Gorillaz – Cracker Island
É incrível a ideia de uma banda virtual nos anos 90 ter se mantido tão bem por um quarto do século. Quando Damon Albarn e o quadrinista Jamie Hewlett exploravam o conceito Gorillaz em seu apartamento compartilhado, a MTV ainda estava no ar e tudo digital era novo, nítido e quente. Em termos de humor, Cracker Island é ainda mais dividido. A gangue dos macacos se vestiu para baladas reminiscentes de Humanz (2017), apenas para logo depois poder desfrutar das viagens psicodélicas de seu sucessor The Now Now, de 2018. Para manter a cabeça fria como ouvinte, é melhor ignorar todo o experimento científico que o Gorillaz está chamando de nova música — e ficar feliz que o melhor grupo cibernético do mundo gerencie sem erros um equilíbrio entre teimosia e sensibilidade ao pulso do tempo, mesmo na terceira década de sua existência.
O álbum anterior, Song Machine, Season One: Strange Timez (2020), apresentou um desfile de estrelas, com Robert Smith a Elton John. Foi divertido, mas também genérico no geral. Tendo convidados como Beck, Tame Impala e Stevie Nicks, Cracker Island vai na mesma direção, mas com um pouco mais de sutileza. No final, não importa quem está contribuindo: a melancolia pastoral típica de Albarn corresponde a um som pop diversificado, produzido pelo vencedor de nove prêmios Grammy, Greg Kurstin (Adele, Foo Fighters).
Durante a abertura de funk e synth-pop com Thundercat, além de uma nova parceria sonoramente agradável guinada por Beck em Possesion Island, Albarn tenta oferecer o máximo de alegria possível nessas colaborações. Gorillaz é uma folha em branco na qual artistas pintam sua visão do electro-pop em algum lugar no meio de festa e desgosto. Também acompanhado por harmonias profundas de Stevie Nicks, Damon Albarn muda o humor com Oil; originalmente destinada à Julian Casablancas, a presença de Nicks nos vocais soa como um desdobramento contemporâneo de Tango in the Night de Fleetwood Mac.
Cracker Island está em algum lugar na Califórnia, dessa vez não muito ensolarada, onde 2-D, Noodle, Russel Hobbs e Murdoc Niccals se juntaram ao The Last Cult. A partir daí, o grupo busca “ascensão coletiva para uma nova dimensão”, pelo menos é o que o baixista Niccals cita no anúncio do álbum. Em geral, o Murdoc de aparência sombria, que fica em segundo plano, agora parece se mover e controlar as coisas. Albarn entendeu que o efeito da música animada – o sentimento estimulante e fortalecedor – pode ser contrastado e amplificado com passagens mais sonhadoras. Juntar este truque às contribuições dos convidados, é, acima de tudo, o principal talento criativo do britânico que volta a detonar como explosivos.
Uma crítica severa à cultura da sociedade atual, relembra o estado de espírito do álbum Plastic Beach (2010). Em arranjos que se afastam dos ritmos do hip-hop para se cruzarem nas sonoridades feitas de baixo funk, guitarras disco rock, sintetizadores com um sabor bem oitentista, chega-se finalmente ao artefato precioso Skinny Ape e a caribenha Tormenta, compartilhada com a estrela contemporanea, Bad Bunny. Existe grande curiosidade e um prazer lúdico – mas nunca regressivo – sem limites para dar forma ao pop passado e, de fato, presente.
Uma versão deluxe de Cracker Island, disponibilizada na madrugada desta segunda (27), contou com a colaboração especial do brasileiro Mc Bin Laden. Já anunciada pelo artista em 2022, Controllah une fragmentos do funk e rap, além de fazer uso de efeitos sonoros habituais da banda e alusões líricas às “ondas do Rio de Janeiro”. O disco deluxe também incluiu as faixas Captain Chicken, com Del The Funky Homosapien, e Crockadillaz, com De La Soul e Dawn Penn.
Pedro
Realmente o álbum é um experimento científico, em nenhum momento tem como prever para onde o álbum está te levando. As três músicas que mais me chamaram atenção num primeiro momento foram a Controllah, Cracker Island e Possession Island. Um review muito bem escrito e preciso, vale a pena ouvir o álbum novamente depois da leitura!