Taylor Swift — Midnights | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Taylor Swift — Midnights

Taylor Swift — Midnights

O potencial de permanecer fiel às expectativas de uma dedicada base de fãs é um trunfo por si só para Taylor Swift, um exemplo raro de aclamação crítica e devoção do público. Com exceção a um single catastrófico de 2019, a cantora reúne não só feitos sublimes ao longo dos seus 16 anos de carreira, mas uma discografia consistentemente bem sucedida comercialmente. Para os seus seguidores, Swift é mais do que uma estrela pop: é um símbolo de suas juventudes, vivenciadas ao som de canções que conversavam com os sentimentos e experiências adolescentes como poucas outras. Por mais de uma década e meia, a habilidade de Taylor para proporcionar transições sutis ao seu catálogo e imagem, aliada à técnicas de divulgação e marketing cuidadosamente planejadas e algum talento para reutilizar controvérsias ao seu favor, foram o que a permitiram permanecer relevante, não importando o quão polarizante sua música (ou pessoa) pudesse soar.

A transição dos acústicos Country embebidos em perceptíveis produções pop de seus trabalhos iniciais foram o que a catapultaram para a fama, bem como o apoio de milhões de jovens garotas americanas que viam-se representadas em suas composições. Esse aspecto é, aliás, uma das matrizes da identidade de Taylor: a jovem deslumbrada, natural de uma cidade pequena na Pensilvânia, que dominou o mundo com suas letras românticas e sinceras. Mesmo que tenha se desviado dos limites comuns do Country razoavelmente cedo em sua discografia, Swift não é particularmente conhecida por tomar riscos ou explorar novas sonoridades. Talvez por isso, raramente cometa falhas musicais verdadeiramente pertinentes.

Após os aclamados folklore e evermore, lançados em 2020 e 2021 num formato de divulgação menos ostensivo até então inédito em sua carreira, Taylor revelou a primeira imagem de Midnights na edição deste ano do VMA. Um disco de inéditas já vinha sendo aguardado pelos fãs desde o lançamento das regravações dos álbuns Red, originalmente de 2012, e Fearless, de 2008, e a sucessão de teasers no TikTok incendiaram outras redes sociais com especulações sobre o novo projeto que, segundo a artista, é uma “jornada através de terrores e sonhos doces” e o produto de “treze noites acordada”. Se para alguns as madrugadas oferecem súbitos picos de energia e criatividade, para alguém tão notório por sua constante articulação e engenhosidade como Taylor Swift, ofereceram um disco inteiro, composto por treze faixas na versão original e mais sete na estendida.

A serenidade oferecida por Midnights é etérea, romântica e, não raramente, reflexiva e autocrítica. “Tenho essa coisa de ficar mais velha, mas nunca mais sábia”, revela em Anti-Hero, o primeiro single do álbum, onde Swift assume suas imperfeições e incoerências para reafirmar suas dificuldades de relacionamento. Diferentemente do tom romanticamente tóxico e sarcástico de Blank Space, Anti-Hero apresenta maior vulnerabilidade e consciência de si, apropriando-se do próprio narcisismo, devaneios ansiosos e tendências a maquinação. Numa narrativa contrária ao vitimismo do qual é constantemente acusada, Taylor assume que, sim, talvez ela seja o problema, antes de assumir suas dificuldades de reconhecer suas falhas (”posso olhar diretamente para o sol mas nunca para o espelho”). Aos fãs, oferece suas condolências ao admitir que deve ser cansativo torcer para ela apesar de tudo isso, uma anti-heroína.

Descrita por Swift como uma de suas composições que mais gosta, Anti-Hero sinaliza um amadurecimento notável em comparação às narrativas presentes em projetos anteriores, como as faixas do reputation dedicadas a revisitar seus conflitos com o clã Kardashian-Jenner e a modelo Karlie Kloss. Essa nuance, no entanto, é rompida alguns minutos adiante com os sintetizadores da percussão eletrônica de Vigilante Shit, uma ode sonora a um elemento recorrente na carreira de Swift: a vingança. Entre batidas que rememoram a produção de seu sexto álbum, a música seria confundida como uma faixa qualquer não fosse o conteúdo datado que, infelizmente, surge ocasionalmente no catálogo da compositora. ”Nos fins de semana, não me visto para os amigos, me visto para a vingança”, canta. Se no reputation Taylor teve toda a internet ao seu dispor para ligar os pontos e referências de suas letras revanchistas e ácidas, por mais performáticas e pouco críveis que algumas pudessem ser, o apelo da desinteressante Vigilante Shit é insuficiente para produzir o mesmo resultado.

Em parte, Midnights é bem sucedido mesmo quando apropria-se de sonoridades conhecidas do catálogo de Taylor e cria um som familiarmente sensível e liricamente afiado, seja para projetar uma sensação agridoce ou de êxtase. É o caso de Lavender Haze e Labyrinth, vendidas pela performance vocal aérea de Swift que, entre suspiros e passagens que alastram-se por sussurros assoprados, lembram a audiência do talento inato da artista em criar atmosferas românticas e saudosistas a partir de letras autorais e emotivas. É certo que, apesar de ser definitivamente a compositora mais habilidosa dentre suas contemporâneas de gênero, Swift certamente não é a vocalista mais capacitada. Ainda assim, há de se reconhecer sua competência em fabricar baladas pop deslumbrantes que, se no passado eram elogiadas pela reprodução de sentimentos adolescentes, agora oferecem uma transição delicada capaz de embalar experiências adultas com pontes tão memoráveis, turbulentas e encantadoras quanto a maioridade. O teclado de Sweet Nothing, ao fim do álbum, é mais um atestado da aptidão singular da artista em continuar traduzindo seu relacionamento de seis anos com o ator Joe Alwyn em uma fonte notável de inspiração, ternura e paz.

Na mesma medida em que a influência de Jack Antonoff mostra-se um ocasional e discutível acerto em Midnights, é impossível não desejar que, à essa altura, Taylor aventure-se com produtores diferentes para projetos futuros. Por grande parte de seus quarenta e quatro minutos de duração, o álbum pode soar despersonalizado, com algumas faixas que poderiam pertencer ao catálogo de outras artistas conhecidas por recrutar Antonoff ou do próprio produtor, também membro de projetos musicais particulares. Tal característica é instantaneamente perceptível em Snow on the Beach, uma das músicas mais antecipadas do disco. Já há alguns anos, Swift declara sua admiração à Lana Del Rey, com quem colabora na faixa, e enquanto algumas canções anteriores na discografia de Taylor já apresentassem claras influências de Lana, a nova parceria teria, com facilidade, lugar no Norman Fucking Rockwell, disco da cantora novaiorquina também produzido por Jack Antonoff.

Midnight Rain sofre da mesma falta de customização com suas distorções vocais tão reminiscentes do Melodrama, álbum de Lorde de 2017 em que Antonoff leva os principais créditos. O inevitável efeito de comparação que a maioria das faixas do Midnights propicia é, igualmente, sua maior deficiência: a maior parte do disco já parece ter sido ouvido antes, tanto na voz de Taylor quanto de outras artistas que escolhem colaborar com o produtor. Diversas passagens instrumentais do álbum relembram o single The Archer, parte do projeto de 2019 da cantora, como os versos de Maroon, a segunda música. Apesar de polida por si só, a segunda canção do LP carrega semelhanças imediatas com a luxuriosa Dress, do reputation.

Na maior parte do tempo, a composição lírica do álbum permanece irretocável e engenhosamente trabalhada, mas nem mesmo a astúcia de Mastermind é o suficiente para compensar a retórica desajeitada e cafona de Karma, na qual Taylor alega não só acreditar fielmente no fenômeno de retribuição, mas já ter se habituado a ele da mesma maneira que acostuma-se a todos os outros elementos de sua vida. ”Karma é meu namorado, um deus, uma brisa no meu cabelo nos fins de semana”, anuncia no refrão, amparada por um instrumental repleto de sintetizadores energizados, antes de completar que o “Karma é um pensamento relaxante” para ela. Paralelamente, a inofensividade de Question…? passa despercebida num mar de outras produções similares, mas pode ser compensada pelo frescor nostálgico de You’re On Your Own, Kid, transcrição de algumas reflexões da artista provavelmente reminiscentes do princípio de sua carreira. Aqui, o baixo oportuno e a performance fluida de Taylor quase nos permite fazer vista grossa para alguns dos horrores relatados na letra, como a possível revelação de um transtorno alimentar passado (“Dei festas e mantive meu corpo faminto esperando ser salva pelo beijo perfeito”).

Não fosse pelos lançamentos de folklore e evermore, Midnights soaria como um amadurecimento natural do Lover ao abraçar a identidade visual e sonora sonhadora presente no disco. Ao trazer à tona capítulos e sons familiares à carreira de Swift, o novo álbum sequer aproxima-se de um progresso, mas da perpetuação de um legado seguro e responsável por agradar tanto os fãs quanto o público geral. Embora os sintetizadores quase cíclicos do álbum definitivamente ecoem de forma mais agradável à segunda ou terceira badalada da meia-noite, a madrugada apresentada por Taylor peca pela reprodução de uma fórmula instrumental reconhecível demais e, nas raras ocorrências de algum excesso, sucumbe a um conteúdo lírico desgastado e reciclado. Quase suficientemente competente, no entanto, o álbum é, em seus episódios mais admiráveis, atmosférico e confortável o bastante para acalentar as noites em claro dos apreciadores da música de Taylor Swift.

Nota: 6.6

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