pompeia em São Paulo e o Festival Transborda, de Belo Horizonte, para duas noites memoráveis. Destaque na imprensa, o cultuado segundo disco da banda foi responsável por consagrar a turma de La Plata internacionalmente, a ponto de levá-la à capa de publicações como a Rolling Stone Argentina e a francesa Los Inrockuptibles.
De 2017, o potente LP La Síntesis O’Konor garantiu a primeira indicação ao Grammy Latino. No ano passado, uma das mais populares séries dramáticas argentinas em cartaz no Netflix, Okupas, escolheu exclusivamente composições repaginadas do El Mató para a trilha-sonora. O material rendeu a coletânea Unas Vacaciones Raras, lançada pelo selo do Primavera Sound, o Primavera Labels. O último álbum, Súper Terror, foi lançado em julho de 2023 e traz um trabalho heterogêneo, que se manifesta em diversas formas e registra um momento especial da El Mató: o pós-pandemia. A partir dessa realidade, inevitavelmente, uma nova rede de significados se conecta: um futuro incerto, rupturas e recomeços. Cada cena é contada a partir da poesia certeira de Santiago Motorizado. Alimentado e completado pelas melodias épicas e cativantes que são uma marca registrada do estilo clássico da banda, Súper Terror ainda traz novos paradigmas: novas missões para completar aqueles sons que continuam a expandir o universo musical de El Mató A Un Policía Motorizado.
Cinco músicas para conhecer: El Tesoro, El Magnetismo, Medalla de Oro, Mas o Menos Bien e El Magnetismo
Mateus Fazeno Rock: o rock de favela que desafia sistemas e crenças
Mateus Fazeno Rock é um artista e agitador cultural cearense que vem ganhando destaque na cena musical brasileira. Nascido e criado na periferia de Fortaleza, ele é um dos principais nomes do chamado “rock de favela”, um movimento que busca contrapor às formas hegemônicas de criar música, unindo as influências do grunge, punk, funk brasileiro, rap, reggae, dub e R&B.
A música de Mateus Fazeno Rock é marcada por letras politizadas e críticas aos sistemas de opressão. Em suas canções, ele fala sobre vivências e experiências faveladas, fazendo refletir sobre nosso tempo, nossa saúde e nossa continuidade. O artista começou a tocar violão na ONG Revarte (Resgate dos valores através da Arte), na Sapiranga, bairro onde cresceu. Mas sua virada artística veio mesmo a partir de um sarau, também realizado na região. Além de apresentar poemas e algumas músicas, Mateus era realizador do encontro, o que o colocou em contato com outros artistas e com o teatro. Apesar do contato com o rock através do grunge, Mateus não se identificava com os garotos loiros que via nas revistas. Ele buscava uma sonoridade que fosse mais próxima da sua realidade e da sua cultura. Ele não nega a influência do Nirvana em sua musicalidade, mas buscou fundir Kurt Cobain com Djavan e abandonou virtuosismos em prol de linguagens do punk, que exigem mais energia e vontade.
Durante a pandemia, Mateus lançou seu debut Rolê Nas Ruínas, que já soma mais de 600 mil plays apenas no Spotify e cuja turnê o levou a várias partes do Brasil, dividindo palcos com grandes nomes como Don L, Jonathan Ferr e Fernando Catatau e Juçara Marçal. Já em 2023, seu segundo álbum, Jesus Ñ Voltará, marcou uma nova fase em sua carreira. O disco é mais político e provocativo, desafiando sistemas e crenças de peito aberto interligado em canções sobre os ciclos de começo e fim de vida. É, sem dúvidas, um artista nacional que fará um show imperdível nesta edição do Primavera Sound.
Cinco músicas para conhecer: Jesus Ñ Voltará (feat. Jup do Bairro), Pose de Malandro/ Me Querem Morto (feat. Big Léo), Pode Ser Easy (feat. Mumutante), Névoa, Melô do Djavan
Kelela: a artista visionária retorna ao Brasil pela primeira vez após o lançamento do aguardado Raven
Como um dos nomes mais proeminentes do R&B alternativo, Kelela ganhou notoriedade já no seu primeiro disco, o brilhante Take Me Apart, de 2017. Se a maioria dos artistas começa a se aventurar na indústria no fim da adolescência, a estadunidense desafiou a norma ao lançar seu álbum de estreia aos 34 anos de idade e angariar, desde então, parcerias de sucesso e aclamação crítica generalizada. Tendo Björk e Janet Jackson como duas de suas principais referências, a música de Kelela é profundamente ancorada na promoção de uma intimidade sensível que é característica do R&B, mas raramente acompanhada de tanta experimentação.
Mesmo com pouco material de estúdio lançado, Kelela ganha espaço entre os artistas mais empolgantes do gênero pela excelência e perfeccionismo. Seis anos separaram seus dois únicos álbuns, e o resultado desse longo e meticuloso processo criativo foi o elegante Raven, de janeiro deste ano. Um ano antes, a artista compilou uma série de materiais dos mais diversos formatos e os enviou para os produtores que desejavam trabalhar com ela. De textos à manifestos, de podcasts à vídeos do YouTube, seus colaboradores deveriam consumir todo o conteúdo caso desejassem integrar a equipe. Para a Rolling Stone, Kelela contou que o longo período entre os dois projetos não se deu pela separação das faixas, mas sim por respeito a sua própria visão artística: “Não é como se eu tivesse feito um zilhão de músicas e aí selecionado por eliminação. Mesmo quando [os produtores] me contatar, eles já tinham uma ideia clara do que eles fariam pra mim”.
A cantora foi escalada para o festival numa última atualização da line up, que antes contava com Grimes como uma das headliners. Apesar dessa não ser a primeira vez de Kelela no Brasil, seu retorno é especialmente simbólico por suceder o lançamento do Raven. O novo projeto se distancia da paleta sonora mais diversa do Take Me Apart e tem suas raízes no ambient music e na cena underground britânica dos anos 90. Mais conceitualmente assertivo que seu antecessor, o álbum convida o ouvinte a mergulhar numa experiência contínua, na qual as faixas — e o próprio som — se movem com exímia fluidez, sendo até difícil perceber suas transições. Curiosamente, o clipe de Enough for Love, um dos singles do álbum, foi gravado na última passagem da cantora pelo Rio de Janeiro.
O show de Kelela no Primavera Sound é no sábado, primeiro dia do festival, dividindo espaço com headliners como Pet Shop Boys, The Killers, Marisa Monte e Cansei de Ser Sexy.
Cinco músicas para conhecer: Frontline, Better, On the Run, Holier e Raven
Soccer Mommy: a musa do indie rock melancólico
Sophia Regina Allison, mais conhecida pelo nome artístico Soccer Mommy, é uma musa do indie-rock. Sua música é como um arco-íris de emoções, que vai da melancolia à esperança, da tristeza à alegria. Cantadas em seu timbre suave e etéreo, as letras de Sophia são honestas e vulneráveis e a caracterizam como uma artista talentosa e original com um potencial raro de tocar as emoções de seus ouvintes.
As músicas de Soccer Mommy são geralmente sobre experiências pessoais, como relacionamentos, perdas e autodescoberta, e ela não tem medo de falar sobre seus sentimentos, por mais melancólicos e dolorosos que sejam. Your Dog, single principal do álbum Clean, de 2018, relata, por meio de metáforas inteligentes, sua experiência em um relacionamento confuso e abusivo. Já mais recentemente, no color theory, de 2020, a faixa yellow is the color of her eyes foi escrita sobre a doença hepática de sua mãe. Frequentemente, Sophia é descrita por seus admiradores e pelas publicações especializadas como uma das artistas mais consistentes do gênero, e não é difícil enxergar o porquê. No ano passado, o disco Sometimes, Forever trouxe algumas das faixas mais sombrias de seu catálogo até então, além de outras baladas indie tipicamente alinhadas com o som já desenvolvido por ela no passado.
Apesar disso, Soccer Mommy é uma artista que está em plena evolução, com um som cada vez mais complexo e experimental que explora novas possibilidades. Em 2023, a cantora lançou um disco de covers, o Karaoke Night, que conta com suas próprias versões de hits como Losing My Religion, do R.E.M., Soak Up the Sun, de Sheryl Crow, e I’m Only Me When I’m With You, de Taylor Swift. Se você está procurando por uma artista para contar com nos mais diversos momentos, vale a pena conferir.
Cinco músicas para conhecer: Bones, royal screw up, Your Dog, night swimming, e Unholy Affliction
Cansei de Ser Sexy: o comeback do indietronica
Uma das bandas que fazem você retornar aos anos áureos da MTV, Cansei de Ser Sexy é uma banda brasileira formada em 2003 e que alcançou o mundo inteiro com o seu indietronica fora da curva para o início do milênio. Graças ao estilo único, as faixas do CSS não só conseguiram entrar em paradas musicais importantes, como a Billboard Hot 100, mas também alcançaram grandes posições nos charts do Reino Unido.
Nos detalhes de músicas como Hits Me Like a Rock e Let’s Make Love and Listen Death from Above, há como sentir a essência criativa do CSS nas composições, como os sintetizadores, o baixo groovado, o vocal arrastado e intenso e a percussão bem dançante. A banda elevou não só a visibilidade do Brasil no mundo, mas também a forma de inovar nas produções do indie nacional, na contramão dos gêneros mais frequentemente associados ao país no exterior, como o samba e a bossa nova. Ainda além, o Cansei de Ser Sexy representou toda uma geração e teve participação nas trilhas sonoras do Big Brother Brasil 6, FIFA 12, The Sims 3: Pets e outras franquias. O grupo paulista apresentou uma maneira de inovar a música e atender às demandas dos jovens da época, desafiando a hegemonia do pop estadunidense que dominava as rádios e a televisão.
O disco autointitulado de 2005 trouxe uma mistura de synth pop com música eletrônica, combinados com letras sarcásticas e irônicas sobre os temas mais variados. Os versos repetidos e as batidas frenéticas foram marcas do projeto que embalou festas jovens por todo o país, mas também pelo resto do mundo. Por isso, é certo que o retorno no Primavera Sound promete surpreender e emocionar o público.
Cinco músicas para conhecer: Hits Me Like a Rock, Move, Let’s Make Love and Listen Death from Above, Music Is My Hot Hot Sex, Faith in Love e Alala.