Clássicos da música brasileira que completam meio século em 2024 (Parte 1) | Moodgate
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Clássicos da música brasileira que completam meio século em 2024 (Parte 1)

Esta lista em duas partes contendo, ao todo, 11 álbuns nacionais que completam 50 anos de existência em 2024 foi feita para celebrar a força artística de tais obras que conseguiram resistir a um longo teste do tempo, permanecendo atuais e com o mesmo brilho de quando foram lançadas há meio século. Esta é a nossa forma de honrar e agradecer aos grandes artistas por trás desses trabalhos que irão ecoar para sempre na história da música brasileira.

Confira, abaixo, a primeira parte da nossa seleção de clássicos:

Elis & Tom, de Elis Regina e Tom Jobim

No ano de 1974, Elis Regina chegou a lançar um excelente álbum solo (trazendo interpretações de clássicos como Travessia e O Mestre Sala dos Mares), mas o que realmente se tornou um marco em sua discografia foi o histórico registro de seu primeiro encontro musical com Tom Jobim.

No antológico álbum Elis & Tom, de agosto de 1974, a cantora gaúcha interpretou 14 grandes clássicos de Jobim ao lado do próprio ícone da Bossa Nova, que, mesmo em um papel de coadjuvante, marcou presença em todas as faixas, seja atuando como instrumentista ou fazendo dueto com Elis em algumas músicas.

A proposta do álbum veio à cantora através de seu ex- empresário, Roberto de Oliveira. Na época, Elis iria completar 10 anos de contrato com a gravadora Phillips, e estava com a reputação um pouco chamuscada, devido à sua polêmica participação em um evento promovido pela Ditadura Militar. Assim, a possibilidade de gravar com Jobim foi oferecida à gaúcha como um presente da Phillips e, também, como uma estratégia de reposicionamento de imagem.

Nenhuma das canções do repertório era inédita, mas a sintonia entre Elis e Jobim se mostrou tanta que músicas como Águas de Março (original de 1972) e Só Tinha de Ser com Você (original de 1965) acabaram se tornando muito mais icônicas com a participação da cantora.

O que poucos sabem é que essa obra-prima da MPB quase deixou de ver a luz do dia, devido ao forte clima de tensão e relutância que predominava nos primeiros dias de gravação: Elis chegou a pensar em desistir do projeto, ao se deparar com algumas crises de mau humor de Jobim – que havia aceitado o convite com uma certa má vontade, pensando apenas em recuperar o enorme prestígio midiático que ele havia alcançado na década de 1960. Entretanto, como mostra o recente documentário Elis & Tom- Só Tinha de Ser com Você, os dois artistas acabaram desenvolvendo, com o tempo, uma relação de admiração mútua e amizade genuína, muito graças às afinidades musicais que possuíam e, claro, aos brilhantes desempenhos que Elis tinha ao interpretar canções do repertório de Jobim.

Da mesma forma que as performances de Elis nas gravações encantaram Tom Jobim, elas, posteriormente, viriam a maravilhar o mundo inteiro: além de ter sido um megassucesso de vendas, Elis & Tom foi aclamado pela crítica nacional e internacional, e permanece sendo um dos registros mais reverenciados da história de música brasileira, até os dias de hoje.

A Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben Jor

Em 1974, Jorge Ben Jor (naquela época, ainda Jorge Ben) já era reconhecido há mais de 10 anos como uma figura ímpar no cenário musical brasileiro, devido ao seu estilo único que fugia do purismo do samba convencional ao incorporar elementos singulares ao gênero. Porém, foi com o clássico A Tábua de Esmeralda que o cantor carioca elevou a sua sonoridade experimental à enésima potência.

Este excêntrico trabalho se diferencia dos demais registros que haviam sido lançados pelo artista até então, não apenas pela presença de arranjos psicodélicos em quase todas as suas faixas, mas também por conter dezenas de referências que refletem o grande interesse de Jorge Ben Jor por temas cósmicos e herméticos: o próprio título do álbum remete diretamente ao texto ‘’A Tábua de Esmeralda’’ (atribuído a Hermes Tresmegisto), que deu origem ao estudo da alquimia, enquanto a capa faz alusão à tumba do alquimista francês Nicolau Flameu.

Aliás, no decorrer do álbum, Jorge faz referências a vários estudiosos da alquimia, mesmo que de forma sutil: em Os Alquimistas Estão Chegando e Hermes Trismegisto e Sua Celeste Tábua de Esmeralda a temática presente nas letras é explícita, mas poucos sabem que as canções pop O Homem da Gravata Florida e O Namorado da Viúva fazem alusão a Paracelso e Nicolau Flameu, respectivamente.

A faixa Errare Humanum Est, por sua vez, reflete o interesse do cantor pela ufologia, fazendo referência positiva ao controverso livro ‘’Eram os Deuses Astronautas?’’ (de Erich Von Däniken) no refrão e utilizando diversos elementos psicodélicos para criar uma forte atmosfera espacial ao melhor estilo Space Oddity.

O que torna A Tábua de Esmeralda genial é, justamente, o fato de que o álbum consegue ser tangível para as grandes massas mesmo nos momentos em que o cantor evoca temas místicos e, muitas vezes, pouco debatidos no Brasil. De uma forma que nenhum outro artista conseguiria repetir, Jorge Ben Jor consegue transformar teorias profundas a respeito de alquimia e ufologia em canções populares com um suingue irresistível.

Porém, além de canções relacionadas a essas duas inusitadas paixões do cantor carioca, o álbum também dá espaço para a abordagem de temas como amor, cristianismo e luta pela igualdade racial, nas igualmente excepcionais faixas Menina Mulher da Pele Preta, Brother, Magnólia, Cinco Minutos (5 Minutos), Zumbi e Minha Teimosia, uma Arma Pra Te Conquistar.

Contrariando as expectativas de vários funcionários de gravadora (que achavam o repertório apresentado ‘’pouco comercial’’), o álbum acabou se tornando um enorme sucesso de vendas, aqui e no exterior. Até os dias de hoje, A Tábua de Esmeralda segue sendo o disco mais aclamado da carreira de Jorge Ben Jor, e é considerado pelo próprio cantor o melhor trabalho de sua trajetória.

Cartola, de Cartola

Antes de sua estreia oficial como artista solo, em 1974, o saudoso Cartola já era uma figura conhecida no cenário do samba e da boemia carioca desde a década de 1930: ele já havia ajudado a fundar a Escola Primeira da Mangueira (e composto sambas-enredo para a mesma), assinado composições ao lado de nomes renomados (como Noel Rosa, Carlos Cachaça e Elton Medeiros) e tido canções de sua autoria gravadas por artistas como Clara Nunes, Paulinho da Viola, Nara Leão, Carmem Miranda, Elis Regina, Isaura Garcia e Elza Soares. Entretanto, a consagração do sambista veio apenas a partir do ano em que ele lançou, aos 65 anos de idade, seu álbum de estreia Cartola.

Com composições autorais de sobra àquela altura, o cantor fez de seu primeiro álbum um compilado de alguns de seus melhores materiais, reunindo, logo de cara, obras-primas como O Sol Nascerá, Tive Sim, Alvorada, Disfarça e Chora, Corra E Olhe Pro Céu, Acontece e Quem me Vê Sorrindo.

Grande parte das canções presentes no trabalho já eram nacionalmente conhecidas nas vozes de outros artistas, mas elas nunca haviam sido gravadas por seu próprio autor, até então. Assim, o álbum de estreia de Cartola se tornou um clássico instantâneo por, enfim, apresentar ao mundo o genial compositor do Morro da Mangueira que, há mais de 30 anos, vinha prestando um enorme serviço à música brasileira com seu trabalho poético.

A partir daí, Cartola ficou nacionalmente reconhecido como um dos maiores sambistas da história e passou a viver todas as glórias de um cantor e compositor aclamado. Antes de sua morte, ocorrida em 1980, ele ainda gravou outros 3 álbuns de sucesso: Cartola II (1976), Verde Que te Quero Rosa (1977) e Cartola 70 Anos (1979).

Canta Canta, Minha Gente, de Martinho da Vila

Logo em seu autointitulado álbum de estreia, de 1969, Martinho da Vila se tornou um nome respeitadíssimo no meio da samba, estourando sucessos como Casa de Bamba, O Pequeno Burguês, Quem é do Mar Não Enjoa e Pra Que Dinheiro?. Entretanto, foi em 1974, com seu sexto álbum de estúdio Canta Canta, Minha Gente, que o artista atingiu um outro patamar de reconhecimento nacional.

Já na abertura, há a emblemática faixa-título que se tornou hit ao ditar o alto-astral presente em todo o álbum: em Canta Canta, Minha Gente, Martinho convida o público a cantar e esquecer a tristeza dos dias ruins, expondo a sua esperança de melhores tempos no futuro (o que é interpretado por muitos ouvintes como uma cutucada à Ditadura Militar, que assombrava o Brasil na época e que, naquele exato ano, estava em fase de declínio econômico).

Em seguida, vem mais um megassucesso: a segunda faixa do álbum, Disritmia, se tornou um hino da boêmia e foi a música mais tocada nas rádios brasileiras, em 1974.

Outra canção marcante de Canta Canta, Minha Gente é Tribo dos Carajás (Aruaña Açu), que havia sido criada, originalmente, para ser samba-enredo da Unidos de Vila Isabel, mas foi censurada pelos militares, devido à sua temática crítica a respeito do extermínio dos povos indígenas. Aliás, a relação de Martinho com a Unidos de Vila Isabel também se faz presente na faixa Renascer das Cinzas, composta pelo cantor com o objetivo de levantar o astral dos componentes da escola de samba, que havia ficado em último lugar no Carnaval daquele ano, devido a um desfile pífio que aconteceu de tal forma muito por conta do veto da Ditadura à Tribo dos Carajás.

Em todos os momentos do álbum em que Martinho aborda situações difíceis – tais como a tristeza, o extermínio dos povos indígenas (em Tribo dos Carajás) e a luta por igualdade racial (em Nego Vai Cantar) – o cantor prega o otimismo como ferramenta essencial para enfrentar tais problemas.

Além do alto-astral, outra característica constante nas canções deste trabalho é a brasilidade, que se faz presente não apenas pelo samba de raiz, mas também pela abordagem de temas como futebol (em Calango Vascaíno, que homenageia o time de coração de Martinho), carnaval (em Renascer das Cinzas) e até mesmo espiritualidade afro-tupiniquim (na faixa de encerramento Festa de Umbanda).

Vale mencionar, também, a brilhante releitura do sambista para Malandrinha. Original de 1927, a composição de Freire Junior já havia sido regravada por diversos artistas àquela altura, mas foi através da voz e do arranjo de Martinho que ela ganhou sua melhor versão.

Ao ser lançado, o álbum recebeu aclamação nacional e superou, com folga, as vendagens de todos os outros trabalhos que haviam sido lançados pelo artista carioca, até então. Cinco décadas depois, Canta Canta, Minha Gente segue reconhecido por muitos como um dos melhores álbuns da história do samba e, também, como o melhor de toda a carreira de Martinho da Vila.

Gita, de Raul Seixas

Pouco tempo depois de Raul Seixas estrear em carreira solo com o ótimo álbum Krig-Ha Bandolo (1973), tanto ele quanto o seu parceiro de várias composições Paulo Coelho passaram a ser perseguidos pela Ditadura Militar Brasileira da época, que alegava comportamento subversivo por parte da dupla. Os censores do Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) se irritaram com as mensagens libertárias presentes no ‘’Manifesto da Sociedade Alternativa’’ (que era inspirado na filosofia ocultista de Aleister Crowley e havia sido distribuído no livreto que acompanhava o disco) e ainda implicaram com o título do álbum, supondo, sem qualquer base teórica, que aquilo se tratava de uma mensagem revolucionária cifrada. Por isso, Raul e Paulo chegaram a ser torturados por alguns dias e, no início de 1974, foram exilados do Brasil para morarem em Nova York. Lá, eles lançaram o aclamado sucessor de Krig-Ha Bandolo, Gita.

Com 12 faixas inéditas (sendo 7 delas com letra de Paulo Coelho), o álbum foi lançado poucos meses depois do início do exílio da dupla e se tornou o maior sucesso comercial da carreira do Raul Seixas, ao vender cerca de 600 mil cópias no Brasil. Já na capa, o roqueiro baiano fazia provocação aos militares brasileiros, ao aparecer vestido de guerrilheiro e empunhando uma guitarra vermelha, porém, o êxito de Gita se deve, não apenas à posição de mártir que o músico obteve após ter sido perseguido pela Regime, mas também ao incrível repertório do álbum – que trazia canções sensacionais como Medo da Chuva, O Trem das 7, Gita, S.O.S e Sociedade Alternativa (onde Raul cantava sobre a sua filosofia de vida já citada no livreto que havia enfurecido os militares).

O megassucesso deste segundo trabalho solo fez Raul Seixas ganhar um status de patrimônio da música nacional. Tanto que, em dezembro de 1974, ao tomar conhecimento do tamanho da popularidade de Gita por aqui, o cantor decidiu voltar a viver no Brasil (onde permaneceu até a sua morte, em 1989).

Loki?, de Arnaldo Baptista

Após o final de seu casamento com Rita Lee, em 1972, Arnaldo Baptista mergulhou em uma depressão profunda que, poucos meses depois, se potencializou, devido ao sentimento de culpa que ele passou a carregar consigo após expulsar Rita dos Mutantes. Assim, o músico paulistano passou a se entregar cada vez mais ao vício em LSD, e isso desencadeou nele uma série de comportamentos patológicos, como paranoia e o desejo delirante de construir uma nave espacial. Devido a esses problemas psicológicos, em 1973, foi a vez do próprio Arnaldo ser afastado dos Mutantes.

No ano seguinte, carregado de sentimentos intensos, o artista lançou seu primeiro álbum em carreira solo, Lóki?. Tal trabalho recebeu pouquíssima divulgação e não foi um grande sucesso de vendas, mas obteve aclamação da crítica especializada e, com o passar dos anos, adquiriu status cult dentro do Rock brasileiro (principalmente após a tentativa de suicídio que, em 1981, acabou comprometendo ainda mais o estado mental de Arnaldo).

Durante todas as suas 10 faixas, Lóki? possui uma aura psicodélica, lisérgica e bastante pessoal que reflete muito do momento delicado que o músico vivia na época. Entre os momentos mais emblemáticos do álbum, está a canção Desculpe, onde Arnaldo pede perdão à ex- esposa e não esconde o quanto se sentia abalado pelo fim do relacionamento entre eles.

Aliás, Rita Lee colabora com vocais de apoio em duas faixas do álbum (Não Estou Nem Aí e Vou me Afundar na Lingerie), e ela não é a única ex-integrante do Mutantes presente em Lóki?: foi Liminha quem gravou as linhas de baixo de quase todas as canções do registro, enquanto Dinho Leme ficou encarregado de gravar a bateria. Os demais instrumentos presentes no trabalho foram tocados por Arnaldo.

Curiosamente, Lóki? dispensa qualquer uso de guitarra elétrica. Por mais que se trate (majoritariamente) de um álbum de rock, a obra é composta por canções pautadas pela presença do piano, contando com violões apenas na faixa de encerramento É Fácil (que, segundo Arnaldo, possui esse nome por remeter à afirmação de que teria sido fácil fazer um álbum com a presença de guitarras, se ele quisesse).

50 anos após o seu lançamento, este permanece sendo o álbum mais aclamado da carreira solo de Arnaldo Baptista. Trata-se de um registro artístico visceral de uma fase muito difícil vivida pelo ex-mutante e, também, de um dos melhores álbuns nacionais dos anos 70.

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