Amaarae — Fountain Baby | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Amaarae — Fountain Baby

É oficial: ninguém tem feito música pop como Amaarae. Em seu segundo álbum, a ganesa americana é a luxúria personificada. Entre aspirações de fama e noites intensas o suficiente para levá-la ao nirvana, a artista reconhece seu potencial e o eleva ao máximo, ao mesmo tempo em que lança um dos discos mais impressionantes e versáteis do ano. Tão abrasivo quanto criativo, Fountain Baby recusa a objetividade de um rótulo e reinventa sons e fórmulas características do pop: Amaarae evoca Britney, Janet, Missy e Kelis na mesma proporção em que subverte os clichês líricos sexistas do rap masculino em benefício próprio. Mesmo quando cita grifes de luxo, exalta a opulência ou se refere às suas parceiras sexuais como “putas”, não demora a se descrever, também, como uma — não de maneira depreciativa, mas no tom mais elogioso possível.

Como se seu timbre etéreo e intoxicante já não imprimisse o tipo de sensualidade impiedosa expressa em suas letras, as escolhas de produção feitas por seus colaboradores roubam a cena pela inventividade. Harpas, violinos e sintetizadores se fundem com folk japonês, tambores africanos e sintetizadores para criar o pop mais lascivo do ano. Numa coletânea de faixas multifacetadas, Fountain Baby explora, sem vacilar, nichos distintos do pop de forma multifacetada e perfeitamente executada. Com maestria invejável, o segundo álbum de Amaarae soma sonoridades típicas da década retrasada com as percussões abrasivas predominantes do Hip Hop sem perder o fôlego. 

Quer esteja zombando de paradigmas astrológicos ou mencionando anjos tibetanos em um contexto sexual, a artista não perde a oportunidade de fazer alusões às suas ambições e vida amorosa ao mesmo tempo em que tece uma associação macabra entre a beleza de uma amante e o potencial homicida de Ted Bundy e John Wayne Gacy, notórios serial killers estadunidenses. Numa seleção sarcástica, os títulos das faixas do Fountain Baby instigam alguma curiosidade ambígua e anunciam, numa propaganda inteligente, a versatilidade do disco. Aquamarie Luvs Ecstasy e Sociopathic Dance Queen poderiam batizar músicas dos primeiros álbuns de Lady Gaga, enquanto Sex, Violence, Suicide passariam como nomes possíveis numa tracklist de qualquer banda punk.

Interrompendo a introdução orquestral de All My Love, a energia ardente de Angels in Tibet abre o disco numa mistura dançante de hyperpop e afrobeats sem se cravar definitivamente em qualquer um dos gêneros. A faixa inaugura e sinaliza uma tradição do disco: por mais deslumbrante que a produção do Fountain Baby possa ser, é a voz hipnótica de Amaarae que comanda a grande maioria das canções e dá forma a narrativas impetuosamente eróticas em um tom que, antagonicamente, é adocicado. Co-Star, o principal single do disco, abusa ao máximo dessa dinâmica, aqui amplificada pela narrativa que brinca com os signos do zodíaco. Para cada um deles, Amaarae tem um verso divertido e inteligente na manga (“eu e ela, parece sexo à três; deve ser geminiana” é uma das linhas mais cômicas do ano). Na mesma linha, canções como Princess Going Digital, Big Steppa e a prazerosa Reckless & Sweet sustentam as elevadas expectativas criadas por suas antecessoras com energia e groove, privilegiadas pela performance vocal harmoniosa e convidativa de Amaarae.

É, entretanto, no eixo central do Fountain Baby que a artista melhor demonstra suas influências versáteis e, ao vesti-las com uma confiança invejável, executa algumas das canções mais fascinantes dos últimos anos. Embora notoriamente autoral, Wasted Eyes, uma das melhores faixas do disco, remonta, mas também reinventa, a era em que a sonoridade urbana de uma fatia do R&B dominava a música pop: da harpa que introduz a música ao refrão viciante, Wasted Eyes relembra alguns dos hits mais memoráveis de Britney Spears da primeira metade dos anos 2000, enquanto uma percussão abrasiva e trompetes no refrão são somados à passagens vocais aceleradas para criar uma atmosfera extremamente envolvente. O mesmo pode ser dito sobre o Hip Hop nostálgico de Counterfeit, que emprega um sample de uma produção de 2006 de Pharrell Williams com extremo bom gosto.

A habilidade de Amaarae em transitar entre diversos gêneros, momentos e influências é, aliás, um dos maiores trunfos do projeto, que prova incontáveis vezes o ecletismo e o requinte da cantora. Disguise é incrivelmente sedutora e, sem tornar-se excessivamente elaborada, comprova que personalidade e boas ideias excedem, na música pop, a necessidade de letras profundamente enigmáticas ou reveladoras. Tudo o que Amaarae propõe em seu segundo álbum é que seu ouvinte se entretenha tanto quanto ela, e seu esforço em tornar a experiência completa do disco memorável é certamente inegável. Por essa razão, quando a primeira metade de Sex, Violence, Suicide interrompe com sutileza a cadência pré-estabelecida pelas faixas anteriores, é impossível não sentir algum estranhamento. Míseros dois minutos e meio são o suficiente para que o Fountain Baby volte a impressionar, já que a segunda parcela da faixa transborda a atitude inebriante típica das bandas punk Riot grrrl, como o Bikini Kill ou o Voodoo Queens.

Numa seleção sarcástica, mas funcional, títulos de faixas como Princess Going Digital, Aquamarie Luvs Ecstasy e Sociopathic Dance Queen poderiam estar estampados em camisetas de Paris Hilton ou, ainda melhor, serem nomes de usuário da jovem celebridade mais descolada de Hollywood no MySpace. Sociopathic Dance Queen, aliás, é outro dos momentos altos do projeto, empregando alegorias mitológicas de Hades e Perséfone numa história tão sensual quanto tóxica, contrastada pela batida colorida de synth pop e a voz adocicada de Amaarae, que parece estar vivendo sua juventude da forma mais impulsiva, luxuosa e afrodisíaca possível. Ela quer que seu ouvinte faça o mesmo e, para se certificar de que o convite seja irrecusável, entrega, com folga, o possível melhor álbum de 2023.

Nota: 9.5

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