Explorando a faísca de Slipknot (1999) em 5 faixas
Em meio à árida paisagem de Iowa, nove instrumentistas se uniram sob a mentoria do produtor Ross Robinson (Korn, Sepultura), dando origem a uma nova tempestade sonora. Seja pela bateria frenética ou pelas amostras de samples incomuns, alguns dos ingredientes essenciais do Slipknot ainda martelam impiedosamente ambos os hemisférios do cérebro. Durante a gravação de seu álbum autointitulado, as músicas se transformaram em hinos para vermes incompreendidos, enquanto o disco vendeu milhões de cópias e consolidou a banda como um sinônimo de desespero.
Esses esquisitos da horda também conquistaram fãs desconfiados com uma combinação de macacões vermelhos e máscaras de Halloween, que agora varriam a América, impulsionados pelo ódio do deserto de onde vieram. Retornando às raízes ao priorizar o disco homônimo na setlist do Knotfest, a Moodgate separou 5 faixas essenciais para revisitar antigos lançamentos com uma despreocupação crua e sádica
PURITY
Corey Taylor, fascinado por temas psicológicos, injetou sua própria visão artística na faixa ao se inspirar em um conto fictício chamado Purity Knight. A história narra a experiência angustiante de uma pessoa que foi enterrada viva e suportou uma lenta descida à insanidade, culminando, por fim, na morte.
Com uma destilação de energia primitiva, essa convergência cruel e melódica em Purity é caracterizada pela alta dosagem de um de seus principais elementos: o ruído. Mas aqui, ele não funciona como mero pano de fundo; ao contrário, atua em uma textura que aprofunda seu impacto lírico. Isso se manifesta através do arranhado metálico, amostras distorcidas e bases caóticas da percussão criadas por Shawn Crahan, como se o som estivesse tentando escapar de um confinamento
A bateria de Joey Jordison sustenta quase toda a faixa com precisão de espadas, criando um ritmo estreito que nunca cede. É como se seu drum kick fosse representado pelos batimentos cardíacos de uma figura em pânico, enquanto os riffs de Mick Thomson e Jim Root, amarrados ao baixo groove de Paul Gray, complementam com dissonância a loucura da narrativa. Embora tenha sido eventualmente retirada das edições posteriores do álbum, Purity permaneceu como favorita entre o público e era frequentemente tocada ao vivo.
NO LIFE
Imerso em um furacão de raiva, No Life expressa o rancor daqueles que se sentem à margem do sistema. A música retrata alguém incompreendido, transformando essa rejeição em um grito contra o conformismo e a apatia. Agora, Corey Taylor reflete abertamente sobre os traumas vivenciados no final dos anos 1990 e oferece o reflexo sonoro de uma crise existencial, onde a arte se torna o único refúgio para suas emoções reprimidas
Quando alterna entre guturais e um flow rápido, quase hip-hop, No Life se destaca como uma das faixas mais dinâmicas do álbum. Essa simbiose revela as influências marcantes que o Slipknot trouxe ao gênero, diferenciando-se das demais bandas de nu-metal da época. O uso de sons experimentais, provenientes de materiais reciclados como baldes, sinos, latas, tambores e até mesmo um ferro de passar roupa, usado por Shawn Crahan em uma de suas apresentações ao vivo, reforça seu senso de desordem e cria uma atmosfera opressiva que nunca desaparece completamente,
EYELESS
Após aterrissarem em Nova York, a banda se deparou com uma cena peculiar. Um morador de rua caminhava em círculos, gritando: Você não consegue ver a Califórnia sem os olhos de Marlon Brando! Para aqueles que transitavam, parecia um delírio irracional, mas os músicos abraçaram a frase como sua meditação particular. A imagem distorcida da realidade, que associava Marlon Brando, um ícone enigmático do cinema, à Califórnia, símbolo de ambições inatingíveis, foi considerada a principal fagulha criativa por trás de Eyeless. Com uma introdução de surras constantes, a assinatura de Jordison converteu o instrumento não apenas em algo significativo, mas na força catalisadora de toda a composição. A técnica do double kick pedal (bateria de dois pés), atrelada a ilustres blast beats, foi fundamental para pintar o papel da música com passagens rítmicas variadas e um imenso senso de urgência.
Se traçarmos paralelos entre Eyeless e outros momentos da história, também podemos considerar Territorial Pissings do Nirvana, a desorientadora filha de Nevermind. Ao dividir o mesmo assombro de estar à beira do colapso, Corey repete: Tudo isso está só na sua cabeça. Como se estivesse tentando convencer a si de que a dor não é real. Harmonizando o conservadorismo do gênero com uma carga surrealista, a poesia se tornou um selo distintivo do cantor.
ME INSIDE
Embora não seja um single, Me Inside empurra a bestialidade original de Slipknot através da introspecção pré-estabelecida pelo título. Desbravando sensações de isolamento e o desejo de libertar o que está refugiado em si, a letra reflete uma raiva juvenil característica do nu-metal, principalmente no uso de metáforas: De casca vazia e correndo pelado. Completamente sozinho, lobotomizado. Para a frente e para trás entre meus declives.
A produção de Ross Robinson coloca os ouvintes diretamente no meio de uma claustrofobia, mas há um sentimento de caos organizado, como se os integrantes estivessem sempre a ponto de enlouquecer, mantendo controle suficiente para segurar as rédeas. Thomson e Root exploram esse aspecto através da distorção, criando um peso quase físico, ainda na reminiscência do que bandas como Deftones são conhecidas por reproduzir. Sem solos, suas guitarras sempre sustentam a emoção crua em vez de apenas focar na complexidade técnica.
(sic)
Derivada do latim, (sic) ou sic erat scriptum, que significa “assim estava escrito”, é usada ao indicar mensagens reproduzidas exatamente no formato original, mesmo fora dos padrões e normas. Essa expressão representa uma referência perfeita para o que a faixa simboliza. Brutal e implacável, ela define a estética tanto sonora quanto filosófica do Slipknot, enquanto mergulha em um abismo de frustração.
A escolha de passagens diretas como Você não pode me matar porque eu já estou dentro de você, aponta para um estado de autossuficiência, criando a ponte perfeita entre desespero individual e coletivo. Sua narrativa é semelhante até mesmo ao lirismo clássico do Nine Inch Nails, onde Trent Reznor costuma abordar temas como abuso de poder, alienação e angústia.
Manipulando samples, scratches e amostras eletrônicas singulares, Sid Wilson e Craig Jones também inseriram o grupo em um cenário raro. A quantidade de variações amplifica o som de (sic), assemelhando-se a engrenagens de uma máquina desgovernada, mas ainda assim funcional. Esse impacto pôde ser sentido nas gerações seguintes, sobretudo em Bring Me the Horizon, que incorporou, anos depois, os mesmos elementos.