Criolo – Sobre Viver
É fácil falar coisas boas quando se trata do Criolo, um dos maiores nomes do rap e da música brasileira. Não seria diferente com o tão esperado novo álbum “Sobre Viver”. O nome traz essa ambiguidade entre “sobrevivência” e “sobre a vida”, e a obra vai além dentro desse tema passível de muita interpretação, abordando diversos assuntos sobre a realidade, luta e amor, trazendo um retrato real do Brasil que a mídia esconde.
Vem com a gente nesse review dessa obra prima repleta de camadas e não percam a oportunidade de conhecer este, que já é certamente um dos melhores do ano!
“Pra desabafar meu rap vai me levar
Aos confins do mundo pra dizer
Que só amor pode te afastar do canhão
De um doze, de um tiro, de uma arma, de uma desilusão.“
Criolo em Diário do Kaos.
É preciso endurecer, mas sem jamais perder a ternura. Essa frase atribuída a um famoso revolucionário latino reflete bem o sentimento geral na experiência “Sobre Viver”. Há muita história, sangue, suor, lágrimas e, sobretudo, amor nos temas, mas a forma com a qual Criolo os apresenta, com tamanha sensibilidade, reflete uma maturidade ímpar de alguém que vive na pele e vê tudo pelos próprios olhos. Há uma mensagem subjacente ao álbum que é a força do amor como instrumento de evolução, união e salvação. Esse não é um tema inédito e muito menos fácil de usar sem parecer superficial, mas não é o caso aqui, afinal, estamos falando de Criolo.
A potência do discurso somado à voz e ao trabalho impecável de produção – envolvendo grandes nomes como Tropkillaz, Daniel Ganjaman e o próprio **Criolo** – torna tudo muito emocionante, dando vontade de ouvir mais vezes. É; sinceramente, louvável toda a viagem sonora que ocorre ao decorrer do trabalho. Preste atenção nos instrumentos por trás da voz e perceba diversas influências e ritmos diferentes conversando entre si. Cada música é bem diferente da outra, mostrando toda a versatilidade dos envolvidos. Um rapper que consegue cantar em tantos estilos e produtores que demonstram fluência em muitas linguagens por serem capazes de misturar sem descaracterizar.
A abertura por parte de “Diário do Kaos” trás uma ode ao rap, algo que muda vidas e é capaz de desviá-las dos caminhos do medo e violência por meio da música e do amor. “Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais”, por outro lado, mostra o ciclo da violência e do racismo contra os pretos e favelados. “Moleques são meninos, crianças também” trás de forma bem gráfica uma das consequências mais dolorosas da desigualdade social e o mecanismo que vitimiza as crianças mais pobres.
Chegando no meio do disco, “Ogum Ogum” é uma das faixas mais marcantes, que vem pregando a coexistência de diferentes crenças e fim da intolerância religiosa, mostrando na letra a possibilidade de convívio entre o cristianismo e as religiões de matriz africana. Além disso, também conta com a presença da cantora cabo-verdiana Mayra Andrade. Já “Sétimo Templário” trás consigo uma das críticas mais incisivas e sem rodeios sobre diversas características da necropolítica do governo genocida brasileiro.
“Me corte na boca do céu A morte não pede perdão” é uma das maiores surpresas, capaz de tirar o fôlego de muitos com a presença de ninguém mais ninguém menos que a lenda viva Milton Nascimento. A música traz um ar denso ao mostrar as desgraças da desigualdade brasileira e evoca o carnaval como contraste a toda a podridão presente. “Yemanjá Chegou” evoca novamente a presença religiosa africana em uma canção belíssima e tocante, onde contrasta com o retrato do cotidiano brutal da massa preta no Brasil.
“Pequenina” é um nó na garganta do início ao fim. Uma música muito forte e com uma mensagem de trazer lágrimas ao mais duro coração. Ela conta com a participação de MC Hariel nos versos, Liniker nos refrões, do arranjador Jaques Morelenbaum nos instrumentais e, ninguém mais ninguém menos, que Maria Vilani, mãe de Criolo, que divide com ele essa letra em homenagem à falecida filha/irmã de Criolo, Cleane, vítima da pandemia de Covid-19.
“Quem planta amor aqui vai morrer” é sonoramente uma surpresa interessante pela atuação na voz do cantor ao incorporar uma forma de pronunciar característica da figura do caboclo e traz na letra, literalmente, a mensagem do título, aquela sensação de que todo benfeitor acaba se dando muito mal, sobretudo no Brasil.
“Aprendendo a sobreviver” trás uma espécie de alívio esperançoso tanto na pressão sonora, após tantas músicas compenetrantes, quanto na letra. Um deleite musical para fechar essa obra maravilhosa.
Não percam essa aventura musical tão aclamada e esperada! Espero que este review tenha te compelido a conferir a obra e a arte de Criolo em “Sobre Viver”, e que sua música possa te levar amor. Nos vemos na próxima matéria da Moodgate! Beijos e muita luz para você.
Fábio Reina
Obra prima! Surpresa muito boa.