Taylor Swift — The Tortured Poets Department & The Anthology
Taylor Swift se tornou uma força inescapável na indústria fonográfica. Quer estejamos falando sobre suas louváveis conquistas ou debatendo o risco ecológico de seus voos particulares, quanto mais uma discussão sobre música na internet se estende, maiores são as chances de que Taylor seja citada. Sempre que ela faz um novo anúncio, entretanto, seu nome deixa de ser uma possível menção em debates virtuais para dominar os Trending Topics do X. Não foi diferente com a divulgação do The Tortured Poets Department: do título do disco às imagens promocionais, tudo parecia apontar para um direcionamento artístico mais amadurecido, ou para o trabalho que provaria aos seus críticos que Swift não é apenas um fenômeno Pop aclamado pelos jovens, mas uma artista que, em sua música, concilia o comercial com pessoal. O álbum, entretanto, não faz nada disso.
Pouco criativa e nada ambiciosa, a produção do 11° disco de Taylor soa como se o Suno, software amador de inteligência artificial que cria músicas a partir dos comandos de seus usuários, tivesse sido usado para produzir as canções mais Taylor Swift e Jack Antonoff possíveis. Como produtor primário do disco, Antonoff reuniu todos os elementos sonoros mais previsíveis e característicos da década de oitenta e, por isso, quase tudo é eletrônico, com sequenciadores que embalam baixos, guitarra e percussão. Presumivelmente, qualquer que seja o instrumento usado, ele vem acompanhado de sintetizadores que, bem como no Midnights, estão por todos os lados — quer estejam fazendo escalas nada interessantes ou repetindo uma mesma melodia monótona ao longo da mesma faixa.
Tamanha previsibilidade é responsável por fazer com que, já na altura da quinta música, se revire os olhos no instante em que os sintetizadores aparecem, pulsando na sucessão de uma passagem vocal particularmente harmoniosa por parte de Taylor. So Long, London, a faixa em questão, apresenta algumas das letras mais engenhosas e poéticas de sua carreira: “Todo suspiro tem o ar mais rarefeito quando não se tem certeza que ele quer continuar (…) Quanta tristeza você achava que eu tinha em mim?”, canta, lamentando o fim de seu relacionamento com o ator britânico Joe Alwyn ao mesmo tempo em que se despede de uma relação afetuosa com a capital inglesa. “Você nos sacrificou para os deuses de seus dias mais obscuros (…) e eu estou muito irritada porque amava esse lugar; então até logo, Londres”.
Mesmo assim, para o ouvinte casual, pouco engajado nas narrativas contadas pelas letras da cantora e ainda menos interessado conectá-las com canções anteriores ou detalhes de sua vida pessoal, a experiência do The Tortured Poets Department é notavelmente repetitiva e solidamente entediante. A única verdadeira surpresa no projeto é perceber o quão abaixo da média ele é, tanto para os padrões de Swift quanto para os de Antonoff.
A impressão deixada pelo TTPD é a de que a estadunidense deve ter acumulado, ao longo dos últimos dois anos, um punhado de composições mais ou menos estruturadas e, no frenesi obsessivo de apertar ainda mais a coleira que instalou no pescoço da indústria fonográfica, decidiu simplesmente lançá-las sem a menor curadoria artística daquele material. Esta falta de entusiasmo debilita especialmente a eficiência de faixas como Clara Bow, na qual Swift aborda a tendência cíclica de Hollywood a substituir suas estrelas por contrapartes mais jovens e domáveis. Por mais vulnerável que a cantora esteja sendo ao assumir o quão apavorante a ideia de ser submetida a esse mesmo processo é para ela, é quase impossível se impressionar depois de mais de uma dezena de músicas de produção tão insípida e pouco inspirada. Não seria exagerado afirmar que, na esperança de se isolar das movimentações dessa mesma indústria misógina e etarista, Taylor tenha perdido, neste novo disco, a gana que torna a maioria de seus outros trabalhos tão autorais, sinceros e criativos para ser mais comercial do que nunca — o que é, definitivamente, um sacrifício imensamente frustrante.
Mesmo So Long, London é amputada por uma produção que constrói constante tensão, sem nunca necessariamente liberá-la. Isso não seria um demérito se a faixa não implorasse por uma ponte mais energética e carregada instrumentalmente, capaz de suportar o teor emotivo da composição. Florida!!!, parceria com Florence + The Machine, é um caso similar, apesar de notavelmente inferior liricamente (“Todos os meus amigos cheiram a maconha ou pequenos bebês”). Para além da dinâmica vocal plenamente desarmônica entre as duas intérpretes, a produção é tão desinteressante que é difícil se empolgar com a materialização de uma parceria tão aguardada. Intoleráveis na mesma medida, Down Bad e Fresh Out The Slammer são duas das canções mais formulaicas do álbum, soando como descartes do Midnights — que, por si só, figura entre um dos trabalhos mais genéricos e pouco inspirados de Swift até hoje.
Por outro lado, não é como se o talento de Taylor para construir narrativas atraentes e relacionáveis tivesse desaparecido completamente. Mesmo com o piano unidimensional, a balada loml é deslumbrante, numa mudança extremamente bem vinda em relação aos sintetizadores que praguejam o restante do disco. Enquanto The Smallest Man Who Ever Lived convence pela composição, a amena Guilty as Sin demonstra, apesar dos mesmos sintetizadores, uma produção mais carismática e assertiva em comparação às demais canções que abusam abundantemente do mesmo recurso.
Nos dias que sucederam o lançamento do projeto, entusiastas da cantora confrontados pela previsibilidade do The Tortured Poets Department dividiram-se entre culpar Jack Antonoff e alegar que o Synth Pop apresentado no álbum é a “sonoridade assinatura” de Taylor Swift, e que não há nada de errado em “repetir uma fórmula de sucesso”. Qualquer que seja o argumento escolhido, é notável que, por trás das escusas estratégicas dos fãs, o projeto é o menos criticamente bem sucedido da carreira da artista. Naturalmente, tais reprovações não representam qualquer risco ao império de Taylor, vide os recordes já quebrados pelo TTPD desde a última sexta (19). Ainda assim, é impossível não considerar que a inabalável rede de proteção construída ao redor de Swift não só por seus admiradores, mas também pela maneira como toda a indústria se aparelha em favor de seu estrelato incontestável, faz com que seja difícil que ela perceba quando está errando ou acertando, já que até mesmo uma faixa sem áudio lançada para promover o disco pode alcançar o primeiro lugar no iTunes graças ao empenho de seus fãs.
Mais do que simples amantes de sua música, parte do séquito de admiradores de Swift tornou-se tão irracional quanto seus críticos mais barulhentos. De dentro de suas trincheiras virtuais, em perpétuo estado de alerta, disputam em nome de suas relações parassociais com a cantora e têm como armas prediletas os registros de vendas e recordes quebrados por ela. Como escudeiros zumbificados, esbravejam que Taylor Swift é “a indústria” e “a compositora do século”. A réplica mais criativa, entretanto, aparece nas ocasiões em que algum artista ou celebridade tece qualquer comentário minimamente negativo sobre a música de Taylor: “é sempre alguém que temos que procurar no Google” — mesmo quando esse “alguém” é Joni Mitchell ou Courtney Love.
Naturalmente, esse não é um comportamento exclusivo aos swifties e, em incontáveis instâncias, suas defesas em prol de Taylor são mais réplicas acaloradas diante de acusações injustas e incoerentes por parte de seus opositores, que parecem tão obcecados pela artista quanto seus fãs mais dedicados. Não raramente, afirmam que Swift é a culpada por tudo o que há de errado na indústria fonográfica e, em casos mais extremos, chegam a associá-la a movimentos supremacistas. Poucos minutos após o lançamento do novo disco, um verso em que a cantora diz que, se pudesse escolher uma década diferente para viver, escolheria 1830, mas “sem os racistas e os casamentos arranjados”, viralizou no X. Embora certamente seja uma das frases mais bregas e estranhas presentes no catálogo da intérprete, o fragmento foi, como esperado, descontextualizado para que fosse possível alegar que, secretamente, Taylor estaria endossando a escravidão.
Apesar disso, parece ser um consenso entre ambas as partes que a parceria entre a cantora e Jack Antonoff expirou seu prazo de validade. Para justificar a mediocridade do projeto, os desagradados pelo The Tortured Poets Department recorrem à alegação de que o produtor já esgotou suas ideias, responsabilizando-o integralmente pelo resultado. Taylor, entretanto, é conhecida por sua ética de trabalho inegável e pelo costume de controlar cada aspecto de sua carreira nos mínimos detalhes. O problema nesse argumento é que, por mais que o som de Antonoff possa não apelar para alguns fãs, é comercial e interessante o suficiente para a própria Swift, que, se quisesse, poderia simplesmente trabalhar com outros nomes da indústria ou reprovar as criações de Jack.
Para a satisfação geral, no entanto, poucas horas depois do lançamento do álbum principal, a coletânea The Anthology, com outras quinze músicas, foi disponibilizada nas plataformas digitais. Nela, é Aaron Dessner, do The National, grande responsável pelo folklore e evermore, que assume as rédeas da produção. Com vocais mais limpos, instrumentais orgânicos e, felizmente, menos sintetizadores, The Anthology é significativamente mais convincente que sua contraparte anterior, embora ainda forneça espaço para algumas escolhas questionáveis. A ideia de destacar as letras K, I e M em thanK you aIMee, por exemplo, é a principal delas: é quase como se Taylor insultasse a capacidade dos ouvintes, e especialmente de seus fãs, em deduzir o óbvio e associar a canção a sua disputa com Kim Kardashian anos atrás.
Para o alívio dos amantes de seus trabalhos lançados durante a pandemia, o segundo disco conta com canções reminiscentes do evermore, mas não de uma maneira ruim. A melodia de Chloe or Sam or Sophia or Marcus cria a atmosfera de uma canção de ninar, que contrasta com a interpretação e lírica devastadora de Taylor acerca de um romance falido. A temática é reprisada na nostálgica Peter, na qual ela assume a figura de uma Wendy que não mais pode ficar na janela, aguardando o regresso de seu Peter Pan. Em mais uma boa sacada, Cassandra toma como referência a história da profeta mitológica que era desacreditada pelo caráter desastroso de suas previsões.
A despeito da recepção negativa, os recordes já batidos pelo The Tortured Poets Department revelam, em sua essência, o quão descomunal é a fama de Swift. Para o bem ou para o mal, não existe, no mainstream, qualquer artista capaz de rivalizar com o seu estrelato, e embora isso certamente agrade os fãs mais obcecados por seus resultados comerciais, condena a cantora a uma zona de conforto lamentável e perigosa, na qual não existe qualquer possibilidade remota de fracasso ou reprovação. Ao passo em que Taylor lança alguns dos projetos mais preguiçosos e pouco inspirados de sua carreira, os aplausos ensurdecedores de seus admiradores, que lotam estádios pelo mundo para assisti-la semana após semana, fazem com que as críticas, por mais válidas que sejam, se tornem meros zumbidos.
Os dois melhores trabalhos do catálogo de Swift, folklore e evermore, foram produtos de um momento em que sua imagem e carreira ainda se recuperavam de episódios delicados, além da decepção provocada pelo desastre de crítica do reputation e do Lover. Naquela época, um registro da cantora frustrada após o reputation não ter sido indicado ao Grammy de 2018 foi incluído em seu documentário da Netflix, Miss Americana. “Eu só preciso fazer um álbum melhor”, disse, com os olhos marejados. Mas desta vez, após ser eleita a Pessoa do Ano pela Time, se tornar a única artista na história a vencer quatro prêmios de Álbum do Ano e dominar o mundo com a turnê mais bem sucedida de todos os tempos, é altamente improvável que Taylor tenha a mesma conclusão.
Talvez a solução seja deixá-la em paz, ou simplesmente aceitar que, assim como parte de seus fãs, Swift não mais se preocupa com a qualidade de seu material, desde que cada novo lançamento seja mais um passo adiante em torná-la maior do que a própria indústria, um recorde por vez.
Welton
Discordo de você em alguns pontos, mas entendo muito sua crítica! Parabéns!