Harry Styles - Harry's House | Moodgate
Um novo sentimento para a música
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Harry Styles – Harry’s House

Harry Styles – Harry’s House

Harry Styles esteve definitivamente ocupado nos últimos anos. Desde as interrupções das atividades de sua alma mater One Direction em 2016, o britânico empenhou-se em produzir uma identidade visual e sonora distinta de seus antigos colegas de grupo, que também embarcaram em carreiras solo com méritos particulares.

Sign of the Times, o primeiro single solo de Styles, antecipava que sua trajetória individual se distanciaria em muito do pop apelativo emulado por sua banda, ainda que a adoção de tal gênero (aliado a forte construção de imagem e esforços colossais de sua base enorme de fãs) tenha sido um dos fatores principais para que o One Direction tivesse alcançado o estrelato global.

Os sucessos de Adore You e Watermelon Sugar, de seu segundo álbum de estúdio, elevaram o cantor ao status de sensação internacional, rendendo ainda mais atenção crítica e notoriedade entre públicos ainda não explorados.

Apesar da sonoridade mais próxima ao indie rock/pop, Harry, no entanto, não esqueceu as lições mercadológicas aprendidas nos anos com o grupo e ainda sabe como despertar a curiosidade de jovens adultos na mesma medida em que levar adolescentes à completa histeria, seja usando um vestido ou admitindo dispensar rótulos acerca de sua sexualidade. Ainda mais do que antes, Styles esculpe sua imagem à semelhança camaleônica de antecessores como David Bowie, permitindo que sua persona enigmática e nebulosa ofereça aos fãs a possibilidade de pensar ou idealizar o que bem entenderem sobre ele.

Novamente, Harry esteve, sim, muito, muito, muito ocupado. Talvez por isso, a casa que nos é apresentada em Harry’s House seja tão desorganizada, como se seu proprietário tivesse ficado fora por algum tempo, quase como se não esperasse receber visitantes. Do início ao fim, Styles oferece ao ouvinte um compilado de faixas que falham em produzir uma impressão persistente. A roupagem funk e quase Motown de Music for a Sushi Restaurant, canção que abre o disco, introduz coros alegremente coloridos, com harmonias e riffs vocais engrandecidos por trompetes empolgantes que, bem alocados, quase eclipsam a impressão de que a letra ainda estaria em sua versão demo.

Não por acaso, o próprio artista reconhece esse caráter quase incompleto e despretensioso da composição, que vaga entre mencionar ingredientes culinários e sugerir que sua amante é tão quente que “poderia cozinhar um ovo” nela, tudo isso em meio a onomatopeias frequentes.

Em entrevista a Apple Music, Harry comentou que pensa na faixa como se fosse o que cantaria informalmente em uma roda de amigos, quando eles pedem para ouvir um pouco de música. A falta de zelo lírico é, aliás, uma infeliz distração pelo restante do disco. O escapismo de Keep Driving, a décima música, soa substancialmente adolescente ao tratar de uma viagem de carro com um par romântico com uma empolgação tão modesta que faz a excursão parecer uma ordinária e nada atraente volta no quarteirão. Na ponte, palavras cantadas em ritmo acelerado oferecem a sensação imagética de que o próprio ouvinte é um dos participantes da jornada automobilística, mas nem mesmo isso é o suficiente para desapropriar a música de sua linearidade desanimada.

Os numerosos cômodos da casa de Harry parecem, ainda, voltar ao redor de temas muito similares: reflexões e confissões românticas surgem em algum momento por quase todas as composições do disco e em raras ocasiões sucedem em fugir do habitualmente meloso e superficial. Em Late Night Talking, o cantor recorre a clichês quando afirma não conseguir parar de pensar em sua amada, a quem dirige juras de amor e felicidade. Os vocais assoprados e adocicados de Grapejuice reproduzem o desejo do eu lírico em estar com quem ama em um cenário idealista e pitoresco, dividindo uma garrafa de vinho de 1982. Daylight acompanha a temática ao trazer os comentários de Harry acerca de um relacionamento à distância de modo pouco inventivo, declarando que se fosse um pássaro azul, voaria até seu par.

Tirando as sugestões ocasionais ao uso de drogas e bebidas alcoólicas, todas as composições até esse ponto poderiam estar estampadas numa página reservada a canções do One Direction, sem levantar suspeita alguma. Quando não soa repetitivo, o conteúdo romântico das letras parece ter sido também executado de uma forma mais inteligente no disco anterior, Fine Line. À altura de Little Freak, a sexta faixa, espera-se por mais do que reflexões sobre como é estar apaixonado e, por isso, Styles oferece uma balada amargamente morna e acústica sobre um amor passado que ainda habita seu imaginário e suas fantasias, alegando que tudo o que gostaria de saber é como ela (ou ele) está. O instrumental é curiosamente interessante, embora estrondosamente familiar.

Por vezes, as escolhas de produção de Harry’s House parecem mirar em algo além do óbvio, mas terminam assemelhando-se a algo que já se escutou antes. Little Freak, em especial, deixa a impressão de que estaria facilmente no álbum de estreia de um novo artista da Disney. Matilda baseia-se no livro de Roald Dahl e é, com razoável folga, uma das melhores performances vocais do disco, mais focada em transmitir a história de uma jovem destratada por sua família através das cordas cálidas de um violão e notas pesadas de piano.

Cinema, provavelmente sobre o relacionamento de Styles com a atriz e diretora Olivia Wilde, é facilmente um dos pontos altos do projeto e conta com a lírica mais sugestiva do álbum e, coincidentemente, uma das mais obtusas, com metáforas estéreis e previsíveis. Reminiscente dos Bee Gees, a produção é luxuosa e expande-se como um esforço genuinamente refrescante em meio a sintetizadores convidativos e um baixo capaz de recobrar a atenção do ouvinte.

A sucessora Daydreaming é funky ao máximo, com uma percussão interessante e alegre, bem demarcada pela presença de vocais de apoio e coros calorosos, numa fórmula que pretende funcionar ainda melhor ao vivo, com vocais esbravejantes e enérgicos. Satellite é instrumentalmente interessante, introduzindo acordes de uma balada antes de transitar para um synth pop com vocais distorcidos que, juntamente às guitarras do último refrão, reforçam a ideia sideral da canção. Nela, Harry confessa estar orbitando ao redor de alguém, esperando para ser puxado.

Em Boyfriends, Styles quer que você saiba que não é como os outros homens. Num mea culpa indulgente e classicamente auto bajulador, comentou à Apple Music que a faixa é sobre assumir responsabilidade sobre seu próprio comportamento, mas também observar condutas que testemunhou tendo crescido com uma irmã. ”Para namorados em todos os lugares, fodam-se!”*, gritou no Coachella pouco antes de apresentar a música pela primeira vez ao vivo. Mesmo se cantada por uma artista feminina, a letra seria difícil de se digerir, à exemplo do ativismo apático e pouco crível de Boys Will Be Boys ou You Need To Calm Down, de Dua Lipa e Taylor Swift. Nessa altura, parece faltar o bom senso de que canções como essas soam, em sua maioria, mais performáticas do que autênticas com suas frases de efeito tiradas de um blog qualquer do meio da década passada no Tumblr.

Harry fecha as portas de sua residência com a catártica de Love Of My Life, que reproduz os sintetizadores oitentistas de outrora e tardiamente atribui o posto de amor de sua vida a alguém que já o deixou. Nenhuma faixa, no entanto, supera o carisma e o potencial de replay de As It Was, single promocional lançado antes do disco. Nela, o artista subverte o hábito em prol da metamorfose, contentando-se até mesmo com as mazelas deixadas pela mudança.

É confuso afirmar que essa visita ao lar de Styles é o suficiente para gerar uma impressão além de que algumas regressões foram feitas desde seu último lançamento completo. Fine Line, afinal, contava com momentos excepcionais como as memoráveis She e Falling. Infelizmente, ao fim das treze faixas, Harry’s House passa como uma experiência majoritariamente opaca, esquecível e agridoce, deixando a sensação de que mais alguns meses de produção teriam resultado em uma conclusão melhor.

Nota: 5

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