O experimentalismo viciante do hyperpop: 5 artistas para conhecer o gênero
Embora constantes, as transformações experimentadas pela indústria e o que se intitula como mainstream tendem a não ser muito drásticas. Se nos anos cinquenta era impossível sintonizar a uma rádio sem escutar baladas românticas e esperançosas, a sonoridade que definiu o fim da década de noventa e boa parte do novo milênio foi um pop chiclete e formulaico: refrões memoráveis com percussões animadas, por vezes acompanhadas de letras sugestivas cantadas por um artista, em alguns casos, jovem demais para aquela alegoria toda.
Ainda que bandas masculinas como o N’Sync tenham dominado o princípio desse período, foram intérpretes como Britney Spears, Nelly Furtado e Rihanna que cantaram o som definitivo da época, com faixas produzidas por Max Martin, Timbaland e Will.I.Am.
Na atualidade, é comum que diversos artistas emulem o padrão não só sonoro, mas também estético da época. Simultaneamente, o Soundcloud e outras plataformas de streaming e publicação de mídia independentes na internet têm sido o principal meio de divulgação de faixas experimentais repletas de texturas, distorções vocais e instrumentação ocupada. Mesmo com as pesadas batidas industriais que geram uma impressão bagunçada, as canções podem ocasionalmente representar melodias inerentemente românticas, opressivas ou até mesmo fazer uma ode ao pop noventista.
O chamado hyperpop tem sua disseminação majoritariamente virtual: sua inventividade e beats agressivos não projetam uma experiência exatamente radiofônica, muito embora artistas emblemáticos do gênero tenham alcançado algum nível de sucesso no mainstream. Desde o princípio, Charli XCX é tida como um dos principais nomes da PC Music, termo comumente utilizado como um guarda-chuva para abrigar gêneros que vão do hyperpop ao tradicional bubblegum pop. Em diversas faixas, a impressão que se gera é que inúmeras décadas de tendências sonoras se encontram concentradas e compiladas numa mesma canção, como no caso dos lançamentos da dupla americana 100 gecs e da venezuelana Arca, frequente colaboradora de grandes pilares da indústria fonográfica.
Se seu principal meio de consumo musical é a internet, você provavelmente já se deparou com alguma melodia supostamente confusa ao primeiro contato e talvez até mesmo tenha reproduzido um dos comentários mais comuns ao gênero, associando-o ao som de panelas colidindo. Na maioria das vezes, o apelo do hyperpop se encontra na identidade visual dos artistas e no caráter descontraído, mas ao mesmo tempo muito engenhoso, de suas produções. Abaixo, a Moodgate selecionou cinco dos principais músicos do gênero pra você conhecer!
Slayyyter
Com uma recente passagem pelo Brasil, Slayyyter coleta e apropria-se de signos da cultura pop comuns ao início do milênio. *“Acho que a Pitchfork acaba de dizer que sou uma *bimbo* sem cérebro ou algo assim, e isso é meio atraente”*, comentou a artista no Twitter seguindo a publicação de um *review* de Troubled Paradise, seu segundo álbum, feito pela revista musical. Slayyyter não se incomoda em ser ou vestir as diferentes personas demandadas pela mídia ou por seu público e, ainda assim, construiu um forte senso de identidade à luz de inspirações ainda tão vivas no imaginário de jovens adultos.
Em sua mixtape auto-intitulada, não poupa menções sobre um estilo de vida luxuoso e recorre a insígnias, grifes e estilos de vida quase canonizados na cultura pop do período que referencia, como medalhões combinando da Juicy Couture, jeeps brancos, limousines rosas e sex tapes publicadas pelo TMZ. Em Celebrity, um dos destaques do projeto, Slayyyter chega a projetar-se como o objeto de escrutínio e obsessão de tabloides, simulando momentos repletos de paparazzi vividos por ídolos como Britney Spears e Paris Hilton, mas não por ela. Mais do que um simples arauto do Y2K, Slayyyter toma decisões artísticas baseadas em seus próprios instintos e, em seu segundo LP, arrisca alcançar zonas distantes para o arquétipo comum da popstar, com diss tracks inespecíficas com um instrumental que associa o hyperpop com o rap.
SOPHIE
Em janeiro de 2021, o anúncio do falecimento da produtora e cantora irlandesa SOPHIE foi recebido com pesar e choque por fãs e artistas, que inspiravam-se nas produções vanguardistas da intérprete em seus próprios trabalhos. Com alguns lançamentos que mais aproximavam-se de um dance pop eletrônico perfeito para clubes noturnos em 2013, 2015 foi o ano em que a cantora passou a deixar uma impressão definitiva em seus ouvintes com suas faixas psicodélicas que operavam em lógicas muito distantes do pop comum. Seções instrumentais com drops bem demarcados e batidas que reproduziam sons de máquinas caracterizavam uma sonoridade autêntica e, em algumas ocasiões, ainda assim pop. É o caso do synth pop melodramático de It’s Okay to Cry, de seu primeiro álbum de estúdio, o OIL OF EVERY PEARL’S UN-INSIDES.
Nesse disco, SOPHIE solidificou-se como um dos rostos principais de um hyperpop que já alastrava-se como fogo pela internet. Numa mesma faixa, ela explora momentos de puro êxtase melódico e sons encantadoramente assustadores, reminiscentes de gêneros muito destoantes do inicialmente proposto, como variantes do metal e do trap. A grandiosidade dos destaques individuais do álbum, um clássico fundamental e irrevogável do nicho, alia-se à persona enigmática da artista que, além de auxiliar a definir a tendência, era uma transativista presente em discussões sobre gênero e a discriminação na indústria fonográfica.
ARCA
As produções de Arca são hiperativas e dotadas de vida própria. Prévia colaboradora de artistas como Björk, Kanye West e FKA Twigs, Arca é, graças às suas produções bem elaboradas e revolucionárias, um dos nomes mais proeminentes do hyperpop. @@@@, seu lançamento de 2020, funciona como um álbum completo dentro de uma única faixa com uma hora de duração; uma experiência sonora criativa que também pode servir como ingresso no trabalho genial da produtora. Mesmo em suas canções mais melancólicas, Arca empenha-se nos mínimos detalhes da composição e produção a fim de entregar faixas monumentais tanto pelos aspectos conceituais que revestem a obra, quanto pela completa abstração sonora.
O catálogo de Arca é expressivamente diverso e variado, com destaques dos mais variados. KiCk i, também de 2020, foi o primeiro uma sucessão de outros quatro discos com o mesmo título lançados no ano seguinte. Embora cada um tenha sua própria identidade, partilham de alguns dos aspectos fundamentais do trabalho da venezuelana: suas letras que, apesar de por vezes debochadas, são capazes de abordar temas intrinsecamente políticos numa roupagem da mais extrema que o hyperpop tem a oferecer, mas também da mais recompensadora.
100 gecs
Composto pela dupla Laura Les e Dylan Brady, o 100 gecs destaca-se como um dos principais atos do hyperpop. Com faixas maximalistas e instrumentação que pende ao pop na mesma proporção que ao trap e até mesmo hip hop, o duo é caracterizado por uma sonoridade mais acessível e prática que seus colegas de gênero, do tipo que, com a promoção certa, alcançaria rádios por todos os Estados Unidos. Não é essa, ainda assim, a ambição do 100 gecs: assinam e executam todas as particularidades de cada um de suas músicas e não reduzem o experimentalismo em prol da simplicidade ou acessibilidade.
O 1000 gecs, o primeiro álbum da dupla, recebeu críticas positivas e os colocou no mapa como um dos nomes mais promissores do eletrônico, num som refinado e vocais estridentes, acompanhados de autotune e batidas aceleradas. Usualmente tidas como um misto caótico e divertido do pop e do trap, suas produções acumulam centenas de milhões de ouvintes no Spotify. O último single, Doritos & Fritos, navega por inspirações mais alinhadas com o indie rock, sem abandonar o som assinatura das faixas anteriores.
Ayesha Erotica
“Aqui é Ayesha Erotica, a vadia de cocaína número um do mundo”. É desse modo ridiculamente descontraído que a artista se apresenta na introdução de Literal Legend, uma de suas faixas mais populares. Em 2016, começou a publicar suas produções despretensiosamente no Soundcloud e, em diversos momentos dos últimos anos, suas canções e remixes viralizaram no Tik Tok graças ao teor cômico e extremamente explícito. Enquanto músicas extremamente sarcásticas e divertidas eram lançadas em seu perfil, legiões de ouvintes agregavam-se em fóruns para especular sobre a identidade da produtora que, como ninguém, parecia emular a sonoridade característica dos anos 2000 em odes explícitas ao Y2K da época.
Ayesha não apenas se inspirava no pop da década anterior, mas também na imagem e na cultura das celebridades: cantava sobre vestir Juicy Couture e ter um homem mais velho para financiar seus gostos caros, tudo isso enquanto listava Lindsay Lohan, Paris Hilton e Nicole Richie como possíveis convidadas de uma festa imaginária. Desaparecendo misteriosamente após ter sido vítima de exposição de seus dados pessoais, Ayesha não mais publica músicas em seu Soundcloud e seu perfil no Spotify é gerenciado por um fã.