Em São Paulo, Placebo faz show tecnicamente perfeito, mas peca pela escolha de repertório
O Placebo chegou a São Paulo com grande responsabilidade: transformar a sua única data de turnê no Brasil em uma noite memorável para parte dos fãs do país.
A banda, que tem como integrantes originais o duo formado pelo místico mas carismático Brian Molko, e o guitarrista/baixista Stefan Olsdal, embalou o domingo da capital paulista com seu som pautado no rock alternativo anos 90. O grupo quase rejeita as modernidades de última geração, é verdade, mas é bem entrosado em cima do palco por conta da qualidade dos instrumentistas — na turnê, cerca de mais 4 excelentes músicos acompanham a dupla.
Tecnicamente, a execução beira a perfeição. Talvez seja até por isso que antes do pontapé inicial eles divulguem um comunicado nos telões pedindo para não serem filmados durante a a performance: segundo o próprio Brian, o uso dos aparelhos atrapalha a banda, assim como os fãs que assistem ao show esperando não serem incomodados por luzes indesejadas e telas por todos os lados. Ou seja: os smartphones poderiam estremecer a conexão entre fã x artista. O aviso soa como um ultimato: curta o show sem filmar todas as faixas.
Após quase dez anos desde a última vinda, eles desfilaram alguns hits para 7 mil pessoas em um Espaço Unimed quase cheio, ainda que pareçam ter demorado um pouco para conquistar o público. O show, em si, foi muito bem arranjado e construído; desde as jams sustentadas pelos teclados e synths até à incrível iluminação, mas a sensação que fica é que a banda incluiu no repertório muitas faixas do mais recente trabalho, Never Let Me Go, o que pode ter causado certa dispersão na primeira metade do set.
Entretanto, as novas canções não distanciaram o pilar mais concreto de qualquer artista internacional: os fãs. “Amo Placebo há muitos anos e nunca tinha visto a banda ao vivo… e mesmo com toda polêmica sobre a setlist, tocaram músicas novas que adoro e clássicas que cresci amando”, declara Teko, fã há quase 30 anos. Ele continua: “estava ansioso para vê-loz pela primeira vez, tenho a sensação de dever cumprido após o show. Afiadíssimos no palco e foi tudo que eu esperava e muito mais!”.
Imersos na cultura alternativa e um dos grandes nomes do revival do pós punk na transição do milênio, é provável que o espectador também enxergue elementos do glam e até do gótico no duo. Em alguns momentos eles preferem se posicionar entre sombras e luzes neon ao invés de sempre estarem em foco, criando mistério na performance.
Distantes do grunge e do nu metal característico da época e mais próximos da new wave, o Placebo faz som e ecoa o discurso de quem questiona, reprova e bate de frente com algumas das normalidades sociais de tempos passados (por mais que não sejam fãs de iPhones e o tal progressismo soe contraditório). Não há muita conversinha ou espaço para grandes demonstrações políticas, mas quem acompanha entende sem esforço o que guia Molko e Olsdel.
O público respeitou o pedido para não filmar o máximo de tempo possível. Na era das redes sociais, o quão difícil e conflitante é uma banda internacional pedir para não ser gravada?
Era claro e evidente o anseio de alguns que queriam colocar seus celulares no ar para criar pelo menos um registro da noite. E foi exatamente o que aconteceu a partir da boa Exit Wounds, que antecedeu alguns dos momentos mais animados da performance.
A sequência Slave to the Wage, Song To Say Goodbye e The Bitter End levantou a galera e preparou o terreno para um bis esperançoso. Infra-red, Taste In Men e Fix Yourself pareciam encaminhar o show para um final apoteótico, mas na hora de fechar com chave de ouro, uma surpresa não tão surpresa assim: Running Up That Hill, cover de Kate Bush.
É de se agradecer ao fenômeno Stranger Things, da Netflix, por ter valorizado essa canção como realmente merecia, mas com tantos hinos na discografia é desperdício encerrar a primeira apresentação no Brasil em 10 anos com uma versão de um hit de outra pessoa — por mais sucesso que tenha feito e por mais incrível que ela seja.
Ainda que a discussão seja valida, entre pontos e argumentos sobre escolhas de repertório ou o uso de celulares, o Placebo parece tornar as “polêmicas” ao redor de suas performances em detalhes, abrindo espaço para o som e engrandecendo a conexão com o público. Em uma época onde tudo soa superficial, principalmente online, é bom saber que ainda existam os que fazem da música protagonista.
Brian, Olsdal e cia fizeram um show convincente que deixou “gostinho de quero mais”. A torcida fica para que o “mais” não demore novamente 10 anos para acontecer.
Ray
Amei demais! A forma que vocês escrevem essas resenhas me fazem sentir presente nos shows, é bom demais!
Só continuem!!! ⚡️